Soeur Cristina, pioneira no método Montessori

Irmã trouxe para Curitiba o método de ensino para o colégio Sion

Martha Marques nasceu em 22 de março de 1931 em Carangola, interior de Minas Gerais, mas foi em Curitiba que deixou seu maior legado. Mais conhecida como irmã Maria Cristina, ou soeur (irmã em francês) Cristina, a terra de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais acolheu a religiosa em 1956, quando assumiu a coordenação da educação primária no Colégio Sion.

Se hoje a instituição de ensino é conhecida por sua formação humana, muito se deve à liderança de soeur Cristina: em 114 anos de existência, mais de 50 foram sob sua responsabilidade e visão como diretora – cargo que assumiu mais adiante, já na década de 1960. O termo soeur tanto lhe pertencia, como uma espécie de nome próprio, que era a identificação do seu e-mail de contato do Sion – e ainda é a forma como se referem à irmã. No último domingo (14), a soeur morreu de causas naturais, no Sion – sua casa e trabalho por décadas.

O que se diz é que a vocação religiosa veio cedo, logo após a finalização de seus estudos colegiais, na década de 1950. Os primeiros votos como freira foram feitos na França, em Grand-bourg. A história com a congregação francesa, Nossa Senhora de Sion, começa anos antes, em 1942, quando – aos 11 anos – ingressa no Sion de Petrópolis, no Rio de Janeiro, em regime de internato, e onde permanece até os seus 20 anos.

No mesmo período em que assumiu a direção da escola, a irmã concluiu sua formação superior. Ela cursou História e Geografia na Faculdade Católica do Paraná, e depois fez a pós-graduação de orientador educacional na Universidade Federal do Paraná.

Foi durante a estadia no convento de Grand-Bourg, na França, de 1952 a 1956, pouco antes de vir a Curitiba, que a irmã teve contato com o método Montessori. Criada no começo do século XX, a técnica de ensino carrega o nome de sua criadora, uma médica italiana, e respeita a autonomia e o desenvolvimento individual de cada criança. Em um estágio de três anos, soeur Cristina aprendeu o método com Hélène Lubienska, discípula direta de Maria Montessori.

Martha Marques se tornou a irmã Maria Cristina no início dos anos 1950.

Incumbida do colégio de Curitiba ainda na juventude, a irmã trouxe na bagagem não apenas seus conhecimentos acadêmicos, mas também uma vontade de mudar as coisas. A seu favor, a atmosfera de mudanças dos anos 1960, e a proposta de renovação da igreja feita pelo Papa João XXIII, de 1961. Pioneira ao implantar o método Montessori na cidade, foi preciso enfrentar uma sociedade acostumada com a educação tradicional do período. “Hoje é uma metodologia que está super em alta, mas não era tão valorizada na época. Sofria muito preconceito porque Maria Montessori lidava com crianças com problemas comportamentais”, diz Juliana Pedroso, uma das diretoras do Sion, responsável pela equipe de Comunicação e Marketing. Há três anos o colégio trabalha com um formato coletivo de liderança. “Ela lutou por isso, e foi muito firme”, diz Pedroso.

Além da mudança pedagógica, soeur Cristina também abriu a escola – até então uma instituição de elite, apenas para meninas – para todos os gêneros, e passou a oferecer bolsas de estudo. Entre comunicados de pais e reclamações, houve até quem tirou suas crianças da instituição. “Ela sempre foi firme e sustentou o que colocou. Dizia: ‘Acredite, vai dar certo’, e foi comprovando”, diz Pedroso.

Uma dessas comprovações, inclusive, tem laços até hoje com a escola. Aluna da segunda turma do método, e hoje presidente da associação de ex-alunos, Bernadete Bettega, de 69 anos, relembra os feitos educacionais alcançados na escola. “Tínhamos um aproveitamento fora do normal – eu estava no pré-primário, com seis anos, e escrevi um bilhete para minha mãe no dia das mães – em maio”, diz Bettega ao ressaltar que o feito foi atingido em apenas três meses de aulas. “O Sion é como uma segunda casa”, diz a ex-aluna cujos filhos, hoje adultos, trilharam o mesmo caminho escolar.

Mais do que uma metodologia, a irmã Cristina fez do olhar e do respeito à individualidade do outro, um projeto de vida: fundou as bases nas quais a escola hoje se sustenta – e das quais se orgulha. Pedroso, cuja história de vida, assim como a da freira, também se deu dentro do Sion (primeiro como aluna, depois como professora), conta que foi o olhar sensível e a habilidade de desenvolver pessoas que fizeram da irmã uma espécie de caça-talentos. “A gente às vezes nem sabia, mas ela achava dentro de nós os talentos. Encontrava coisas lindas e desenvolvia”, diz.

À essa sensibilidade se mesclava uma firmeza e rigidez de espírito – “brava” é uma palavra usada com carinho para descrever a soeur –, mas talvez se aplique bem à sua personalidade forte e à firmeza com que uma mulher conduziu, nos anos 1960, as mudanças nas quais acreditava. Não restam dúvidas quanto à sua presença de espírito, que perseverou; e de afeto, que se fez atento; e quanto ao seu legado, que inspira grandes lições e responsabilidades.

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