Jovens de 16 e 17 anos ignoram o título de eleitor mais do que nunca no Brasil

Segundo especialistas, falta de interesse é global e adolescentes evitam discutir política por medo da exposição e do cancelamento

A procura de jovens de 16 e 17 anos pelo título de eleitor é a mais baixa desde as eleições presidenciais de 1989, primeiro ano em que essa faixa etária foi às urnas. As causas podem ser a desilusão com os processos políticos tradicionais, os escândalos de corrupção da década passada e a influência das redes sociais, que promovem a interação e debates fora do ambiente dos partidos políticos. O voto optativo para pessoas de 16 e 17 anos foi instituído pela Constituição de 1988. 

“Atualmente temos um quarto de pessoas nessa faixa etária aptas a votar do que em relação a 1992”, disse ao Plural o cientista político Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva, professor da Faculdade Estácio de Teresina (PI). Segundo pesquisa feita no final do ano passado pelo Instituto Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), os jovens têm um crescente receio de expor seus posicionamentos políticos.

“Cerca de 60% dos jovens não estão interessados em debater e discutir política, principalmente por conta da exposição. O jovem tem medo da exposição e do cancelamento”.

Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva, cientista político

Esse receio, no entanto, não pode ser confundido com apatia, avaliou o cientista político. “A vontade de mudança continua existindo, principalmente em relação a temas como o meio ambiente e a pobreza, mas muito do que havia nas décadas de 1980 ou 1990, quando se fazia política nos sindicatos, por exemplo, não existe mais”, diz Gomes da Silva.

O processo de “criminalização da política” decorrente da operação Lava Jato também pode ser um fator que levou não apenas os jovens, mas outras faixas etárias a se afastarem. “Acabaram associando a política a algo ruim, quando a política é a saída, não tem outra no sistema democrático”, diz o professor. “Não vamos guerrear com os adversários. Fora da política, não tem uma forma de reclamar”.

Contra Bolsonaro

Outro fenômeno que as pesquisas indicam, segundo Gomes da Silva, é um crescente repúdio ao governo de Jair Bolsonaro entre os mais jovens. Essa reprovação é maior entre as mulheres, o que pode ser uma boa notícia para o candidato à reeleição. Isso porque, desde 1989, elas são maioria entre os eleitores na faixa etária de 17 e 18 anos. Se elas não votarem, melhor para o atual mandatário.

“As pesquisas estão demonstrando que muitos jovens estão se engajando em votar contra o governo atual. E o movimento maior está entre as mulheres”, disse o professor. “Mulheres entre 15 e 18 anos avaliam muito mais negativamente o governo atual do que os homens, em todas as faixas etárias.” Para Gomes da Silva, isso ocorre porque as mulheres não estão tendo espaço nesse governo. Nessa faixa etária, só entre 10% e 20% votariam no atual governo. E, de acorod com o professor, 50% votariam no Lula.

Queda mundial

Segundo o doutor em Ciência Política Bruno Konder Comparato, diretor da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a queda de participação nas eleições vem sendo registrada em todo o mundo. “Em países da Europa ocidental e nos Estados Unidos, países que a gente costuma considerar como democracias consolidadas, menos da metade da população vai votar, até porque não é obrigatório”, diz Comparato. “Depende muito do que está em jogo e as eleições locais costumam ter mais comparecimento.”

De maneira geral, Comparato avalia que os jovens do século 21 não têm tanto interesse pela política tradicional quanto os jovens tinham no século passado. Com isso, os chamados movimentos de renovação política, como o AcreditoBR e o Libres, ganharam espaço.

“O século 20 foi o período áureo dos partidos políticos, o jovem que queria mudar o mundo ia para um partido. Hoje tem os coletivos e os movimentos sociais, outras formas de participação. O jovem ainda quer mudar o mundo, mas não tem mais interesse em ser vereador ou deputado.”

Bruno Konder Comparato, doutor em Ciência Política.

