No mês de janeiro, o Plural publicou uma reportagem sobre o Coletivo Pretas com Poesia, formado especificamente por poetas negras que residem na região de Curitiba. Agora, chegou o momento de conhecer algumas das mulheres que compõem esse Coletivo, a fim de mostrar um pouco da construção de suas poéticas.
Céu Intense
A poeta Céu Intense escreve sobre visibilidade lésbica, racismo e xenofobia, pois afirma “sentir na pele” essas formas de preconceito e discriminação. Para a construção de suas obras, ela afirma se inspirar nas escritoras Mel Duarte, Maria Aires e Nicklaine Rodrigues.
Dentro do contexto de os homens terem mais destaque do que as mulheres na área da escrita quanto em muitas outras, Céu afirma que, como uma mulher negra, nordestina e lésbica, em muitos momentos se sente desamparada. Pois, segundo ela, mesmo com tantas lutas, ainda é muito escasso o reconhecimento de muitas mulheres brilhantes. “Para as mulheres negras esse reconhecimento é ainda mais limitado, provém de muito mais dores, onde o racismo se encontra muito presente, por sua vez nos limitando”, completa Céu.
Quanto à publicação de livros, a poeta afirma que participou da edição Campoesiar – Uma homenagem à Almada, Odila e Théo, da Editora MoVi Prosa e Poesia. Essa participação foi possível por ocasião de um convite feito às integrantes do Coletivo Pretas com Poesia. Também é coautora do livro Pretas com Poesia, que será lançado em 30 de julho pela Editora Donizela. Essa obra é uma antologia com poemas de algumas integrantes do Coletivo Pretas com Poesia.
Sobre a falta de visibilidade das mulheres negras no Movimento Negro e no Movimento de Poesia, Céu declara: “Ainda temos muito a melhorar e evitar o apagamento de mulheres negras cis, trans e suas aliadas, trazendo uma maior visibilidade sem a negação de seus direitos básicos dentro da cena poética”.
Para conhecer mais sobre as poesias da Céu, o endereço é: @poeta_c.a.
Cynthia Souza
Poesias e músicas fazem parte da arte de Cynthia Souza, que escreve sobre racismo, amor afrocentrado, solidão da mulher preta e manifestações culturais. Sua inspiração vem mulheres pretas reconhecidas pelo seu empoderamento: Laura Santos, Djamila Ribeiro e Conceição Evaristo.
Sobre o empoderamento de escritoras negras dentro de um contexto machista, Cynthia afirma ser um espaço que elas têm conquistado a “passos de formiguinha”. Para ela, potencial e competência não faltam para tantas mulheres negras que têm o papel e a caneta como forma de desabafo e protesto. “Para honrar quem veio antes devemos seguir em frente (e enfrente), afinal de contas, ainda há uma caminhada longa a ser percorrida”, diz.
A poeta e compositora informa que não tem livros publicados e que nunca tentou publicar, pois escreve para ela, como um processo de autocuidado. Segundo afirma, “a ideia é a de colocar para fora o que está no íntimo e lidar com mais facilidade com tudo”.
Cynthia conclui a entrevista com uma frase que escreveu a algum tempo: “Quem veio antes sofreu dores inimagináveis, quem veio antes derramou lágrimas incontáveis…nós que estamos aqui, agora, temos a missão de lutar bravamente com nossas mãos frágeis…”
Você pode acompanhar Cynthia Souza pelo @cysouza1.
Jô Macario
Escritora desde criança, Jô Macario começou escrevendo poesias e agora também aderiu às crônicas e aos contos. Segundo ela, a ideia de seu trabalho é bem diversificada, contudo sempre colocando a raça negra em primeiro lugar. Nesse sentido, relata suas vivências, suas experiências e suas lutas. Além disso, também escreve sobre coisas boas, como alegria e flores.
Segundo Jô, a intenção não é somente “falar” sobre militância, contudo também da luta da raça negra que é cotidiana. Por essa razão, ela escreve sobre amor e outros sentimentos que também estão dentro das mulheres negras. “Então, a minha ideia é mostrar os dois lados: a alegria de ser mulher preta e a luta, a militância para ser mulher preta”, afirma.
Como fonte de inspiração, a escritora informa que quando era criança lia muito Olavo Bilac e gostava muito de Florbela Espanca e Clarice Lispector. Há um tempo conheceu a poesia de Laura Santos e se apaixonou pelo trabalho dessa mulher preta que escrevia mais sobre o amor. “Os versos dela não tinham aquela militância, assim, sabe? Ela falava mais sobre o amor, sobre a paixão. E isso também me chamou atenção, de uma literatura onde aparece outro lado da mulher preta, que a mulher preta não é só militância, tem também outros sentimentos”, diz Jô.
