Sem reflorestamento, crise hídrica poderia ter parado as turbinas da Itaipu

Segunda maior hidrelétrica do mundo aposta em ações socioambientais para alargar a longevidade do negócio

Quando o Plural foi convidado para conhecer as ações de reflorestamento da Itaipu Binacional, que na última semana chegou à marca de 24 milhões de árvores plantadas, eu pensei na crise hídrica. Se você mora em Curitiba, sabe do que estou falando: desde março do ano passado, é preciso conciliar a agenda pessoal com o rodízio da Sanepar para conseguir tomar banho. Estamos vivendo a pior seca dos últimos 91 anos no Paraná.

A paisagem mudou: olhar para os reservatórios que abastecem a capital assusta. Ao chegar de viagem em Foz do Iguaçu, também percebi que as famosas Cataratas do Iguaçu seguem dando seu show habitual, mas quando observamos as margens do Rio Iguaçu com cuidado, notamos prainhas que antes não eram vistas. 

Cataratas do Iguaçu.
Cataratas do Iguaçu. Foto: Jess Carvalho

A Itaipu fica na mesma região e depende da água para gerar energia, portanto, não está imune à estiagem. Entre junho e agosto deste ano, a usina registrou a pior afluência desde que começou a operar, em 1984. “No auge da crise, chegamos a ter apenas oito das 20 turbinas funcionando. Isso nunca tinha acontecido”, afirma o general Cabonell, presidente da hidrelétrica desde 2019. Para ele, sobreviver à seca é o testemunho da capacidade técnica e do histórico de preservação ambiental da empresa.

“18% da água da região é produzida pelo solo-vegatação-atmosfera”, diz Ariel Scheffer, superintendente de Gestão Ambiental de Itaipu, evidenciando a importância de se cuidar das florestas – mas plantar árvores não é o suficiente. O repertório de pesquisa por trás da qualidade das mudas, a manutenção da área verde, a recuperação da bacia hidrográfica do Paraná, o cuidado com a sustentabilidade das atividades agropecuárias no entorno e o investimento em educação ambiental também fazem parte da cadeia de ações socioambientais que mantêm a mata e a Itaipu vivas.

24 milhões de árvores

Ao percorrer os 1.350 quilômetros quadrados de área inundada do reservatório da Itaipu, as matas ciliares enchem os olhos. A engenheira florestal Veridiana Araújo Pereira foi a responsável pelo plantio da muda de número 24 milhões, na última sexta-feira (3), e explica que o reflorestamento é resultado de um processo que começou a ganhar fôlego no fim dos anos 1970 e já acelerou em 20 anos o crescimento da área verde.

Águas do reservatório. Foto: Jess Carvalho

“Hoje, a gente preza pelo resgate da diversidade, trazendo espécies da mata atlântica para preservação”, diz a representante da Divisão de Áreas Protegidas da Itaipu. Segundo ela, 28% do reflorestamento da Mata Atlântica foi realizado dentro da faixa da usina. “Abandonar uma área para que se regenere sozinha, na Amazônia, pode ser uma realidade, mas aqui a gente já não tem muito banco de sementes e poucos remanescentes. Então, estamos criando um novo ecossistema.”

Caminhando em meio à mata, cruzamos com embaúbas e açoita-cavalos, espécies estrategicamente plantadas para competir com o capim que antes dominava a terra. “A gente não pode só plantar as espécies que são o nosso sonho de preservação, como as perobas e os cedros. As espécies pioneiras, que são mais comuns, crescem e ocupam o solo muito rápido. A ideia é tirar essas graminhas competitivas para que a regeneração comece a chegar”, fala Veridiana.

Área de preservação da Itaipu.
Área de preservação da Itaipu. Foto: Jess Carvalho

Para manter o projeto de reflorestamento, a Itaipu produz, em média, 350 mil mudas por ano, a partir de sementes tiradas da própria mata. “O nosso viveiro só tem espécies nativas, bem formadas e bem enraizadas”, garante a engenheira florestal. Todos os dias úteis, uma caminhonete sai carregada com oito mil mudas da empresa e estaciona numa das poucas áreas que ainda carecem de atenção. Em média, uma pessoa consegue plantar de 800 a mil plantas a cada diária de serviço.

