Tirar máscaras de crianças que nem se vacinaram, uma ideia perigosa (mas que dá votos)

Ratinho Jr. e Rafael Greca acabam com obrigatoriedade de máscaras para crianças enquanto o vírus da Covid ainda circula

Nos últimos dias o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), e o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (DEM), decidiram apostar na onda da “pandemia já acabou”, como se fosse possível encerrar uma emergência sanitária na base da canetada. Ambos estão a caminho de acabar totalmente com a obrigatoriedade do uso da máscara. Os governantes foram além e determinaram o fim do uso de máscara entre crianças de 0 a 11 anos. O problema é que falta embasamento técnico nessas medidas, cujo resultado será cobrado daquelas que deveriam ser protegidas pelos adultos: as crianças.

De fato, a situação melhorou muito depois que a população foi vacinada. O número de pessoas em estado crítico e os óbitos pela Covid-19 caiu muito. Mas a doença continua circulando e, o que é mais grave, há populações inteiras com pouco ou nenhuma proteção contra ela.

Mas quem continua exposto à Covid-19 sem a proteção da vacina? Justamente as crianças. O grupo de 5 a 11 anos é o que tem menor cobertura vacinal em Curitiba, fato que o próprio Greca lamentou em suas redes sociais. Na capital, apenas 65% das crianças entre 5 e 11 anos foram vacinadas com a primeira dose e só 15% receberam a segunda dose.

E as crianças menores, de 0 a 4 anos, nem a chance de se vacinarem tiveram ainda, uma vez que não há no Brasil vacina aprovada para elas (Em parte, bebês cujas mães foram vacinadas e que estão sendo amamentadas podem contar com a proteção que herdaram.)

Muitos dos defensores do fim das máscaras – um método de proteção relativamente barato e que se mostrou eficaz não só contra Covid-19, mas contra a influenza, o sarampo e outras doenças do sistema respiratório – correm apontar que as crianças foram pouco afetadas pela Covid nestes dois anos de pandemia. O problema, porém, é que – em um outro caso de agressão aos direitos dessa população – a maioria das crianças permaneceu em isolamento total ou parcial na maior parte desse tempo, uma vez que as escolas públicas se mantiveram fechadas.

E no total, a rede municipal é responsável por 65% de todos os alunos da educação infantil aos anos iniciais do Ensino Fundamental. São mais de 118 mil crianças. Ou seja, se no passado houve pouca incidência da doença nessa faixa etária é porque ela esteve, na maior parte do tempo, protegida. Especialmente os pais de crianças com a saúde mais fragilizada fizeram imensos sacrifícios para mantê-las em casa.

Rafael Greca teve Covid-19 e ficou internado durante a campanha eleitoral de 2020. Foto: Daniel Castellano/SMCS

Na realidade, em Curitiba as escolas públicas municipais só reabriram para ensino presencial em agosto de 2021, mas com a manutenção do ensino remoto. Além disso, as escolas tiveram que manter as turmas reduzidas, com rodízio de turmas durante parte desse período. Só no início de 2022 é que as escolas e CMEIs retomaram o ensino presencial para todas as crianças.

E as crianças já estão tendo sua exposição aumentada. De janeiro a março de 2022, Curitiba registrou 90% do total de casos de Covid-19 anotados durante todo ano de 2021 entre crianças de zero a 11 anos. E de 2020 para 2021 o número de casos já tinha mais que dobrado, indo de 4 mil para 9.640. A incidência de Covid nessa faixa etária não é letal como foi para os idosos antes da vacina, mas isso não quer dizer que não existam prejuízos. E estes vão desde a perda de mais dias letivos a possibilidades de problemas de saúde a longo prazo.

Mas apesar disso, nossas lideranças seguiram em frente e decidiram que as crianças não precisam ser protegidas, abrindo a porta para que os outros adultos responsáveis (pais, professores, funcionários de escolas) também abram mão dessa medida tão simples, porém bastante eficaz.

Em nota técnica sobre o assunto, a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) ponderou que o uso de máscaras por crianças em idade pré-escolar é controverso e pode prejudicar a aprendizagem, especialmente pelo uso prolongado, mas orientou a retirada em etapas, começando pelo uso ao ar livre. A mesma instituição também recomenda a observação de indicadores como, por exemplo, a incidência de novos casos por 100 mil habitantes abaixo de 10 (atualmente esse índice está em 14 na capital), a taxa de contágio abaixo de 0,5 (Curitiba tinha R = 0,83 em 16/03/2022) e percentual de testes positivos abaixo de 5% (o de Curitiba está em 16%).

