Poder de compra menor e inflação puxam endividamento de famílias paranaenses

Educação financeira familiar pode ajudar a controlar gastos e diminuir compras por impulso

Para quitar o cartão de crédito Luís Santos (nome trocado a pedido do personagem) usou outro cartão. Resultado: a dívida que era de R$ 5 mil passou para R$ 15 mil. Uma bola de neve que ilustra bem a conjuntura de endividamento no Paraná.

Levantamento da Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-PR) mostra que em fevereiro 92,3% das famílias do estado tinham alguma dívida.

O número de endividados que não terão condições de pagar suas contas também aumentou de 7,6%, em janeiro, para 8,8%.

O tempo médio no atraso no pagamento das dívidas é de 61 dias. Nas famílias de renda alta, na maioria dos casos (47,4%), o atraso não passa dos 30 dias. Já entre as famílias de menor renda, boa parte (49%), mantém o atraso nos pagamentos por tempo superior a 90 dias.

Assim como Santos, o cartão de crédito é o grande vilão: 77% das dívidas dos que responderam à pesquisa são no cartão.

“O cartão é muito utilizado, seja para compra de bens duráveis ou alimentação. Com a inflação mais alta o poder de compra diminui e para recompor esse poder, as famílias acabam recorrendo ao cartão”, explica Rodrigo Schmidt, coordenador de Desenvolvimento Empresarial da Fecomércio.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, registrou alta de preços de 1,01% em fevereiro deste ano. A taxa é superior às observadas em janeiro deste ano (0,54%) e em fevereiro do ano passado (0,86%). Essa é a maior taxa para um mês de fevereiro desde 2015 (1,25%).

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em fevereiro o valor de alimentos básicos aumentou em todas as capitais. Em Curitiba, o aumento foi 2,57%.

Quando se compara o custo da cesta e o salário mínimo líquido, ou seja, após o desconto de 7,5% referente à Previdência Social, verifica-se que o trabalhador remunerado pelo piso nacional comprometeu, em média, em fevereiro de 2022, 56,11% do rendimento para adquirir os produtos da cesta, mais do que em janeiro, quando o percentual foi de 55,20%.

Inadimplência

Apesar da redução das medidas de segurança sanitária por conta da Covid-19 e da retomada da atividade econômica em diversos setores, a inadimplência que era de 6% em novembro do ano passado, em fevereiro ficou em 11,6%.

“Historicamente os primeiros meses do ano têm mais contas a serem pagas com educação, impostos e gastos de dezembro”, diz Schmidt.

A Guerra da Ucrânia e o aumento da taxa de juros – uma tentativa de deter o aumento da inflação – também pesaram no bolso do paranaense e embora haja uma perspectiva de melhora, especialistas estão mais cautelosos.

Para além destes fatores, também contribui para o endividamento das famílias as compras fora do planejamento. A chamada filosofia “Carpe Diem” (aproveite o dia) faz com que muitos brasileiros – sobretudo os mais jovens – assumam dívidas para as quais não estavam preparados financeiramente.

Educação

O salário mínimo vigente é de R$ 1.212. O valor adequado para suprir as necessidades básicas dos trabalhadores seria de R$ 6.012,18 de acordo com o Dieese.

Entre o ideal e o que cai na conta, cabe ter um olhar mais aprofundado sobre educação financeira. Diferente do senso comum, que liga esta questão ao empreendedorismo, a educação financeira também é uma tomada de decisão social.

Fernando Vargas, coordenador pedagógico na Conquista Solução Educacional, diz que é preciso mudar a cultura do país. Ele defende que discutir finanças com crianças, desde a primeira infância, cria senso de responsabilidade e, por consequência, impacta nas tomadas de decisões de compra.

“É desenvolvimento de habilidades em todos os conteúdos, de forma transversal e que garanta aprendizagem. [A educação financeira] não discute somente empreendedorismo – que é uma iniciativa de vida – mas também o consumo consciente.”

Para o educador mesadas ou “semanadas” podem ensinar as crianças a lidar com dinheiro. Para famílias que não dispõem de orçamento, outros caminhos podem ser utilizados, como uma economia em família. “Por exemplo R$ 30 ou R$ 40 por mês, onde todos os moradores colocam ali numa garrafa pet alguma contribuição. Isso já cria senso de responsabilidade”, destaca o especialista.

Assim como Luís Santos, que recorreu ao cartão de crédito em um momento difícil, este comportamento é comum no Brasil, passado de geração em geração.

“Quando uma criança entende a taxa de juros, entende como é ruim comprar no cartão de crédito ou como funcionam os financiamentos. Por isso é preciso romper com esse preconceito que as pessoas têm em falar de educação financeira e começar a discutir esse tema desde cedo.”

Fernando Vargas, coordenador pedagógico na Conquista Solução Educacional.

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