Wim Wenders, Goethe-Institut e a Cinemateca de Curitiba

Graças ao Goethe fiz meu primeiro curso de montagem com o montador de Wim Wenders

Foi um típico gesto de ousadia do escritor, cineasta e agitador cultural Valêncio Xavier criar a Cinemateca de Curitiba no início de 1975. Chamada originalmente de Cinemateca do Museu Guido Viaro, funcionava em instalações acanhadas cedidas pelo museu, que originalmente estava instalado no edifício onde funciona hoje a Casa da Memória, no trecho da Rua São Francisco que dá acesso ao Largo da Ordem.

Valêncio dispunha de uma verba mínima e um grupo reduzido de funcionários, mas tocou o projeto com tanto entusiasmo e competência que em poucos anos a revista Veja publicou uma matéria que denominava a jovem Cinemateca como a terceira mais importante do país, atrás apenas das congêneres do Rio e São Paulo, que tinham décadas de existência e verbas incomparavelmente maiores.

Valêncio havia morado em Paris, onde foi frequentador habitual da lendária Cinemateca Francesa, local onde batiam ponto os cineastas que integravam a Nouvelle Vague, movimento cinematográfico que revolucionou o cinema a partir dos anos 1950. E a exemplo da instituição francesa, promovia sessões diárias com programação eclética, atraindo todo tipo de cinéfilo. Precisamos lembrar que até o início dos anos 1980, quando se popularizaram os videoclubes e as cópias em VHS dos filmes, o acesso a um filme era muito dificultoso.

Com exceção dos blockbusters, que ficavam mais tempo em cartaz, a maior parte dos filmes fazia uma breve passagem pelas telas de cinema e a única maneira de revê-los era se eventualmente fossem exibidos nos poucos canais da TV aberta. Nela os formatos de tela eram alterados e os filmes estrangeiros dublados, perdendo assim importantes características artísticas originais. Nos primeiros tempos de funcionamento a Cinemateca operava apenas com projetores na bitola 16mm emprestados pelo Instituto Goethe, uma entidade cultural alemã que movimentou a vida cultural de Curitiba durante muitas décadas.

Em sua sede de Salvador o Goethe mantinha uma riquíssima filmoteca em 16mm, boa parte dela adquirida de uma distribuidora chamada Filmverlag der Autoren, responsável pela difusão de uma expressiva quantidade de filmes do movimento chamado Novo Cinema Alemão. Depois de influenciar o cinema mundial através do movimento expressionista, o cinema alemão foi desfigurado pelo nazismo e seus grande nomes se exilaram em Hollywood. Jovens realizadores como Werner Herzog, Rainer Werner Fassbinder e Wim Wenders reconquistaram o prestígio perdido da cinematografia germânica e influenciaram esteticamente os rumos do cinema mundial.

A sede curitibana do Instituto Goethe contribuiu intensamente para a consolidação da cinemateca local disponibilizando gratuitamente cópias de filmes e em várias ocasiões trazendo realizadores e estudiosos para cursos e palestras. A exibição constante de filmes dos expoentes do jovem cinema alemão acabou influenciando um grupo de cinéfilos, entre os quais me incluo, que frequentava diariamente a Cinemateca do Museu Guido Viaro e viria a fazer filmes inspirados pelas obras geniais de cineastas que só viriam a ser exibidos no circuito comercial a partir dos anos 1980.

Graças ao Goethe fiz meu primeiro curso de montagem com Peter Przygodda, montador de todos os filmes de Wim Wenders até seu falecimento, em 2011, e pela primeira vez tive contato com a videoarte, modalidade artística em que fui pioneiro no Paraná, graças a um workshop com a videoartista vinda de Munique Barbara Hammann.

Juntamente com Rui Vezzaro e Peter Lorenzo fundei em 1979 o Grupo Experimental de Cinema Primeiro Plano, e quando nossos primeiros filmes começaram a ser exibidos e premiados em festivais como os de Gramado, São Paulo e Salvador, os críticos notaram de pronto que estávamos introduzindo no cinema brasileiro uma estética diferenciada do que se praticava no então dominante eixo cultural Rio-São Paulo.

A atitude visionária de Valêncio e o apoio do Instituto Goethe foram fundamentais para que o cinema paranaense pudesse se espraiar por regiões até então inexploradas.

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2 comentários em “Wim Wenders, Goethe-Institut e a Cinemateca de Curitiba”

  1. Lindo artigo. Fernando poderia comentar numa próxima dos festivais de cinema alemão, francês e outros que passaram nas salas curitibanas principalmente na década de 80. Bons tempos que não voltam, mas estão na memória, assim como os cinemas da Fundação Cultural.

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