Sobre o empoderamento das escritoras negras diante do contexto machista de falta de reconhecimento, a escritora afirma que isso acontece em todos os espaços, pois as mulheres são sempre deixadas de lado e colocadas em um lugar de submissão. Segundo ela, as mulheres são colocadas dentro de um contexto no qual são subalternas, ganham menos, não sabem falar, não sabem se comportar e nunca são bem-vindas em determinados espaços. E a situação piora quando se trata de mulheres pretas.
Jô Macario afirma que isso também acontece na literatura, pois há poucas referências de poetas negras. Dessa forma, acredita que é hora de essas mulheres terem a devida visibilidade. Iniciativas para tanto são bem-vindas, como o Edital Carolina Maria de Jesus, do Ministério da Cultura. “Então, eu acho que essas iniciativas vão trazer a mulher para uma posição de destaque, onde a mulher realmente merece estar, numa situação e numa posição igualitária”, afirma otimista.
Sobre publicação de obras, dois livros serão lançados neste mês de julho pela Editora Donizela: a antologia Pretas com Poesia, a qual também é organizadora, e a obra Prima Mulier, com seus poemas. Porém, a escritora afirma que a publicação de um livro não é algo fácil e que no Coletivo Pretas com Poesia há mulheres com livros prontos, em PDF, porém sem perspectivas de publicação.
Para conhecer o trabalho de Jô Macario, acesse o @pretamacario.
Julia Thomaz
Professora de Artes, escritora, compositora, cantora e atriz, Julia Thomaz começou a escrever peças de teatro ainda na juventude, sempre sobre temas relacionados à negritude e as discriminações. Com relação à poesia, ela fala que começou como muitas meninas, com o seu diário, escrevendo sobre o amor. Sempre permeando sobre os dissabores, as tristezas, principalmente relacionadas com a mulher negra. Para ela, era uma forma de se manifestar sobre essas aflições na época.
Júlia diz que, quando entrou para a igreja evangélica, desenvolveu ainda mais a poética. “Eu queria ser compositora, escrever e tal, e daí comecei a ouvir uma música do Cidade Negra e comecei a escrever uma poesia para um cara que cantava louvor, mas saiu por desacreditar na igreja”. A música a que Júlia se refere é “A Estrada”, na estrofe que diz: “Meu caminho só meu Pai pode mudar”. Foi a partir desse ocorrido há dez anos que Júlia conta como o seu início na poesia.
A escritora tem guardado em seus cadernos poesias desse período, voltadas à Deus e à igreja. Depois de um tempo sem escrever poesias, no ano de 2023, a inspiração lhe voltou devido a um caso de racismo ocorrido com uma estudante negra de uma das escolas que leciona. Então, em um misto e indignação e tristeza, sua forma de se manifestar foi escrevendo uma poesia sobre o capitão do mato. A partir desse recomeço, foi uma sequência de sete poesias.
Em contrapartida ao que escrevia na juventude, hoje ela tem como temática a injustiça, a questão da mulher sofredora e lutadora, da mãe. “Porque eu sou mãe solo, então os melhores temas são voltados à mulher, a tudo que passei. Eu vejo que o meu tema não é mais aquele de amor, sabe? É mais tema de bater, mesmo, de avisar, de protestar”, afirma Júlia.
Sobre suas inspirações para criar as obras, ela afirma vir de compositores(as), pois sempre comparou a composição com a poesia. Dessa forma, cita como fonte de inspiração Djavan, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Renato Russo, Renato Teixeira, Chico César e Zeca Baleiro. “O meu processo não é de ler muitas poesias. Eu me ligo mais na composição e não na escrita e escritores poéticos. Na juventude, li Pablo Neruda, Cecília Meireles… a minha diferença é que não sou cria de escritores poetas, sou cria de compositores poetas”, conta.
Com relação a atuação e o reconhecimento das mulheres negras na área, para Júlia o processo está engatinhando. Segundo ela, as mulheres negras ainda guardam muitos problemas relacionados à questão amorosa, o emocional, de classe social, como mostra a pirâmide das desigualdades. Também afirma que, para a mulheres negras, as oportunidades de trabalho ainda são limitadas e que ainda não são vistas como um padrão de beleza.
Assim, acrescenta que por essas razões, as mulheres negras estão galgando a igualdade e a equidade e é necessário falar e escrever sobre suas dores. “Então, primeiro elas vão cuidar de sobreviver, de conseguir dinheiro para trazer para os seus filhos. Muitas vezes morando mal, vestindo mal, não tem tempo para se ver como bela no espelho. Ela vai pensar em poesia?, questiona.
Com relação a publicações, Julia também participa como coautora do livro Pretas com Poesia, que foi sua primeira oportunidade de ver seus poemas publicados. A poeta afirma que esse processo da escrita para ela ficou muito fechado em si mesma. Também afirma que nunca pensou em escrever poesias, contudo tinha gosto de ser compositora. Para ela, escrever é uma inspiração divina. “Porque eu nunca me pensei Júlia poeta. Sempre pensei Júlia atriz e cantora, porque eu fiz teatro, artes cênicas e cantava desde criança. Eu me via isso”, afirma.