A empresa também mantém convênio com as prefeituras vizinhas, fornecendo mudas, e firmou parceria com alguns fazendeiros da região. É o caso da Fazenda Santa Maria, cujo foco está no plantio de milho e de soja e na criação de gado. Os proprietários cederam quatro quilômetros do solo mais caro do país para a criação do Corredor Santa Maria, uma área de reflorestamento com 60 metros de largura que liga duas microbacias importantes: a do Rio Bonito, que deságua na represa, e a do Rio Apapú, que corre para o Parque Nacional do Iguaçu. 

Boa vizinhança

Seguindo pelo reservatório de barco, avistamos o Terminal Turístico Alvorada de Itaipu, que funciona como uma espécie de prainha localizada no município de Santa Terezinha do Itaipu, onde os turistas e a comunidade podem se banhar à vontade. A estrutura também conta com um parquinho e é mantida e zelada pela hidrelétrica. 

Foto: Jess Carvalho

“A faixa de proteção da Itaipu tem cerca de três mil vizinhos com quem temos que trabalhar, intermediar conflitos e dialogar”, conta o técnico ambiental Jarbas Teixeira, ressaltando a importância dessas parcerias para evitar incêndios florestais e outros desastres. “A gente não consegue, no dia a dia, cuidar de tudo. Quem nos avisa quando acontece alguma irregularidade é o agricultor, é a comunidade lindeira, que têm tanto amor quanto nós por essas áreas.”

Jarbas Teixeira. Foto: Jess Carvalho

A mesma lógica de boa vizinhança se aplica ao país vizinho. A Itaipu é uma empresa binacional e por isso precisa andar de mãos dadas com o Paraguai, mantendo acordos que contemplem as legislações de ambos os países. Durante nossa visita, direção e funcionários foram unânimes em dizer que a empresa não apenas segue à risca como também vai além do que pedem as normas ambientais brasileiras e paraguaias. 

Às margens do reservatório também ficam os postos de pesca, que são pontos de contato direto da Itaipu com a comunidade lindeira. O posto 5, onde desembarcamos, tem de três a quatro mil quilômetros quadrados conservados e meia dúzia de embarcações na entrada. “Há 30 anos, isso aqui era tudo agricultura. Hoje, parece mata nativa”, orgulha-se Jarbas. Logo à frente, estão dispostos dez abrigos individuais a serem utilizados para atividades pesqueiras e um compartilhado, onde os pescadores guardam os insumos, como a ração para atrair os peixes. 

Zé Barba, de 70 anos, nasceu em Santa Terezinha do Itaipu e é um dos pescadores tradicionais da região. “A gente faz a pesca artesanal e, agora, a pesca com tanque-rede, com apoio da Itaipu. Isso ajuda muito com o nosso dinheirinho”, conta. Ele pesca de 50 a 80 quilos de peixe por mês, entre piaparas, pirarucus, armados, corvinas, piranhas, bagres, tucunarés e cascudos.

Zé Barba. Foto: Jess Carvalho

Preocupação com o negócio

Preservar a natureza e preservar o negócio são conceitos intimamente associados. Hoje, a Itaipu prevê 109 anos de vida útil para o lago. “As máquinas podem ser substituídas, mas para obter a matéria-prima, que é a água, dependemos do lago, que vai sendo assoreado”, explica o general Carbonell. Na prática, é como se tivéssemos uma caixa d’água que aos poucos vai sendo enchida de areia. “Vai chegar um momento em que não vamos ter água o suficiente para fazer a queda e produzir energia.”

O assoreamento é um trabalho da natureza que não pode ser impedido, mas o manejo adequado do território aumenta a vida útil do lago. “Quando se tem uma mata ciliar, que é a faixa de proteção, ela segura os detritos. Quanto mais densa for a floresta, mais raízes vão trabalhar e mais terra vão segurar, por isso é importante que a floresta seja densa para proteger o lago.”

Foto: Jess Carvalho

Em outras palavras, o reflorestamento não promete milagres, mas com as ações socioambientais, o diretor da Itaipu diz que pode haver um ganho de dez anos. “Depois a gente vai precisar partir para a dragagem do lago, e aí o custo é extremamente alto. Então, o recurso que se emprega nessas iniciativas de contenção traz um retorno muito grande para a empresa”, finaliza Carbonell.

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3 comentários em “Sem reflorestamento, crise hídrica poderia ter parado as turbinas da Itaipu”

  1. Reportagem de alta qualidade, muito feliz na abordagem da relação entre preservação ambiental e economia. Deveria ser lida pelos gerentes das hidrelétricas situadas no rio Iguaçu. E das represas da Sanepar, na Região Metropolitana de Curitiba. Meus parabéns!

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