Duas mil vidas dependem da doação de órgãos. O que fazer?

Famílias se recusam a doar por não saber se era vontade do paciente. É preciso deixar clara sua intenção; fale sobre isso

Depois de 49 cirurgias, incluindo um transplante de rim, José Lucas Silveira de Oliveira sabe bem a importância de doar sangue e órgãos. Com insuficiência renal crônica desde o nascimento, ele viu a vida mudar após o transplante. “Eu tenho outros problemas – na coluna, na bexiga – e, com o novo rim, consegui alavancar minha vida”, diz Oliveira. “Fiz faculdade e muitas outras coisas sozinho. Consegui viver sem pensar somente na saúde. Hoje, sou independente.”

Lucas cursa Engenharia da Computação na PUC e atua na área de TI, em Curitiba. Aos 27 anos, ele precisou voltar à hemodiálise quando, há cinco anos, o rim transplantado parou de funcionar. Ele não sabe se precisará de um novo órgão, devido à saúde debilitada, mas diz saber exatamente o que falta à população com relação ao transplante: informação. “Existe gente que é tão desinformada que acha que o transplante é ruim e se nega a receber”, diz Lucas.

E há os que se negam a doar. Em Curitiba, 20% dos familiares de potenciais doadores falecidos não autorizam a doação. No Paraná, esse número é de 24%. Uma coisa simples que podia ajudar a melhorar essa situação? Conversar sobre o tema.

A maior causa da recusa familiar é não saber se o paciente gostaria de doar seus órgãos. “A família desconhece se ele era doador e fica com receio de autorizar. Por isso é tão importante falar para todos que você é um doador. Fale para eles”, recomenda a coordenadora do Sistema Estadual de Transplantes do Paraná (SET/PR), Arlene Garcia Badoch.

De acordo com SET, no Paraná, 2.080 pessoas estão na fila do transplante por uma chance de continuar a viver. Não há lista por cidades. A maioria dos pacientes espera por rim (1.459), córneas (375) e fígado (173). Outras 30 pessoas aguardam por rim e pâncreas, 29 por coração, 12 por pulmão e 2 por pâncreas.

Queda

A coordenadora do serviço ressalta que o Estado é líder nacional no número de procedimentos e que, apesar da pandemia, eles foram mantidos entre 2019 e 2020. Ao compararmos os dados com 2018, no entanto, a queda foi significativa: reduziu de 656 para 474 (27%).

O número de transplantes por órgãos também apresenta queda:

Órgãos de doadores falecidos transplantados no PR. Fonte: SET/PR

O coração é o órgão mais sensível e um dos que registraram grande redução no número de transplantes no Paraná nos últimos três anos. De 31 cirurgias em 2017 (de janeiro até agosto), o procedimento reduziu para 11, no mesmo período de 2020 – uma a mais do que em 2019. “Muitas doenças cardíacas hoje são tratadas com medicamentos, que melhoram a cada ano, como as equipes de saúde [também melhoram]”, diz a coordenadora.

O transplante de pâncreas só registrou queda nos últimos anos. Em 2016, foram 21. Em 2020, apenas 4, metade dos realizados em 2019. “Esse é um procedimento muito seletivo que caiu no mundo inteiro. Percebeu-se que o transplante tem que ser muito específico, então é avaliado cada caso e o custo-benefício da cirurgia para a saúde do paciente”, afirma Arlene.

Os procedimentos com medula óssea – doada apenas por pessoas vivas – também caíram menos da metade. Foram 345 em 2018, 295 em 2019 e, em 2020, 139 transplantes foram registrados no Paraná até agosto.

Outro dado que reduziu significativamente foi o número de doadores vivos – que podem dividir a medula, um dos rins e uma fração do fígado. De 431 voluntários paranaenses em 2018 e 2019, foram registrados apenas 157 em 2020.

Fonte: SET/PR

SUS

No Brasil, a quase totalidade (96%) dos transplantes são realizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que é um dos maiores sistemas públicos do mundo no procedimento. Planos de saúde cobrem apenas procedimentos com rim, córnea e medula.

A Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (Sesa), de janeiro a agosto de 2020, registrou 906 transplantes de órgãos e tecidos (com exceção dos transplantes de ossos e pele, não informados).

Entre os órgãos, foram 481 transplantes (considerando 7 doadores vivos) neste período e 496 entre janeiro e agosto de 2019. Os órgãos mais transplantados no Paraná em 2020 foram: rim (318), fígado (151) e coração (11).

entre os tecidos possíveis de serem doados (pele, ossos, córneas e medula), a córnea é a mais transplantada, somando 286. A medula teve 139 doadores (neste caso, só vivos) em 2020.

Total de transplantes realizados em 2020. Fonte: SET/PR

Na Capital

Em Curitiba, foram 556 transplantes de órgãos e tecidos vindos de doadores falecidos e 134 de doadores vivos, totalizando 690 procedimentos. As cirurgias envolvem principalmente rim, córnea, fígado e coração.

Transplantes de órgãos e tecidos de doadores falecidos – por Macrorregião (Curitiba) . Fonte: SET/PR

Os hospitais da capital e da Região Metropolitana que mais transplantaram em 2020 foram: Angelina Caron (175), Hospital do Rocio (78), Hospital de Olhos (64) e Hospital Cajuru (45), seguidos pela Santa Casa (37) e HC (35). No Evangélico foram 22 e no Pequeno Príncipe 14.

De doadores vivos de Curitiba, em 2020, foram transplantados rim, fígado e medula, com destaque para o Erasto Gaertner (65), Pequeno Príncipe (35) e Hospital de Clínicas (14).

Transplantes de órgãos e tecidos de doadores vivos – por Macrorregião (Curitiba) . Fonte: SET/PR

Entre todos os doadores, vivos e falecidos, a maioria no Paraná são homens (60%), com tipagem sanguínea A e O e idade entre 50 e 64 anos. As principais causas de morte que possibilitam um transplante são AVC – Acidente Vascular Cerebral (148) e Trauma Cranioencefálico – TCE (103).

O processo

“Primeiro há a notificação obrigatória da suspeita de morte encefálica e então abre-se o protocolo, que envolve exames clínicos, laboratoriais e de imagens. Havendo a confirmação da morte, é oportunizada a doação à família. Se ela for aceita, são realizados novos exames para excluir possíveis doenças que inviabilizam o processo. Então, fazemos a documentação e o registro por meio de um sistema informatizado, que vai ranquear e identificar os receptores”, explica a coordenadora do SET.

No caso de não haver receptor compatível no Paraná, o órgão é enviado a outros estados. “Entramos em contato com os hospitais, pois muitas vezes são vários órgãos de um mesmo paciente, e organizamos a logística, terrestre ou aérea”, diz Arlene.

O fato de um mesmo paciente doar vários órgãos, ou nenhum, explica a diferença entre notificações (772), doações (336) e transplantes (481) no Paraná.

O tempo máximo entre a captação e a implantação depende do órgão: 36h para o rim, 8h para o fígado e apenas 4h para o coração.

*Todos os dados da reportagem são do Sistema Estadual de Transplantes (SET) e correspondem aos meses de janeiro a agosto de cada ano. Números detalhados dos transplantes realizados no Paraná e em Curitiba estão disponibilizados aos assinantes Plurais.

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