Livro sobre conservadorismo e novela de Dostoiévski são destaques em podcast

Ensaio sobre Burke e novela russa estão no episódio de "O que ler agora?"

O episódio desta semana do podcast “O que ler agora?” fala do novo livro que o português João Pereira Coutinho, colunista da Folha de S.Paulo, publicou sobre conservadorismo. E também de um dois principais textos curtos do final da vida de Dostoiévski.

Coutinho, que se classifica como conservador e que vem estudando o assunto, é um dos autores mais interessantes em língua portuguesa para discutir essa ideologia sem excessos ou histrionismos. Seus textos costumam ser claros e super sensatos, baseados em estudos sérios – e muitas vezes servem como contraponto importante para os supostos conservadores que chegaram ao poder no Brasil e seus gurus.

Dele, a Âyiné acaba de publicar “Edmund Burke – a virtude da consistência”, que discute a possível incoerência do pai do movimento conservador moderno. Teria sido Burke um hipócrita, que apoiou a revolução longe de casa e denunciou quando ela ocorreu no quintal de sua casa, na França?

O segundo livro do episódio é “O Sonho de um Homem Ridículo”, uma novela que Bakhtin diz ser um resumo dos temas de Dostoiévski. O livro, breve e profundo, fala sobre um sujeito que pensa em se matar e que repensa toda a sua vida a partir de um sonho e de uma menina desesperada que encontrou na rua.

“O que ler agora” é produzido em parceria com um pool de editoras independentes. AlephAntofágicaMundaréuOficina Raquel e Rua do Sabão apoiam o projeto.

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Leia a transcrição do episódio

No episódio de hoje a gente vai fazer a seguinte pergunta pro João Pereira Coutinho: será que é possível ser conservador do fundo do coração? Ou será que o conservadorismo é sempre uma hipocrisia? Porque o livro novo dele tem tudo a ver com isso. Vem comigo.


Tem uma frase do ministro Marco Aurélio do STF que sempre aparece na minha cabeça quando a pessoa vem com um monte de justificativas filosóficas pra pensar como pensa. Quando perguntaram como ele julgava, o Marco Aurélio Melo diz que primeiro olhava o caso, decidia o que ele pensava e depois saía atrás de jurisprudência, de autores que dessem base pra ele votar daquele jeito. Parece cinismo, né? Mas será que é? Será que todo mundo é assim? Você é a favor do casamento gay, ou da pena de morte, ou sei lá do que, e cita um monte de argumentos pra servir de base. Mas será que foram esses argumentos que fizeram a tua cabeça? Ou você só curte esses pontos de vista porque eles dizem o que você já queria ouvir.

A pergunta que dá origem ao livro novo do João Pereira Coutinho, um dos conservadores que vale a pena ouvir, é mais ou menos essa. MAs aplicada a uma pessoa específica: justamente o cara que meio que inventou o conservadorismo político moderno. A gente está falando do Edmund Burke.

O livrinho que a Âyiné está publicando se chama Edmund Burke – A virtude da consistência. E o que ele está tentando rebater é uma acusação que se faz contra esse irlandês, que é o autor favorito de boa parte dos conservadores – e aqui a gente está falando dos conservadores que se preocupam em ler, e não desse pessoal que está no governo. Aliás, o próprio Coutinho vai dizer daqui a pouco aqui no programa que o governo brasileiro é uma metástase do conservadorismo. MAs a gente já chega lá.

No caso do Burke, o problema é que quando foi deputado, ele pareceu mais progressista. Inclusive foi favorável à revolução americana, que levou à criação dos Estados Unidos. Mas quando a coisa chegou no quintal de casa, com a Revolução Francesa, a postura dele foi completamente diferente. O mesmo homem que tinha apoiado os revolucionários iluministas em outro continente agora escrevia tratados contra a revolução iluminista na França. Será hipocrisia?

“O problema dos dois Burkes lida com uma alegada contradição na carreira pública ou política de Burke: como explicar que o autor que apoiou a Revolução Americana tenha sido o mesmo que criticou violentamente a Revolução Francesa?”, diz Coutinho. “Minha resposta é que não há contradição alguma: em ambos os casos, há uma oposição ao radicalismo político – primeiro, do rei George 3º; depois, dos revolucionários franceses – em nome de uma concepção muito particular de natureza humana.”

