Um novo jeito de ver a periferia (pelos olhos dela própria)

Núcleo de Comunicação e Educação Popular (Ncep) da UFPR conta sobre a extensão universitária em série de textos para o Plural

O Núcleo de Comunicação e Educação Popular — Ncep é um projeto de extensão da Universidade Federal do Paraná — UFPR, que tem como objetivo estimular a discussão sobre comunicação popular para promover a democratização dos meios de comunicação. A missão é ajudar grupos marginalizados de Curitiba e Região a fazer comunicação. Não se trata de caridade, mas de servir como estímulo para que as pessoas contem suas histórias e para que sejam ouvidas. 

Com 17 anos de existência, é uma das mais antigas iniciativas de extensão universitária entre as 350 existentes na instituição. E, talvez, uma das mais diferentes. O trabalho parte de um modelo de tomada de decisão horizontal com a gestão integralmente nas mãos dos próprios participantes, todos alunos dos cursos de Jornalismo, Relações Públicas, e Publicidade e Propaganda. Atualmente, são 17 extensionistas divididos entre voluntários e bolsistas, com a coordenação do jornalista e professor José Carlos Fernandes. E os resultados comprovam como os benefícios gerados por uma universidade pública vão além das salas de aula: em 2019, por exemplo, o Ncep concluiu 26 produtos, entre livros, documentários, cartazes e panfletos. 

Como todo projeto de extensão, o Ncep é extracurricular e depende de horas de estudos, reuniões, oficinas e eventos, entre outras atividades, que contribuem para a formação dos estudantes envolvidos. Todas as ações buscam estimular os diálogos dentro e fora da comunidade acadêmica, fortalecendo o papel social da universidade e contribuindo com a sociedade. 

A atuação compreende nove diferentes projetos divididos em dois eixos principais — a educomunicação e a comunicação popular. Educomunicação é a união entre educação e comunicação, é utilizar o ato de comunicar como uma forma de aprendizado através das mídias. Aqui vale de tudo: câmeras, gravadores, computadores, e todos os recursos que possam ajudar no processo educativo. 

Um dos produtos do Ncep que é exemplo de aplicação da educomunicação é o podcast feito com os alunos do Colégio Estadual Prof. Maria Gai Grendel, no bairro da Caximba. Em um dos episódios, os adolescentes promoveram um programa especial para contar a importância do funk para as comunidades periféricas do Brasil. Depois de participarem de oficinas ministradas pelos integrantes do Ncep e com os equipamentos necessários, produziram um retrato cultural e social do gênero, que expande a música para além das barreiras do preconceito.

O exemplo dos estudantes do Maria Gai também serve para explicar o que é a comunicação popular: uma ferramenta que permite às populações marginalizadas assumirem o protagonismo das ações comunicativas. O conceito abrange desde movimentos sociais até organizações sem fins lucrativos e promove a mobilização dessas camadas na produção e recepção da informação.

Outro produto resultante do eixo da comunicação popular é a coletânea de crônicas publicada em 2019, “O meu, o seu, o nosso São Dimas”, escrita pelos alunos do oitavo ano do Colégio Estadual João Gueno, em Colombo, Região Metropolitana de Curitiba. O livro permitiu que os jovens, familiarizados com as oficinas do Ncep, retratassem de maneira lúdica suas vivências, os episódios marcantes de suas vidas no bairro onde moram.

Cada produto do Ncep atende a uma necessidade, tem sua função de ser e objetivos específicos a serem cumpridos. Contudo, sempre estão relacionados à democratização dos meios de comunicação. Por quê? Para discutir o papel da mídia hegemônica, ou sua falta, nos tempos atuais. 

Quando se fala da periferia, é notável o caso do bairro da Caximba, conhecido como “lixão curitibano”. Fundado por imigrantes italianos e poloneses, às margens de um aterro sanitário, o lugar tem sua imagem deturpada por parte dos jornais, sites, revistas e canais de TV paranaenses. Nas poucas vezes em que é citado, o foco está sempre na criminalidade, na pobreza extrema e nas condições insalubres. A mídia de massa não enxerga o Caximba. E o Caximba, por consequência, não se enxerga na cobertura de Curitiba feita no calçadão da XV ou nas manchetes sobre a insegurança do Água Verde.

É essa a voz real da população? A função do Ncep é contribuir para que, a cada dia, a voz seja mais plural. É promover ligações, fortalecê-las e dar o primeiro passo na emancipação de grupos tão diferentes entre si, que são muito mais — em termos culturais, simbólicos e sociais — do que uma simples manchete.

Conheça alguns dos projetos do Ncep na série de artigos que vai ao ar entre 31 de maio e 9 de junho.

Leia mais sobre o Ncep:

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Educando o olhar

Vila Torres: Um lugar de pertencimento

A reinvenção do projeto de extensão

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