Com a rapidez da informação na era das redes sociais, avalia o doutor em Ciência Política, os jovens do século 21 tendem a ver o processo político como muito lento. “Eles podem escrever coisa no Twitter, acham que é mais importante do que entrar em um partido. O voto parece alguma coisa com um resultado demorado e eles querem tudo de imediato”, disse.

Comparato também vê o processo de “demonização da política” como um fator. “Esse movimento que começou lá por 2015 desembocou no Bolsonaro, que se apresenta como sendo contra a política, mas está entranhado na velha política. Isso deixou os jovens meio perdidos”, disse. Para ele, é preciso levar em conta que esses jovens nasceram entre 2005 e 2006, e não viram a redemocratização. Eles não se preocupam muito com esquerda ou direita, e pensam mais no coletivo do qual fazem parte – ligados a questões ambientais ou ao direito das mulheres, por exemplo.

Rolê da Eleição

Segundo o TSE, a sete meses das eleições presidenciais, pouco mais de 10% dos jovens de 16 e 17 anos tiraram o título de eleitor, índice mais baixo nas últimas três décadas. O Tribunal lançou a campanha Rolê da Eleição, para tirar dúvidas dos jovens e tentar reverter esse quadro.

Artistas como a cantora Anitta e as atrizes Taís Araújo e Bruna Marquezine aderiram à campanha e compartilharam apelos em seus perfis no Twitter. Até o ator Mark Ruffalo, o Hulk de “Os Vingadores”, entrou na “festa da democracia” brasileira.

No tuíte, Ruffalo diz que os americanos só derrotaram Trump porque houve um número recorde de eleitores exercendo seus direitos democráticos. “Sobretudo os jovens”, disse o ator. “Para derrotar Bolsonaro, brasileiros de 16 e 17 anos precisam fazer o título de eleitor para votar nas próximas eleições.” Ruffalo ainda indicou um site para fazer o título e deu o prazo: 4 de maio.

Anitta prometeu que só vai tirar fotos com fãs que tenham o título. O prazo para tirar o documento ou regularizar pendências vai até o dia 4 de maio. Jovens que completam 16 anos até 2 de outubro poderão votar neste ano.

Os números

Em dez anos, a quantidade de eleitores com menos de 18 anos no Brasil caiu 55%, de 1.854.183 em fevereiro de 2012 para 834.986 em março de 2022. No Paraná, a queda foi ainda maior: de 64% em dez anos. Em fevereiro de 2012, eram 122.036 eleitores nessa faixa etária no estado. No mesmo mês de 2022, são apenas 43.135, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Os números de hoje são inferiores aos das primeiras eleições em que os jovens de 17 e 18 anos puderam votar no país. Na eleição para governador de 1990, o Brasil tinha 2.913.789 de adolescentes aptos (1.157.569 de 16 anos e 1.756.220 de 17 anos). A faixa etária representava 2% do total do eleitorado – hoje eles são apenas 0,5% do total. Em 32 anos, a queda no número de eleitores foi de 71,3%.

Em 1989, ano da primeira eleição presidencial depois da redemocratização, o Paraná tinha 101.962 pessoas nessa faixa etária aptas a votar (34.312 com 16 anos e 67.650 com 17 anos). Ou seja: 33 anos depois, o eleitorado entre 16 e 17 anos caiu 54,4% no estado. Em 1989, esses eleitores eram 1,2% do total de votantes; hoje, são apenas 0,5%.

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1 comentário em “Jovens de 16 e 17 anos ignoram o título de eleitor mais do que nunca no Brasil”

  1. A incoerência é alguém poder votar a partir de 16 anos, mas não poder ser plenamente responsável por certos atos. Não que todas as pessoas a sejam, mas quem optou por votar mais cedo deveria também assumir plenamente certos atos criminais, p.ex..
    Independente disso, ao menos a maioria mais jovem não votaria no Bolsonaro, quase certo nem e conservadores e afins antidignidade humanas.
    Agora nessa de mulheres e homens, é um reducionismo crasso, no caso dos homens há ENORME diferença quando héteros (ou “héteros”, já que há muito gay ou bi mal resolvido) e gays em relação à política.

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