Rendimento de vacinas em Curitiba será apurado pelo MP

Prefeitura diz que frascos da Coronavac têm rendido menos doses, alerta reforçado por outras cidades do PR

Não isolado no Paraná, o alerta da Prefeitura de Curitiba sobre um suposto desvio no padrão de rendimento de frascos da vacina Coronavac vai ser apurado pelo Ministério Público do Estado (MPPR). O procedimento foi instaurado nesta terça-feira (13), quatro dias depois de a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) tornar público que, ao invés de dez, a nova formatação do volume do imunizante estaria rendendo apenas nove aplicações. A imprecisão já teria provocado prejuízo de 6.773 doses no Plano Municipal de Vacinação contra a Covid-19 – equivalente a 1,6% do total das 418.845 doses recebidas pelo município até agora.

O impasse foi oficialmente comunicado na última sexta (9), quando a pasta informou ter sido obrigada a realocar 4.790 doses da remessa das vacinas Coronavac recebida na véspera, dia 8, para repor a quantidade de aplicações perdidas. Por causa da falta de vacinas, Curitiba está com a aplicação da primeira dose da vacina contra o coronavírus suspensa, sem previsão de quando vai retomar ao processo.

Mesmo assim, a Prefeitura não quis dar entrevista para explicar pormenores do imbróglio sobre o novo perfil de aproveitamento do imunizante Coronavac, o que mais tem sido distribuído no país . Em nota, o Executivo afirmou que a diminuição foi constatada em frascos das 8ª e 9ª remessas, enviadas em março, logo após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter consentido a alteração do volume de envase da Coronavac de 6,2 ml para 5,7 ml. No lote da 10ª remessa, em uso neste momento, a constatação de rendimento inferior se mantém.

A mudança citada pela gestão de Rafael Greca (DEM) como possível ponto de origem do inconveniente diz respeito à aprovação unânime do conjunto de diretores da Anvisa, em 5 de março, como resposta a pedido direto do Instituto Butanatan, de São Paulo, responsável pela produção do imunizante no Brasil, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. Segundo a Agência Nacional, o apelo feito pelo centro de pesquisa paulista foi motivado por notificações de excesso de doses, “tendo sido verificado em todos os lotes produzidos a possibilidade de retirar no mínimo 11 doses (7,2% dos lotes), e no máximo 12 doses (92,8% dos lotes) dos frascos enviados” até então.

Diante da negativa do Instituto Butantan de que a recomposição tenha provocado diminuição de doses, e do posicionamento contrário da Prefeitura da Capital paranaense, a Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública de Curitiba – do MPPR – decidiu instaurar uma Notícia de Fato para acompanhar o caso. O procedimento é um passo anterior à instauração de um inquérito – e, por isso, não há, ainda, eventuais investigados.

A defesa da SMS é que, até os sete lotes enviados anteriormente à alteração física do volume dos frascos, nenhuma observação de ordem semelhante havia sido levantada pelos aplicadores. “Considerando que não houve mudança no modelo das seringas e agulhas usadas desde o início da vacinação e as equipes de vacinadores de Curitiba são altamente treinadas e supervisionadas, não consideramos que seja um problema técnico das equipes”, afirma  a Prefeitura.

“Prática incorreta”

Na contramão destes argumentos, o Instituto Butantan alega impossibilidade de perda e diz que o problema relatado pela pasta é decorrente de “uma prática incorreta no momento do uso das doses”. Em nota, o órgão explica que, como cada fração aplicada equivale a 0,5 ml, um frasco de 5,7 ml por ampola – como fabricado hoje – continua a ter conteúdo extra para garantir a aplicação de dez doses, no mínimo.

“Todas as notificações recebidas pelo instituto até o momento relatando suposto rendimento menor das ampolas foram devidamente investigadas, e identificou-se, em todos os casos, prática incorreta na extração das doses nos serviços de vacinação. Portanto, não se trata de falha nos processos de produção ou liberação dos lotes pelo Butantan”, coloca o centro de pesquisa. “Reforçamos que todas as investigações pertinentes foram feitas e todos os controles realizados nos lotes liberados foram avaliados. A conclusão encontrada, e já dividida com a Vigilância Sanitária, é que não se trata de falha nos processos de produção ou liberação dos lotes por parte do Instituto”, reforça.

