Podcast – Onde estamos 30 anos depois da queda do Muro?

A ilusão do fim da História e da vitória do liberalismo não resistiu ao tempo

O Brasil se preparava para o segundo turno das primeiras eleições presidenciais em quase trinta anos, entre o metalúrgico socialista Luiz Inácio Lula da Silva e a incógnita liberal salvacionista Fernando Collor de Melo, quando a televisão anunciou a queda do muro de Berlim. Era o dia 9 de novembro e o jornalista Pedro Bial, cercado de gente eufórica comemorando o fim do muro de concreto e do muro simbólico que separava o “paraíso” comunista do “inferno” capitalista, dizia: “vejo a história acontecendo diante dos meus olhos”.

No entanto, as pessoas que queriam romper o muro, fazer desaparecer o muro, apagar o muro, (mas não esquecer do muro) , não viam nada disso como a vitória do capitalismo, mas como a vitória da liberdade contra a violência brutal e desumana do totalitarismo. Mesmo assim os capitalistas comemoraram como se fosse por eles (e para eles) que o muro caiu.

Há trinta anos. Hoje, diante dos recordes de desigualdade social, nada do que vemos permite dizer que foi isso que realmente aconteceu. Da mesma forma que a vitória das ideias de Collor não sobreviveram a uma investigação do Congresso, a queda do muro só foi capaz de trazer novas perguntas ao mundo: e agora, sem muro, o que fazer para que a grande praça pública abrigue a todos, atenda com o mínimo de dignidade a todos?

Pois é sabido que o mínimo de bens os países chamados de comunistas proporcionavam, embora seja óbvio que pão é fundamental para a fome mas a fome de ninguém acaba com o pão. Continua com a vontade de criar, expressar-se, viajar, maravilhar-se, discursar, inventar, criticar, manifestar, ou mesmo ficar quieto em seu canto. Acontece que sem o pão, com a barriga roncando, e sem saúde, com o corpo todo doendo, aí as outras fomes se calam.

O desafio do mundo é o da liberdade com garantias mínimas de uma vida digna. E nesse aspecto  há ainda muitos muros levantados, muros verdadeiros como os da Cisjordânia e da fronteira do México, muros invisíveis como os que separam a pobreza da cidadania e separa a cidadania dos serviços públicos e separa os talentos da boa escola e separa os gênios do apoio e separa os cientistas de verbas e separa as minorias de reconhecimento.

Há trinta anos o muro de Berlim caiu e um intelectual norte-americano, Francis Fukuyama disse que a História havia terminado, que não haveria mais conflitos capazes de transformar o mundo e que agora navegaríamos em um mar de economias liberais contínuas, uma marolinha aqui, uma chuva mais forte ali, mas todos os barcos teriam como destino os mesmos portos.

E trinta anos depois nenhuma paisagem é mais conhecida do que a do mar revolto da economia mundial, da ascensão dos governos nacionalistas, dos discursos autoritários contra imigrantes fugidos das guerras em seus países, guerras alimentadas pelas políticas armamentistas das mesmas nações que tentam evitar a entrada dos fugitivos. Também há fortes ventos no comércio, com novas medidas protecionistas, sobretaxas, acordos bilaterais, guerra comercial. Tudo aquilo que  o capitalismo negava e pregava ser coisa do outro lado do muro.

Mas o muro caiu.

Mas o muro não caiu.

Ou são as pedras do muro caído ainda a atravancar o caminho.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima