Projeto atropela legislação, corta licenças e libera envio de resíduos tóxicos e radioativos ao PR

Proposta que tramita com urgência na Assembleia Legislativa muda exigências relacionada a aterros e tratamento de resíduos sólidos

Deputados do Paraná podem dar aval a uma proposta que muda processos de operação de aterros e do tratamento de resíduos sólidos às custas do enfraquecimento do conjunto das normas ambientais. Há indícios de violação constitucional e desrespeito a uma série de outros dispositivos legais, inclusive a artigos da Política Nacional de Meio Ambiente. Em parecer técnico emitido na quinta-feira (24), o Ministério Público (MPPR) apontou retrocesso e sugeriu arquivamento do projeto, que tramita em regime de urgência.

O pedido para acelerar o rito foi protocolado pelo autor do texto, o deputado Tião Medeiros, e pelo líder de Ratinho Jr. na Casa, Hussein Bakri (PSD). A proposta chegou à Assembleia no último dia 8 e avançou sem debates. Como segue trâmite à parte, pode fechar o mês já na mesa do governador para ser sancionado.

Seria de bom grado com empresários do ramo de resíduos, quase sempre críticos às leis de preservação ambiental. Favorável a uma pressão bastante conhecida, a proposição diminui os critérios para licença de ampliação dos aterros, coloca o Paraná como destino de entrada de qualquer tipo de resíduo – inclusive tóxicos e radioativos – e, em mais um ponto considerado sensível pela Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente, aumenta o prazo de validade das licenças de operação e de renovação dos aterros de dois para quatro anos.

“(…) este Centro de Apoio se manifesta, respeitosamente, pela rejeição do referido Projeto de Lei e seu arquivamento, seja em razão da impropriedade de suas justificativas, seja em virtude da afronta à legislação estadual e federal e do desrespeito à Constituição do Estado do Paraná e à Constituição da República, seja ainda em razão do princípio da vedação do retrocesso ambiental”, diz o documento, assinado pelo promotor Alexandre Gaio e por um grupo de assessores técnicos do órgão.

Respaldo

A proposição encaminhada para apreciação dos deputados tem 15 artigos. Oito deles tiveram o respaldo legal questionado pela análise do Ministério Público, feita a pedido da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção Animal da Alep, presidida pelo deputado Goura (PDT). Segundo o parlamentar, o projeto também foi submetido à análise da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) e da Associação Paranaense de Engenheiros Ambientais (APEAM). Os pareceres seguem para a diretoria legislativa da Casa.

Pressão

Para Goura, o projeto é inconstitucional. “Há previsões ali que merecem um olhar técnico cuidadoso e não pode, de forma alguma, tramitar assim. Mas a gente sente uma pressão grande, por parte de alguns parlamentares, para que tramite com uma urgência, o que, no nosso entendimento, não se justifica”, diz.

O deputado acredita que uma possível aprovação e sanção da proposta poderia levar o tema à judicialização – tal qual outros casos que saíram da Assembleia e foram parar nos tribunais. Recentemente, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná derrubou a lei do homeschooling por entender que o tema é de competência legislativa da União e não do governo estadual.

“Infelizmente, perece que, às vezes, o jogo legislativo, que tem que seguir regras, tem que seguir competências, é submetido a interesses escusos, a interesses que não fazem parte do jogo limpo do processo legislativo competente”, disse Goura.

Alerta

A manifestação do Ministério Público também acende o alerta. O documento lembra que, embora estados da federação possam legislar em matéria ambiental, “devem observar o ‘patamar mínimo nacional’ de proteção do meio ambiente estabelecido pela legislação federal ambiental, ou seja, apenas podem divergir para aumentar as restrições em prol da proteção do meio ambiente” – o que não seria considerável no PL em discussão.

Uma das mudanças sugeridas pela proposta do deputado Tião Medeiros coloca o Paraná no mapa de receptor de qualquer tipo de resíduo, contrariando resolução recente do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cema). Publicada em fevereiro do ano passado, a medida barra a entrada de determinados tipos de resíduos vindos de outros estados, como os oriundos da área da saúde; contaminados com substâncias químicas classificadas como Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs); e os radioativos e explosivos, por exemplo.

Mas o texto em trâmite na Alep, ao contrário, retoma o Paraná como receptor de resíduos de classes consideradas perigosas e não perigosas. A única condição para isso seria apenas a apresentação do licenciamento ambiental pelo gerador da carga.

Troca

Outro destaque é a troca da exigência de Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) pelo Relatório Ambiental Preliminar (RAP) em casos de licença de ampliação de aterros sanitários e industriais. EIA/RIMA são documentos exigidos no licenciamento ambiental de qualquer empreendimento e atividade que possa provocar impactos significativos ao meio ambiente – como é o caso do transporte de resíduos e dos aterros.

Os estudos são formulados a partir de explorações e avaliações feitas por equipes multidisciplinares habilitadas e devem seguir um padrão estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Já o RAP vale para casos de licença ambiental prévia e, portanto, trata-se de um estudo mais simples e menos abrangente.

A desconsideração do EIA/RIMA em processos de licenciamento já havia sido adotada pelo estado do Mato Grosso, mas foi invalidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. A Corte reconheceu a inconstitucionalidade da desobrigação desses documentos em processos de licenciamento ambiental de atividades com significativo potencial degradador, manobra que agora tenta ser aplicada no Paraná.  

Incompatível

O Ministério Público sustenta que a medida ainda é incompatível com resoluções do Conama e do próprio do próprio Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cema), que submete a aprovação de atividades de risco ao Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

Questiona-se ainda o fim da cobrança de autorização ambiental para transporte, tratamento, destinação e disposição final de resíduos sólidos dentro do estado. Se aprovada a proposta, o documento só terá de ser apresentado “nas hipóteses de entrada e saída destes entre o Estado do Paraná e outras unidades da Federação”, diz o projeto. O que, no entendimento da Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente, afetaria em cheio o rastreamento dos resíduos gerados, transportados e destinados dentro do Paraná.

Neste mesmo sentido, a proposta também prevê que quem transporte e recebe os resíduos não terão mais de comprovar o licenciamento da carga ou do Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR), documento emitido pelo Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos e que também funciona como uma espécie de rastreador. A obrigação ficaria apenas a cargo do gerador do resíduo, violando dispositivos da legislação federal e diminuindo a responsabilidade compartilhada durante todo o processo.

Clareza

Na justificativa da proposição, o deputado Tião Medeiros não comenta os artigos propostos em separado, mas diz que o objetivo do projeto é dar “mais clareza, segurança e transparência” às empresas e aos órgãos ambientais de controle uma vez que a mudança definiria as “responsabilidades dos agentes envolvidos (gerador, transportador, armazenador temporário e destinador final), ao mesmo tempo em que otimiza as regras relativas ao gerenciamento de resíduos e ao licenciamento ambiental de aterros sanitários e industriais”.

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1 comentário em “Projeto atropela legislação, corta licenças e libera envio de resíduos tóxicos e radioativos ao PR”

  1. O dep. Tião passando a boiada. Se o povo souber o que ele fez no verão passado, em outubro/22 a Excelência perde o “melhor emprego do Mundo”.

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