É claro que como fã do Burke o Coutinho está interessado em dizer que não tem incoerência nenhuma. O texto dele foi feito pra provar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Existem diferenças importantes entre as duas revoluções e portanto não existe incoerência nenhuma na postura do Burke, diz ele.

Bom, como eu disse, o próprio Coutinho se considera um conservador.

“Filosoficamente, serei um conservador. Ou, como alguém dizia, tenho uma “disposição” conservadora, da mesma forma que outros podem ter uma disposição mais progressista. Não é grave. No limite, só me implica a mim e aos meus. Politicamente, o meu conservadorismo é cético, pluralista e liberal porque a única coisa que me interessa é saber como preservar a individualidade num mundo tribalizado e fanático. Burke surgiu naturalmente, através de leituras e discussões várias. Além disso, foi um dos autores da minha tese de doutorado.”

E aí a gente entra meio que em um problema infinito. Será que o Coutinho está dando um jeito de defender o Burke porque ele é conservador e tem interesse nesse argumento? Será que não é uma racionalização conveniente? Bom, isso o leitor é que vai decidir.

Mas uma certa coerência o Coutinho, que a essas alturas claro que você já reparou que é português, mostra. Perguntei pra ele sobre o suposto conservadorismo do governo Bolsonaro, que não tem nada a ver com Burke nem com teórico sério nenhum, e ele se saiu com essa.

“É preciso entender que todas as ideologias têm as suas metástases. O socialismo não é apenas a social-democracia. É também o comunismo ortodoxo. O conservadorismo não é apenas Burke ou Churchill. Também são as várias expressões reacionárias ao longo da história. O Brasil tem um governo de reacionários e a “nova direita”, na verdade, é bem velha. Nada de novo debaixo do sol.”


“O Sonho de um Homem Ridículo” foi um livro que o Dostoievski escreveu já perto do fim da vida. É uma história curta até, mas que até por isso é um baita soco no estômago. Tem tanta coisa ali que o Bakhtin, que era fã declarado dele, diz que o livro é uma espécie de resumo dos temas do Dostoievski.

Bom, se você já leu alguma coisa dele, sabe que a gente está falando de coisa muito boa, mas também de uma visão do mundo que tem zero romantismo. O Dostoievski era um sujeito capaz de fazer livros sobre gente matando velhinha, prostituição, bebedeira, vício em jogo, pena de morte, a vida de condenados ao exílio na Sibéria, atentado terrorista e o que mais você imaginar. Então, é sempre bom sabe onde você está entrando quando pega uma história dele.

Mas do que fala a história, afinal? A gente começa acompanhando um dia na vida do narrador, o tal homem ridículo. Ele compra um revólver e tudo indica que vai se matar. Na verdade ele chega a sentar com a arma na mão, pronto pra acabar com tudo. Mas aí ele começa a lembrar de uma menina que viu na rua.

A garota estava desesperada, pelo jeito a mãe dela estava com algum problema grave. Ela pede ajuda, mas o nosso homem ridículo está com a cabeça nos próprios problemas e na ideia do suicídio, e ao invés de ajudar manda ela procurar outra pessoa.

Só que agora ele está pensando nisso, com remorso. E acaba não se matando. Só dorme. E aí vem o sonho do título, um sonho que vai mudar a vida dele.

No sonho ele realmente se matou e foi parar primeiro no túmulo, depois num lugar meio paradisíaco, tipo um Éden antes de Adão e Eva comerem a maçã. Acontecem outras coisas lá que a gente não vai contar pra não dar spoiler, mas o que importa é que ele vai acordar super transformado, pronto para m usar de vida,

Tem a cara do Dostoievski né? Crime e redenção… Niilismo e fé na humanidade…

Então é isso aí, dois livros bem bacanas de editoras independentes no Brasil pra você pôr na tua lista de leitura.

E se você quer concorrer a um dos livros da semana, manda um email para [email protected]

E semana que vem tem mais!

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