Desculpe-me

O Brasil é o país campeão mundial de violência de natureza sexual contra mulheres e contra a comunidade LGBTQI+

Um empresário bilionário, jovem, branco, heterossexual, fez um comentário jocoso e homofóbico sobre um senador da República. O senador rebateu diante dele, olho no olho, dizendo, entre outras coisas: “como o senhor espera que seus filhos o vejam?”. O empresário então pediu desculpas. Fim do ato.

O Brasil é o país campeão mundial de violência de natureza sexual contra mulheres e contra a comunidade LGBTQI+. Violência de toda ordem, física e moral, econômica e social. Mas a pior das violências é a naturalização da violência. No caso do senador foi possível ver em vários meios de comunicação e nas redes sociais a perplexidade de muitos diante de um assunto “que não tinha nenhuma relação com a CPI” vir à tona, para concluirem : “o senador só quis aparecer”. A ideia de que a defesa do senador é que foi exagerada, tresloucada ou, no mínimo, inapropriada, revela o tamanho da crise de reconhecimento do Outro no qual nos encontramos. E a essência da Democracia está justamente nessa capacidade de reconhecer o Outro como alguém dotado de direitos que não precisam coincidir com os nossos para ser respeitado ou pelo menos tolerado na esfera pública, já que ninguém pode controlar o que as pessoas pensam, mas sem dúvida pode-se coibir a forma como as pessoas agem, na medida em que essa ação inflige sofrimento aos outros, entendendo-se sofrimento como qualquer forma de constrangimento às escolhas que essa pessoa fez para viver, desde que essas escolhas, por sua vez, não firam, humilhem ou ameacem ninguém. A Democracia funciona ou deveria funcionar como  uma rede de cuidado e reconhecimento mútuos, fundada em uma premissa básica: posso existir e atuar no espaço público da forma que me aprouver, desde que não ponha em risco a integridade de ninguém. Tal postura não implica ter a simpatia dos outros, nem mesmo a aprovação, mas sim o respeito, a tolerância. Viva e deixe viver, a igualdade é o direito de todos viverem nas suas diferenças.

Mas, como sabemos, não tem funcionado assim. A ideia de que uma suposta maioria tem o direito de determinar como a minoria deve ou pode viver ganhou força e libertou os pensamentos duros das cabeças mais moles. A pessoa entende que é seu direito dizer o que pensa e é a minoria que tem de se conformar. Recentemente, um jornalista chegou a dizer: “quem determina o que é falso ou não?” Isto é, até o direito de dizer mentiras, sem base e sem fatos, passou a ser direito, não importa se isso expõe pessoas ao risco, ao medo, às doenças.

Mas eis que surge uma tênue luz no fim do túnel, frágil e sem qualquer garantia, mas, mesmo assim, uma luz. A frase do senador, dita olho no olho de seu detrator: “como o senhor espera que seus filhos o vejam?” E o pedido de desculpas do homem branco, rico, jovem, heterossexual. Uma vitória do reconhecimento, uma vitória da compreensão, uma vitória do futuro, dos filhos que olharão esse pai com um pouquinho mais de orgulho.  Uma vitoriazinha. Que seja.

Na herança bilionária que os filhos desse homem vão receber, esse pedido de desculpas terá um lugar especial. O da transmissão patente de que, apesar de tudo, ele sabe o que deveria ter feito o tempo todo.

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2 comentários em “Desculpe-me”

  1. O problema da violência contra a mulher e minorias sexuais é, realmente, grave.

    Mas afirmar que o Brasil é campeão mundial é simplesmente mentira. Sim, pode-se achar “estudos” que falam isso, mas que são absolutamente inconsistentes sob olhar minimamente científico.

    O texto é contraditório, pois refuta o direito a dizer mentira. E assim o faz.

    1. O seu comentário lembra um debate do qual participei sobre o Holocausto e uma pessoa da plateia disse que 6 milhões de judeus mortos nos campos de concentração era mentira. E concluiu sua acusação dizendo: número de mortos não chegaria a 5 milhões.

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