Como a curva dos indicadores está em queda, a tendência é que a cidade se aproxime da situação ideal em breve. Ou seja, há tempo suficiente para implantar medidas de forma gradativa e técnica. Mas o tempo do populismo é diferente, então nossos líderes simplesmente abdicaram do papel de autoridades sanitárias e estão, numa canetada, acabando com medidas eficazes de prevenção antes disso ser efetivamente seguro.

Claro, não é a primeira vez que Ratinho e Greca jogam os mais frágeis na frente do trem para se congratularem por terem resolvido um problema. A própria manutenção de crianças pequenas em casa, e das escolas públicas fechadas, durante a maior parte da pandemia foi uma forma de sacrificá-las. Agora, além de não tomar medida nenhuma para compensar as perdas de desenvolvimento dos alunos que foram mantidos fora da escola, decidem eliminar medidas que reduzem o afastamento das crianças da aula por problemas de saúde.

Ratinho vai em busca da reeleição. Foto: Rodrigo Felix Leal/AEN

Não são só as crianças que estão sendo sacrificadas aqui. Pais e mães que mal saíram do período extremamente desafiador que exigiu conciliar o trabalho com crianças em casa, agora terão que lidar com crianças doentes. Sim, porque a máscara tem o condão de não só prevenir a Covid, mas também outras enfermidades comuns a crianças no ensino pré-escolar e fundamental.

Sem ela, a incidência dessas enfermidades aumentará, deixando para os pais a ingrata tarefa de tentar conciliar um trabalho que muita vezes deixou de ser remoto e o cuidado com os filhos. Mas claro, essas são dificuldades que não vão aparecer nas estatísticas oficiais, só vão piorar a vida de pais e mães já extremamente sobrecarregados e eventualmente complicar a rotina de pequenas e médias empresas que dependem dessas pessoas.

Mas afinal, qual o risco? Bem, não há total certeza porque não temos dados suficientes para saber o impacto da Covid-19 no longo prazo em crianças. Mas já sabemos que há efeitos de longo prazo. Segundo a Mayo Clinic, a doença causa danos não só nos pulmões, mas também no coração, rins e cérebro e mesmo pessoas saudáveis podem ter sintomas como fatiga, dificuldades respiratórias, dores musculares muito depois de superar a doença.

Além disso, o fim da obrigatoriedade cria imensos desafios para quem quer manter o uso da máscara. No caso de crianças, os desafios são ainda maiores. Como manter seu filho de máscara quando outras crianças e os adultos estarão sem? Acrescente a essa equação o fato das crianças ficarem parte significativa do tempo sob a tutela da escola, cujo respeito aos desejos dos pais nem sempre é exemplar.

É fácil tomar o caminho fácil de fingir que a pandemia acabou. Ainda mais em ano eleitoral e quando estamos todos cansados. Mas autoridades eleitas têm obrigação não só moral, mas legal de atuar para garantir a segurança das crianças. Se é o caso de tirar as máscaras dentro das salas de aula, esse processo deveria ser amparado por critérios técnicos e conduzido de forma transparente, informando claramente a pais, professores e demais envolvidos o que está em jogo.

Da forma como está sendo conduzida, a medida está mais largando nas costas das crianças a conta de uma política pública mal feita, cujos resultados não aparecerão tão cedo. É uma aposta na memória curta de pais e professores e na capacidade dos cidadãos mais frágeis de serem resilientes mais uma vez diante das dificuldades. Em última análise, também é um passo triste de uma cidade forte e inteligente em direção à barbárie, pois não há sinal mais forte de civilidade do que a capacidade de protegermos nossos integrantes mais fracos.

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1 comentário em “Tirar máscaras de crianças que nem se vacinaram, uma ideia perigosa (mas que dá votos)”

  1. Talvez (TAAALVEZ) a ficha só caia quando os efeitos da pandemia começarem a de fato ser computados e passarem a onerar os sistemas de saúde e a sociedade como um todo.

    Gastos com reabilitação motora, cognitiva e psicológica… necessidade de transplantes de órgãos (inclusive por intoxicação provocada por medicamentos ineficazes no combate ao vírus)…

    Tudo isso já está aí, só esperando pra acontecer.

    E daí, pra dar sorte pro azar, políticos (e pessoas!) querem queimar a largada como se só houvesse amanhã.

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