Privatização da Copel Telecom avança em meio à pandemia

Venda pode impactar no custo e na qualidade de serviços de telecomunicações a órgãos governamentais, como escolas, universidades e hospitais

Durante a pandemia do coronavírus, a Copel dá mais um passo rumo à privatização de seu setor de Telecomunicações, a Copel Telecom. No dia 19, a estatal paranaense divulgou ao mercado as primeiras informações sobre a intenção de desinvestimento de 100% da unidade.

O “processo de potencial desinvestimento” é, na verdade, uma consulta pública conduzida pelo banco de investimento internacional Rothschild, contratado pela Copel para executar as estratégias de venda.

A conclusão do processo ainda depende, dentre outros quesitos, da aprovação do Conselho de Administração da empresa de energia. A perspectiva da estatal é de concluir a venda até o final de 2020. De acordo com a Copel, “se a opção for por  leilão de venda, o pregão vai acontecer na B3, bolsa de valores de São Paulo, em âmbito público com prévia e ampla divulgação”.

Criada formalmente em 2000, a Copel Telecom tem presença nas 399 cidades do Estado e rede óptica de 34 mil quilômetros, atendendo virtualmente todo o Paraná com tecnologia de fibra ótica. Além de fornecer internet para milhares de residências, a empresa garante a conexão de mais de duas mil escolas estaduais, hospitais, delegacias, tribunais e universidades, dentre outros entes públicos. A Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) e própria Copel utilizam os serviços da Telecom, fundamentais para a manutenção e operação de Centros de Operação do Sistema Elétrico.

“Uma falha e as operações remotas de milhares de chaves deixam de funcionar. O sistema elétrico fica sem gerência. A confiabilidade do serviço de comunicação também é peça chave para a automação e integração de inteligência na operação de redes de energia”, pondera o vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR), Leandro Grassmann.

Questionada pelo Plural acerca do acesso à internet pelas escolas e órgãos do governo, a Copel afirmou que a relação de prestação do serviço firmada com o Estado do Paraná é regida por contratos via processo licitatório. Os termos atuais seguirão até o final das vigências, quando será feita nova licitação.

Para Grassmann, no entanto, a licitação é “teórica”, já que a subsidiária é a única que consegue atender a demanda pública do Estado. Os preços reduzidos pagos pelos Municípios para fornecimento de internet às escolas municipais, por exemplo, dificilmente serão mantidos por uma empresa privada.

“Isso provavelmente deve ser renegociado, reestudado e onerar os custos de uma série de Prefeituras”, diz o engenheiro. Além do aumento de valores, a precarização na prestação do serviço preocupa. Segundo o sindicalista, o critério de uma empresa pública pra fazer manutenções costuma ser mais conservador do que o das empresas privadas.

“A empresa estatal, com fim social, coloca seu ativo na melhor forma possível e sabe que não consegue comprar materiais assim de bate-pronto. Tem que ter licitação. Então, se vai fazer uma manutenção hoje, a tendência é que faça de forma a não precisar refazer tão cedo”, avalia.

“Uma empresa privada, como teoricamente tem facilidade de compra, acaba só comprando quando precisa, e fazendo a manutenção suficiente para atender à demanda. Quando quebrar de volta, arruma outra vez. O mesmo acontece com a ampliação da rede. A Copel vende uma capacidade de 90 e às vezes a rede suporta 200, porque ela foi dimensionada pra suportar um aumento de consumo em longo prazo”, explica o engenheiro.

Foto: Reprodução Copel Telecom

Motivos

O desejo do governo de se desfazer da Copel não é de hoje. Em 2001, o governador Jaime Lerner tentou, sem sucesso, privatizar a estatal. Na ocasião, a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) foi ocupada por estudantes e sindicatos. A venda não aconteceu e hoje a empresa é a maior do ramo no Estado.

Dezessete anos depois, o então candidato a governador Ratinho Jr (PSD) colocou a venda da Telecom, dentre outras empresas, como promessa de campanha. Na época, Ratinho Jr argumentou que não havia “justificativa para o Estado ter duas companhias como a Copel Telecom e a Compagas, que atende só ao setor privado.”

Disse, ainda, que a Copel Telecom não tinha como “disputar com as maiores do mundo, que estão todo dia colocando dinheiro em uma velocidade muito maior”, e que a subsidiária, diferente da Copel Energia, “não tem desenvolvimento social envolvido”.

Em 2020, a justificativa permanece. Questionada pelo Plural, a Copel afirma que “por ser uma empresa de economia mista, regida pela Lei 13.303, a Lei das Estatais, a Telecom não consegue competir de igual para igual com o mercado privado. Os processos licitatórios são grandes limitadores que impactam significativamente na operação. Em função deles a Telecom não tem agilidade como os concorrentes e, ainda, não consegue desenvolver parcerias duradouras com fornecedores, baseada em requisitos de qualidade do produto/serviço, prazos de atendimento e preço”, informa em nota.

