Podcast – O Povo

José Feliciano da Silva conseguiu juntar um dinheirinho arrumando umas cercas do seu Teófilo do açougue e pintando as janelas da vendinha da dona Margarida. Contou ainda com a ajuda do cunhado, Marcos Antunes, conhecido como “Moqueca” pelos amigos, e […]

José Feliciano da Silva conseguiu juntar um dinheirinho arrumando umas cercas do seu Teófilo do açougue e pintando as janelas da vendinha da dona Margarida. Contou ainda com a ajuda do cunhado, Marcos Antunes, conhecido como “Moqueca” pelos amigos, e então comprou uma máquina de cortar grama. Já está ficando conhecido na vizinhança, faz um trabalho caprichado, é pontual e respeitoso com todo mundo. Já disseram pra ele que agora ele é empreendedor e isso arranca dele um sorriso grande. Sim, é isso. E conclui: A vida apronta cada uma pra gente, não?

José detesta o que ele chama de políticos da esquerda. Diz que nunca fizeram nada para ele, que só roubaram e ajudaram os vagabundos. Quem trabalha mesmo ficou sobrando. Mas agora a mamata desses comunistas vai acabar.

Isso é tudo que José sabe sobre Política. Não gosta de explicações compridas, acha que estão enrolando ele. Diz que votou no Bolsonaro porque ele é simples e trabalhador como ele.


Juarez Macedo , Vô Juca, como gosta de ser chamado, é um militar aposentado. Veio transferido do Pará ainda muito jovem e depois de servir em Porto Alegre e Uruguaiana, acabou sentando praça definitiva por aqui. Chegou a subtenente: fiz curso lá em Belo Horizonte. Muitos não conseguiram, mas eu consegui, diz agora, a carapinha branca e um bigode ralo que faz lembrar o Sílvio Caldas, para quem lembra do Sílvio Caldas.

Vô Juca, com uma fala mansa, tranquila, defende a pena de morte: bando de vagabundos, outro dia invadiram o quintal da Dona Jandira, que não pode nem andar direito porque colocaram um pino errado na perna dela lá no SUS, invadiram e levaram toda a roupa do varal, além dos dois bujões de gás. Sabe quanto custa um bujão de gás? O pessoal aqui fez uma vaquinha pra comprar um pra ela ter como cozinhar. Mas é uma palhaçada essa nossa Justiça. Nem adianta prender esse pessoal, que aparece um advogadozinho qualquer e solta. Esses juízes são todos comprados. A solução é a pena de morte.

A voz não se altera. Vô Juca tem três filhas e quatro netos. As moças todas bem casadas, diz orgulhoso. Só a mais nova teve uns problemas com o marido no começo, por causa de bebida, mas depois ele entrou pra igreja e o pastor curou ele. Jesus cuida dos bons, conclui com os olhos levemente molhados.


Maria do Rosário é motorista de Uber e me leva pro trabalho em uma manhã chuvosa de sábado. Pergunto há quanto tempo ela já está no volante. Tô terminando aqui. Rodei a noite toda. Sexta é bom, muita gente indo jantar, pra balada. E o aplicativo paga bônus quando você bate a meta. R$ 30. Hoje eu consegui. É interessante, você é quem decide se quer ganhar mais ou menos.

E como é de madrugada?, pergunto. Difícil, ela diz. Principalmente os bêbados. Quando veem que é mulher, ficam salientes, fazem comentários grosseiros. Mas tudo é trabalho, já estou acostumada. Fiquei 15 anos em uma seguradora mas daí vieram os cortes e como eu estava há mais tempo, dancei. Parece uma loucura: quem tem mais a ensinar, mais experiência, é quem menos interessa.

Difícil, disse pensando em mim mesmo. E soltei um “mas se tudo der certo, uma hora melhora”, já que estava chegando no meu destino. Ela olhou pra mim e disse: se os de cima olhassem pros mais pobres isso já tinha melhorado. Mas nesses últimos anos só roubaram e não fizeram nada para o povo. Vamos ver agora, com esse governo novo, querendo mudar tudo. Tô acreditando. Mas o Congresso tem que deixar ele fazer as coisas, tem que aprovar as reformas. Não acha? O povo quer mudanças.

O povo, sem dúvida, eu disse já com a porta aberta. Obrigado. Bom trabalho.

E ela: dei cinco estrelas pra você. Se puder me avaliar, eu ganho mais um bônus. É assim que funciona.

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