Julia Thomaz destaca que é importante lutar contra o estereótipo da mulher negra serviçal e que a sociedade insiste em mostrá-la como não pensante. Por isso, é importante dar visibilidade às mulheres negras da academia, que escrevem com qualidade e que têm vontade de produzir suas obras, mas as quais são impedidas pelo trabalho que leva ao seu sustento. “Se fosse olhar mesmo, as mulheres negras sustentam este país.”
Para seguir Júlia Thomaz nas redes sociais, é o @thomazdossantosjulia.
Rosane Arminda
Cordéis e escrevivências é o que pode ser encontrado nas obras de Rosane Arminda. O foco de seus escritos se concentra nas vozes das mulheres pretas invisibilizadas, nos ensaios do cotidiano e nos acontecimentos da vida. “Sinto a força ancestral pulsar em minhas veias e vou escrevendo vivências das famílias, dos lares, casas de repouso, comunidades e hospitais em seus diversos lares, lugares e olhares”, diz.
Nos trabalhos sociais que realiza, como na arte da Palhaçaria, afirma ser a ouvinte, o que a faz conectar com a ancestralidade e lhe traz muitas reflexões. Segundo Rosane, é nesse momento de reflexões sem resposta que ela escreve.
Com relação às suas fontes de inspiração, destaca sua mãe, Dona Alzira, a qual considera uma poeta diária, com pensamentos que somente ela criava, permeado pelo neologismo baiano. Contudo, cita outras mulheres escritoras que a tocam profundamente, como Dona Alice da Silva, Laura Santos e Jarid Arraes, considerando Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus, essa a qual Rosane foi contemplada com um prêmio que leva o seu nome. “Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus são estrelas que brilham na constelação literária. Seus escritos, como um rio que flui na narrativa, deixam um impacto profundo.”
Sobre a alta representação dos homens na literatura em detrimento a das mulheres, Rosane afirma que a representatividade é crucial, pelo que reflete na sociedade e especialmente quando muda as narrativas. Segundo ela, o empoderamento das mulheres negras periféricas tem desafiado estereótipos e vem promovendo uma compreensão mais profunda e humanizada. Dessa forma, afirma que as mulheres estão percebendo qual é o seu lugar. “Esse espaço, por muitos séculos, foi condicionado e guiado por um olhar patriarcal e uma padronização europeia, então é fundamental apoiar e, principalmente, aumentar a visibilidade das mulheres negras periféricas na literatura, pois a poesia sempre existiu na periferia”, diz.
Rosane destaca que o reconhecimento chega tardiamente para as mulheres negras periféricas, e cita os exemplos de Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e Jovelina Pérola Negra, as quais se destacaram como compositoras de samba e somente foram mencionadas pela mídia após os 40 anos de idade. A escritora ainda afirma que todo esse contexto vai além do reconhecimento, pois se trata de “viver da arte”. São mulheres que desempenham muitas funções, como a própria Rosane. “Por esse motivo minha fala é importante para o fortalecimento das mulheres com as mesmas vivências, mas principalmente para as próximas gerações. Precisamos pensar nos pequenos”, afirma.
Com relação às publicações, Rosane tem dois textos (Alzira e Lauras) publicados em uma coletânea realizada em homenagem à Dona Alice da Silva, com o título Poesias Afro-curitibanas. Sua nova obra Ubuntu Mulheres foi a vencedora do Prêmio Carolina Maria de Jesus, em 2023, e será lançada no dia 4 de julho, pela Editora Humaita. Porém, a escritora manifesta a dificuldade para conseguir publicar uma obra, pois são enfrentamentos diários que envolvem questões monetárias, o patriarcado e uma visão estereotipada. Por isso considera importantes as parcerias com quem compartilha das mesmas dificuldades.
No mais, Rosane se considera uma sonhadora e que isso a faz sorrir. “Não sou guerreira, não sou forte. Choro muito à noite, mas espero meu filho dormir, embora esteja mudando um pouco esses hábitos. Amo a Palhaçaria, pois a Blu (personagem que interpreta) tem me deixado mais humana e ainda mais sonhadora. Sou mãe do Arthur, e com ele tenho aprendido que mãe não sabe de tudo, pois é o filho que ensina o que devemos aprender. E, principalmente, sou filha da Dona Alzira e Seu Manoel, dois nordestinos que não me permitiram esquecer de onde vim”, declara.
Para encontrar Rosane Arminda, seguem os endereços: @rosane.arminda, TikTok.
Este texto faz parte do projeto Periferias Plurais, que convida jovens de Curitiba e região a falarem de suas vidas e de suas comunidades. O projeto tem apoio do escritório de advocacia Gasam.
Nará Oliveira.
Poetisa e escritora negra.