Morreu o Nêgo Gibi, fotógrafo de Curitiba

Gibi Penas deixa a esposa, três filhos, seis netos e uma multidão de amigos

“O nome dele era Claudemiro Gonçalves Penas, mas acho que só a mãe e o gerente do banco sabiam disso”, brinca Kraw Penas, referindo-se ao pai: o fotógrafo Gibi Penas, conhecido como Nêgo Gibi, falecido no último fim de semana, aos 82 anos. 

Passados alguns dias do velório, a família sentiu que estava pronta para compartilhar memórias com o Plural. Kraw foi o responsável por reunir a matriarca Sirlei e os irmãos Meri e Diogo em frente ao computador para uma videochamada marcada pela união característica dos Penas. Ao longo de uma hora, celebramos a vida do fotógrafo, que está intimamente ligada a Curitiba. 

Entre os anos 60 e 80, Gibi ficou conhecido de quem circulava pela Rua XV de Novembro, onde ele abriu um estúdio chamado Foto Paris. Se fotografar é escrever com a luz, como dizia Carlos Drummond de Andrade, é certo que ele ajudou a contar a história de um bocado de gente. Chegou a vez de retratarmos a dele.

Gibi foi o personagem principal de uma revista em quadrinhos homônima lançada em 1939. Ele era um menino negro como Claudemiro – daí o apelido dado pelo tio. Foto: arquivo da família

Paixão pela fotografia

Gibi veio ao mundo no dia 30 de setembro de 1938, em Ribeirão Claro, interior do Paraná. “Ele e os oito irmãos nasceram na roça. O vô, João Pena, tinha uma fazenda meio arrendada e plantava café”, conta Kraw. 

Segundo a família, ele só deixou o norte pioneiro perto dos 20 anos, quando veio a Curitiba para trabalhar, influenciado por um tio. Por volta de 1958, ele conseguiu o primeiro emprego na capital, como vigia noturno de um estúdio fotográfico. 

“Eu fotografava, na época, Clube Curitibano, Country Clube, Círculo Militar, bailes de debutantes, Carnaval, enfim, todos esses eventos. Eles sempre duravam a madrugada. Quando eu chegava no laboratório, era o Gibi quem recebia os filmes pela janela. No dia seguinte, eu voltava pra revelar”, recorda-se o fotógrafo Kalkbrenner, aos 90 anos. “Um dia eu disse: você não quer aprender a revelar também?”

A intenção de Kalkbrenner era agilizar o processo, mas Gibi tomou gosto pela coisa – tanto que fez a vida como fotógrafo e transmitiu a paixão para o filho mais velho, Kraw. “Eu que tenho a mesma profissão sei que revelar um rolo de filme 120 não é coisa simples, qualquer bobeada ele marca. Mas mesmo com aquela mão de agricultor, o pai deu conta. Logo depois ele aprendeu a tirar foto. Outra coisa grande pra um negro vindo da roça naquele tempo…”

No interior, Gibi cursou o primário, nada mais. A família diz que ele não tinha formação acadêmica, mas tinha um grande dom. “A profissão foi a vida dele”, fala Meri, a filha do meio. “Era o que ele tinha pra dar pra sociedade. Com pouco estudo, ele dominava muito a fotografia… E não é como hoje que você vê a foto e faz outra se der errado. Ele precisava revelar pra saber, mas o aproveitamento era grande porque ele era impecável. Foi uma sabedoria que já veio com ele.”

Apesar de talentoso, Gibi não estava imune aos preconceitos de uma cidade colonizada por europeus. “Teve uma vez, na época de vigia, que começaram a acontecer uns roubos perto do estúdio e a polícia não quis nem saber, levou ele preso. O dono do laboratório foi buscá-lo na delegacia e já chegou dando bronca”, relata Kraw. “Os policiais disseram ao seu Aníbal que ele era suspeito dos roubos e ele respondeu: só porque ele é preto, né? Solte ele já que vamos embora.”

Amigos e amores

Curitiba não foi impecável com Gibi, mas o presenteou com um amor para a vida toda. Ele e Sirlei se conheceram por volta de 1962, num dos principais pontos de encontro da cidade. “A gente estava passeando no Passeio Público – eu com uma amiga e ele com um amigo. Aí ele puxou papo e seguimos conversando”, relembra a viúva. O casamento veio no ano seguinte e durou 57 anos.

Foto: arquivo da família

Kraw nasceu em 1964. “Naquele tempo o pai trabalhava no Foto Avenida, na Rua XV de Novembro, bem ao lado daqueles cachorros-quentes com as mesas pra fora. A gente ainda morava na Vila Hauer, mas logo depois fomos morar atrás do estúdio, em frente ao Bondinho. Foi onde passei os meus primeiros 17 anos”, resgata o primogênito.

“Quando eu tinha uns 15 ou 16, ele montou o estúdio dele. O dono do Avenida, que era meu padrinho, vendeu a empresa e o meu pai abriu outra na mesma quadra. Além do Foto Avenida, mais pro lado da Muricy tinha o Foto Brasil e no meio deles o pai abriu o Foto Paris. A razão social era Paris Artes Fotográficas.”