Apesar de salientar que já sugere práticas corretas de manipulação, como evitar seringas de volumes superior a 3 ml e manter uma posição correta do frasco e da seringa no momento da aspiração, o Butantan esclarece que “irá revisar a bula da vacina Coronavac, no intuito de promover de forma ainda mais clara as informações relacionadas à forma correta de se realizar a aspiração das doses”.

Municípios do PR reforçam relatos

A reclamação apontada pela Prefeitura de Curitiba, no entanto, não é isolada. No Paraná, pelos menos cinco dos 14 municípios procurados pela reportagem do Plural responderam que também identificaram a queda de rendimento de lotes recentemente enviados – a maioria em relação à Coronavac.

Entre as maiores cidades do Estado, Ponta Grossa afirmou ter perdido ao menos 75 doses de 6 frascos tanto da Coronavac, com rendimento de nove e não dez doses, como também do imunizante distribuído pela Fiocruz a partir de parceria com o laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford – passando de cinco para quatro aplicações. A Prefeitura não notificou o Ministério da Saúde, mas afirmou que a constatação será encaminhada para a Anvisa.

A equipe de Saúde de Cascavel também afirmou ter identificado lotes de Coronavac om falta de doses, porém não passou mais detalhes. Reforçou apenas que apontou o problema ao Ministério da Saúde. A Prefeitura de Foz do Iguaçu corroborou a constatação do município de Curitiba e disse que, como a vacinação na cidade vem sendo feita de forma descentralizada em 19 Unidades Básicas de Saúde, o levantamento do total de frascos com rendimento inferior ao mínimo de dez doses ainda não foi fechado.  

Londrina e Maringá não responderam aos contatos do Plural.

Na Região Metropolitana de Curitiba, São Jose dos Pinhais, Araucária e Almirante Tamandaré também não atenderam ou não enviaram retorno, e Fazenda Rio Grande e Colombo disseram não ter levantado, até agora, impasses semelhantes. Contudo, Pinhais e Campo Largo reforçaram  alerta.

Em Campo Largo, a Secretaria de Saúde informou que a maioria dos frascos do imunizante Coronavac vem apresentando defasagem no número de doses. As falhas passaram a ser notadas em lotes distribuídos a partir de março, provavelmente com impacto no andamento do Plano Municipal de Vacinação, tendo em vista o quantitativo com rendimento inferior ao programado. “Até o momento, Campo Largo teve problemas em frascos destinados para 1ª dose, resultando em 510 doses perdidas”, afirma, em nota, a Prefeitura do município, que diz já estar em contato com o Ministério da Saúde e com a Anvisa.

Em Pinhais, foram 87 doses a menos constatadas. No entanto, a reserva técnica garantida pelo conteúdo extra dos frascos foi suficiente para que as equipes não deixassem de vacinar os pacientes. Mesmo assim, o transtorno foi relatado à Anvisa, e o município agora aguarda posicionamento nacional do órgão.

Risco baixo

Procurada, a Anvisa confirmou estar ciente de um “aumento de queixas técnicas relacionadas à redução de volume nas ampolas da vacina” e que os “relatos estão sendo investigados com prioridade pela área de fiscalização”. Apesar dos apontamentos constantes, a agência considera os eventos como de baixo risco, por não haver risco de óbito ou de causar agravo permanente e nem temporário, mas que, mesmo assim, “todas as hipóteses estão sendo avaliadas para que se verifique a origem do problema e não haja prejuízos à vacinação em curso no país”.

O Ministério da Saúde ressalta, em caso de imprecisões averiguadas no total de doses aspiradas dos frascos, registro no formulário técnico da Anvisa.

Sobre o problema reportado de forma unitária pela Prefeitura de Ponta Grossa em relação à vacina da Fiocruz, a Fundação respondeu que o imunizante distribuído sob sua responsabilidade passa por um controle rígido de qualidade, com volumes de frascos medidos em etapa anterior à rotulagem e embalagem. “Além disto, cada frasco contém o chamado “overfill” – introdução de volume adicional de 1 dose – para evitar perda em sua utilização no campo – como possível humano na dosagem, variações de seringa e agulha.”

*Colaborou: Maria Cecilia Zarpelon

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