“Além disto, a necessidade de investimento intensivo que o setor de Telecom demanda também é um limitador dentro de uma empresa cujo negócio principal é energia. O dimensionamento de pessoal do quadro próprio apresenta inflexibilidade frente às oscilações de mercado. Portanto, por questões de custos, não é possível  concorrer com o mercado de Telecom sem poder usufruir da mesma legislação.”

Grassmann questiona os motivos alegados pelo governo para venda da empresa, que lidera o ranking de satisfação de clientes na Anatel. Para o engenheiro, ao contrário do que afirmou Ratinho Jr, a Copel Telecom tem função social. A subsidiária teve papel estratégico no desenvolvimento do Estado, conectando 399 Municípios paranaenses e fornecendo acessos à internet banda larga de qualidade a preços reduzidos.

Ademais, a empresa é lucrativa. Em 2019, a geração de caixa foi de R$ 190 milhões (lucro antes de juros e impostos, o chamado EBITDA). Segundo o deputado Tadeu Veneri (PT), a Copel Telecom detém 22% de participação do mercado e é considerada a empresa mais eficiente do setor de banda larga.

Por que privatizar?

Em relatório publicado em maio de 2019, a equipe do banco de investimentos BTG Pactual estimou que a venda da Copel Telecom poderia levantar entre R$ 1,6 bilhão e R$ 1,8 bilhão para a estatal paranaense e sugeriu que a venda do braço de telecomunicações da Copel “ajudará o processo de aumento de patrimônio da companhia e diminuição de dívida.”

Veneri avalia que o recurso poderá ser direcionado ao pagamento de outorga da usina Foz de Areia, a maior usina da Copel Energia e a segunda maior do Paraná. Como a cessão vence em 2023, com possibilidade de antecipação para 2021, a estatal pode estar tentando arrecadar o R$1,5 bilhão necessário para participar do processo.

O deputado sugere, ainda, uma relação entre a venda da empresa e o projeto de lei 268/20, de autoria do governo do Estado, que tramita na Assembleia. O texto propõe desconto de 10% a 20% da dívida de ICMS para empresas de vários setores, entre eles, da área de telecomunicações. A especulação é de que o projeto venha a oferecer uma espécie de anistia das dívidas a potenciais interessados na compra da companhia.

“No momento em que estamos perdendo arrecadação, é no mínimo curioso que o governo queira dar descontos de impostos para companhias que podem entrar na disputa pelo controle da Copel Telecom”, comentou o deputado em sessão online na última quarta-feira (20).

Foto: Guilherme Puppo/Copel

Histórico

A Copel Telecom existe formalmente desde 2000 mas, na prática, nasceu há 40 anos como um departamento da Copel pra suprir necessidades de telecomunicação entre os equipamentos principais de geração, transmissão e distribuição de energia, automatizando o processo.

Antigamente, as usinas e subestações eram operadas manualmente e a comunicação feita por telefone, rádio ou canal de alta tensão. Hoje, os centros de operação controlam esses ativos de forma remota com um mínimo de interferência humana.

Leandro Grassmann explica que, por isso, é impossível dissociar os ramos. “A Telecom tem uma simbiose grande com a Copel geração, transmissão e distribuição (Copel Energia). Ela cresceu junto, usando partes do mesmos equipamentos. Não é uma empresa separada da Copel, que pode ser fatiada tão facilmente”, diz o engenheiro.

A Telecom não utiliza, por exemplo, a mesma área que as outras empresas de telecomunicações para passar os cabos nos postes. Ela usa uma região chamada de “contaminada”, área energizada de uso exclusivo da Copel distribuidora. “Como vai ficar isso? Essas coisas não estão muito claras para a gente, nem para o mercado e nem para os próprios empregados, porque a Copel não se manifesta sobre isso de forma clara”, reclama Grassmann.

Em julho de 2019, a Copel contratou o Banco Rothschild e escritório de advocacia Cescon Barrieu para auxiliar neste processo. A parceria foi estabelecida sem processo licitatório, o que levou o Tribunal de Justiça do Paraná a suspender, em janeiro deste ano, a vigência e execução do contrato administrativo. Alegando que outras empresas prestam o mesmo tipo de serviço no mercado e que a competição era plenamente possível, o desembargador Luiz Taro Oyama considerou o contrato ilegal e paralisou o processo de privatização da subsidiária.

Em seguida, o ministro João Otávio de Noronha acatou recurso da Copel e derrubou a liminar que impedia a parceria, sob o argumento dos “graves danos” que a manutenção da liminar poderia trazer à economia paranaense. O contrato de consultoria voltou a vigorar, onerando o Estado em cerca de R$ 3 milhões. O processo segue o trâmite e aguarda julgamento na última instância.

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