Um ano de novos sentidos para a Igreja Luterana

Para quem crê, os contornos que começaram a se desenhar diante da pandemia não são vazios

2020 foi um ano de muitas perguntas. Algumas respostas vieram em tempo recorde, muito mais rápido do que se imaginava; outras permanecem sendo reivindicadas, não só a título de direito, mas também de consolo em meio a uma pandemia que já matou mais de 1,6 milhão de pessoas em todo o mundo.

No plano religioso, a interpretação punitivista assenta as dores no castigo divino. Outra vertente, mais reflexiva, olha para consequências da realidade como uma nova chance de rever propósitos, reconstruir valores e fortalecer as relações humanas. É esta última que concentra, para a Igreja Luterana, a essência de 2020.

“Diante de tudo, as pessoas ficaram se perguntando que é isso tudo, se é o fim do mundo, se é o juízo final. Muitos pegaram os textos bíblicos e, de fato, o texto está lá, mas tem que cuidar para não focar em uma visão muito apocalíptica, como se isso, de fato, mostrasse que amanhã o fim do mundo está aí. Olhando a nossa posição como Igreja Luterana, entendemos tudo isso como sinais, evidentemente, mas também como uma questão de disciplina”, avalia o Jacson Müller, pastor da Comunidade Evangélica Luterana de Curitiba.

O sentido de disciplina, explica pastor, é didático: é como o filho ou a filha que não entende o agir aparentemente contraditório dos pais; o “não” paternal que precede um cuidado e um ensinamento de vida. A compreensão pode não ser a mais óbvia, mas a intenção não se esgota diante da negação, a exemplo do que mostra a travessia do deserto empreendida por Moisés e seu povo. A Bíblia conta que a caminhada durou 40 anos, para, ao fim, encontrarem a Terra Prometida.  

Para quem crê, os contornos que começaram a se desenhar diante da pandemia não são vazios, mas levam a novas formas de pensar e viver a vida. A reflexão do antigo e do novo normal – expressões-chave desencadeadas pela crise do coronavírus – tornaram-se um intento, uma promessa de presente e futuro.

Por isso, de acordo com o pastor da Igreja Luterana, as idas e vindas de 2020 abriram espaço a um novo sentido na relação entre Deus e a humanidade. “Mesmo que não entendamos, existe um propósito com tudo isso. Acho que um deles é uma reflexão mais profunda com relação a Deus. A gente percebe que o ser humano, por natureza, se coloca como autossuficiente, mas, de alguma forma, somos dependentes”, coloca o pastor. “Eu posso dizer que eu não tenho uma resposta, a Bíblia não tem uma resposta, mas entendo que sempre existe um porquê”.

Um Natal de novos sentidos

Aparentemente incompreensível, a reorganização natural da vida após uma crise profunda tal como a de agora não acena apenas para projetos futuros. No entendimento de Müller, novos ritmos de compreensão sobre o presente já estão se fazendo mais fortes e importantes, sobretudo nesta época do ano.

Se até então corridas a shoppings e comércios lotados eram a ilustração máxima do espírito de Natal, a necessidade e a importância do distanciamento social em tempos de pandemia mostraram que o simbólico tem de ser revisto, e que o indispensável nem sempre se pode comprar.

E para um novo ano em que velhas incógnitas persistirão, a mensagem da Igreja Luterana é pensar em Deus como a maior das certezas.

“Eu vejo que tudo isso está permitindo às pessoas repensarem a valorização das coisas. O que de fato é importante? As relações humanas sempre foram difíceis, mas acho que, nos últimos tempos, houve uma crescente desvalorização das pessoas próximas, dos nossos familiares, dos nossos amigos. Agora, somos levados a ter a oportunidade de pensar no valor de um simples abraço e nós, da igreja, temos o papel de ajudar a refletir sobre isso. O fato é que precisamos lembrar que não estamos sozinhos. Se nós estamos incertos quanto ao futuro, em como vai ser 2021, uma verdade é Deus estará conosco”.

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3 comentários em “Um ano de novos sentidos para a Igreja Luterana”

  1. Prezada Angieli,
    gostaria de fazer breves comentários sobre algumas passagens do teu texto:

    “as idas e vindas de 2020 abriram espaço a um novo sentido na relação entre Deus e a humanidade”
    Idas e vindas !!!??? Para parte significativa dos seres humanos deste planeta, não houve vindas… apenas ida para a cova! Para (quase) todos os brasileiros conscientes só houve uma ida para o fundo do poço (que parece mover-se cada vez mais para baixo). Tudo está piorando para os mais pobres. As garantias constitucionais que os menos favorecidos tem estão sendo destruídas dia a dia pelo governo atual. É claro, se você é banqueiro, acionista de uma grande empresa farmacêutica ou talvez dono de alguma igreja, pode ser que 2020 tenha sido um ano de ida para algum lugar muito melhor, certamente muito mais caro!

    “Mesmo que não entendamos, existe um propósito com tudo isso. Acho que um deles é uma reflexão mais profunda com relação a Deus. ”
    Eu tenho certeza de que existe um propósito…. enquanto lia seu texto meu café esfriou, por isto fui até o microondas, então na cozinha dei de cara com a pilha de louça suja! Só pode ser Deus, ou ‘Deus sive Natura’ (como preferimos eu e Spinoza), a nos dizer “LAVE A LOUÇA SEU VAGAL”.
    E por isto termino meus comentários por aqui.

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