Quando a amizade é a melhor terapia

Relatos de participantes do Reatar, grupo de apoio do Hospital das Clínicas, mostram a realidade de indivíduos soropositivos

Quando se pensa em grupo de apoio, vem à cabeça a clássica cena de filme: um encontro tenso entre o mediador e participantes, que falam seus nomes e há quanto tempo estão sem recaídas. Depois disso, resta o silêncio, afinal, falar da própria vida pode ser intimidador.

Graças à força dos pacientes do Hospital das Clínicas da UFPR (HC), os encontros do Reatar passam longe do que o cinema propõe. Os participantes da Rede de Adesão ao Tratamento Antirretroviral chegam todas as terças, às 14h, com lanches e sucos para mais uma reunião do grupo de apoio aos pacientes de HIV/Aids. Alguns deles têm o tratamento acompanhado ali mesmo, pelos médicos do HC. 

Todos podem compartilhar relatos sobre o cotidiano. A equipe multiprofissional aproveita os encontros para prestar orientação. Durante o café da tarde organizado pelos participantes, sempre sobra espaço para piadas e risadas.

Ao fim de cada ano, também é realizada uma reunião festiva em celebração não só ao Natal e ao Ano Novo, mas especialmente à vida e à amizade. Isso porque, mais do que lidar com o diagnóstico do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), é preciso enfrentar o preconceito da sociedade – talvez o maior dos problemas. E ele não vem só de desconhecidos, mas também de quem se espera apoio: familiares e amigos. Os pacientes relatam como é difícil lidar com a aceitação. O tratamento e seus coquetéis de medicamentos amedrontam, mas o que sofrem dentro de casa é de tirar o chão. Desse jeito, o Reatar também cumpre um papel fundamental: acolher e confortar

Muitos dos pacientes vivem com a doença desde os anos 90, quando surgiram as primeiras medicações antirretrovirais. Juntos, tentaram diferentes tratamentos. Nas reuniões, é feita a troca de relatos sobre essas experiências. Vários ali são amigos de longa data e estão juntos desde o início do Grupo de Adesão. A união do grupo é evidente. A rede de apoio, criada com o intuito de manter o vírus indetectável e, assim, intransmissível, fortalece cada um dos participantes, que incentivam uns aos outros a seguir o tratamento à risca. 

A parceria entre o Núcleo de Comunicação e Educação Popular (Ncep) e o Reatar começou em 2018 com a ideia de construir um livro de depoimentos que motivasse outros pacientes a persistirem no tratamento, além de informar o público. Para isso, os extensionistas foram a campo, participaram das reuniões e gradualmente se aproximaram dos participantes. Era preciso construir uma relação de confiança, já que as entrevistas significam um resgate de memórias nem sempre agradáveis. 

Mergulhar nas histórias dos pacientes deixou os extensionistas perplexos: “como essas pessoas conseguiram enfrentar e superar tudo isso?” Muitos dos depoentes tinham como tempo de diagnóstico a idade dos alunos que os entrevistaram. Estavam há pouco mais de duas décadas travando uma luta diária contra o vírus e o preconceito.

Ver o Reatar de perto trouxe incontáveis ensinamentos. Na convivência das terças à tarde, as histórias de pessoas que convivem com o vírus, tido pela sociedade como algo tão negativo, são contadas com sinceridade e maturidade. A força de cada paciente é singular. Cada um, com sua vivência única, rebate o que é normalmente pressuposto sobre soropositivos. Acima de tudo, são pessoas reais que batalham pela vida. 

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