O nome da empresa era uma homenagem ao estúdio onde Gibi aprendeu a revelar filmes. O ofício também era muito similar ao de Kalkbrenner: ele fazia fotos 3×4 e as chamadas “reportagens”. “Na nossa época isso queria dizer casamento, aniversário… Hoje o chamaríamos de fotógrafo social”, explica Meri.

O estúdio da XV durou dois ou três anos, tempo suficiente para que ele fizesse uma multidão de amigos. “Ele gostava de andar pelo centro da cidade. Conhecia todos aqueles velhinhos da Boca Maldita, que na época não eram velhinhos, rs. Ele era muito amigo dos vizinhos, também. Viviam 3 famílias na nossa quadra: nós, a família que cuidava dos cachorros-quentes e outra que tinha uma espécie de Cassino”, diz Kraw. “Até hoje, ali no cachorro-quente eu sou o Gibizinho.”

Depois de fechar o Foto Paris, Gibi trabalhou por conta até se mudar para Umuarama, em 1990. Por lá, fotografou para dois jornais: Tribuna do Povo e Umuarama Ilustrado. “Ele ampliou muito o relacionamento na cidade, recebeu o título de cidadão honorário, recebeu votos nas eleições sem nunca ter se candidatado…”, comenta Meri, aos risos. “Em Curitiba ele já era querido, mas em Umuarama ele foi uma espécie de ícone.”

Foto: arquivo da família

Na volta para Curitiba, Gibi foi morar na Fazenda Rio Grande e trabalhou na Universidade Tuiuti do Paraná e na Assembleia Legislativa do Paraná, onde acompanhou alguns políticos. Depois de aposentado, dedicou-se à jardinagem e às caminhadas pelo centro de Curitiba, seu lugar favorito na cidade.

“Ele perambulava por aí e um dos lugares onde gostava de ir era a Gazeta do Povo”, fala Kraw. Em uma dessas oportunidades, ele foi fotografado por dois fotógrafos da casa: Marcelo Andrade e Henry Milleo. “Ele foi ao jornal, certa vez, bater um papo com o João e o Mazzo. Foi aí que fizemos umas fotos dele. Gosto muito delas, o Gibi era iluminado”, relembra Henry.

Foto: Marcelo Andrade

Fim da vida

De acordo com a família, Gibi era amado por seu caráter enérgico e sempre disposto a ajudar. “Quando a gente morava na XV, vira e mexe tinha alguém morando em casa. Ele acolhia. Tinha esse coração… Se alguém morria, ele organizava o funeral. Se alguém adoecia, ele era o primeiro a visitar no hospital. Sempre foi muito solícito, se doava”, descreve Meri.

Até hoje, os amigos procuram a família com saudade dos almoços do Gibi. Diz a filha que o pai era um sujeito vaidoso e adorava exibir seus dotes culinários. “Ele dava o melhor dele, gostava de servir às pessoas. Tinha o famoso cozido do Gibi, uma receita com vários legumes e carne. Todo mundo adorava!”

“Uma vez eu disse que meu pai ia fazer um cozido e um amigo perguntou: outro?”, conta Kraw. Foto: arquivo da família

Em 2018, o fotógrafo foi diagnosticado com demência vascular. A família, que é muito unida, acompanhou todo o processo de perto. No domingo (4), às 7h35, ele faleceu de complicações da doença. Gibi Penas deixa a esposa, três filhos, seis netos e muitos amigos – laços de afeto construídos ao longo de uma vida bem vivida.

Sobre o/a autor/a

15 comentários em “Morreu o Nêgo Gibi, fotógrafo de Curitiba”

  1. Mercedes Gameiro

    Quanto carinho nessa matéria! Gibi não era bom só de fotografia e de cozido não, ele era bom de fazer filho também, porque fez três pessoas lindas. <3

  2. Adalgisa Regiane Carlos

    Trabalhei com este fera em Umuarama, Jornal Umuarama Ilustrado…
    Grande Gibi. Descanse em paz amigo.
    Belíssima reportagem!

  3. Gibi era grande amigo da minha família. Eu o considerava muito. Fotografou meu casamento e inúmeros eventos dos “Borba”. Esteve ao meu lado quando minha mãe faleceu. Gibi era uma pessoa admirável! Linda homenagem!!

  4. Meus hábraços pro amiguinho, colega de escola e que tanto amo, Kraw Penas e família. As lembranças amorosas e alegres é que mantém as pessoas amadas eternas.

    1. Thalita Gonçalves

      Bonita homenagem ao tio Gibi! Ele foi um senhor muito sábio e alegre. Deixará saudade.

      Sou sobrinha-neta dele e fico muito feliz com esse registro! Parabéns pela matéria, Jess!

  5. Legado. A herança deixada por uma linda história de vida. Sou fotógrafo também e fui aluno do Kraw Penas no curso de fotografia no Centro Europeu em 2009.

    Quero deixar meu abraço fraterno para os familiares. O Gibi vai viver para sempre em suas memórias.

  6. Sou a primeira neta do Gibi e filha de Meri !!
    A reportagem ficou linda, e mostrou tudo que meu avô era, essa pessoa maravilhosa !! Obrigada por esse registro !!!

    1. Que linda homenagem ao seu avô, muitas saudades de você e de seus Pais, são pessoas muito estimadas por mim , forte abraço. Com Deus , Sempre!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima