Suicídio e vexame em Curitiba

Na Curitiba dos anos 30, o suicídio era retratado com casualidade e até ironia nos jornais, relata Heros Shwinden

O assunto é delicado e requer extremo cuidado ao ser mencionado, conviver com um vexame não é fácil. Meu último foi amoroso, enredo clássico que começa com os meses de entrega, passa pela negação e se vai com aquele silêncio cósmico, fiasco mesmo.

Fui buscar a cura em uma prática que divido com amigos de vasculhar páginas de jornais antigos da cidade. Na hemeroteca eletrônica buscamos reportagens policiais, esportivas, textos sobre o cotidiano da cidade, reclames, colunas sociais e histórias mais parrudas que os stories diários oferecem.

Curitiba certamente é um dos lugares mais férteis para toda a sorte de fracassos. Andava meio preso em reportagens policiais dos anos 1970 – o motim no navio Chinês no litoral do Paraná; a saga de Celso Hanick, o assaltante de bancos conhecido como Jack Palance e o noivo que apunhalou a noiva no dia do casamento.

Precisava de algo mais contundente e me arrisquei nas páginas de O Estado, periódico que circulou em Curityba entre 1936 e 1938. Logo na segunda edição do diário encontro a coluna “Na Polícia e nas Ruas” com nota informando o suicídio de um pai de numerosa família, um “typhographo”, por motivo de aperturas monetárias.

A onda

“Continuam a se repetir em nossa capital os suicídios, numa onda de sangue assustadora.” Que se lasque o chororô, Curityba registrava uma onda crescente de suicídios e tinha que ver isso de perto, logo eu que senti a dor incurável de gente muito próxima que se foi.

Ao que parece, naquele tempo não havia restrição aos veículos de divulgarem o tema, pelo menos em Curityba. Até aí tudo bem. O sinistro foi encontrar uma coluna na qual a autora além de confessar pensar em suicídio sugere criatividade aos suicidas. “E depois essa coisa de corda, sulfatos venenosos e revólver, já está muito batido.”

O bizarro não se esgota aí. Além de divulgar a passagem dos que “resolviam por termo à existência”, também eram divulgadas as tentativas de suicídio incluindo endereço completo da pessoa. Algumas muito violentas e outras com um final mais ameno como da menina Ephigenia, que por uma desilusão amorosa tentou “desertar a vida” se jogando no lago do Passeio Público.

O redator parecia se divertir com o malogro da moça. “Felizmente o intuito da adolescente não surtiu o effeito (assim mesmo, com ff) desejado a não ser um banho em momento impróprio”. Melhor assim Ephigenia. Foi só um vexame que você passou!

Em tempo

Durante décadas prevaleceu o tabu de falar sobre suicídio em veículos de comunicação. Entendia-se que a divulgação de casos pudesse inspirar potenciais suicidas. Em 1974, o sociólogo David Phillips batizou de “Efeito Werther” o fenômeno detectado após 20 anos de observação. Seus estudos revelaram que a partir da notícia de um suicídio veiculada no The New York Times no mês posterior era registrado significativo aumento de ocorrências.

O nome do efeito vem da obra Os sofrimentos do jovem Werther, do escritor alemão Wolfgang von Goethe, na qual o protagonista se suicida por amor. Talvez a primeira relação entre mídia e suicídio.

Ainda recentemente, a série 13 Reasons Why foi classificada como conteúdo adulto na Nova Zelândia e banida como assunto nas escolas do Canadá.

Hoje já se admite que bons relatos sobre o tema possam servir como material de prevenção. A própria Organização Mundial da Saúde, por meio do programa Suicide Prevention Program, deixa disponível um manual com informações fundamentais para os profissionais de mídia tratarem do assunto como deve ser.

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