PR reservou parte de indenização ambiental bilionária da Petrobras para atender demanda de agricultores, diz MPPR

Dinheiro teria de ser para uso exclusivo de projetos de preservação ambiental

Parte do R$ 1,39 bilhão de indenização ambiental proveniente de acordo entre o Paraná e a Petrobras foi destinado pelo governo de Ratinho Jr. (PSD) à construção de estradas rurais para atender demandas de mobilidade e escoamento de produção agrícola. O destino das rubricas cravadas para o Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fema) não teria, assim, nenhuma relação com os termos do trato. Na verdade, sustenta o Ministério Público do estado (MPPR), nenhum dos 38 projetos aprovados sob essas cifras estaria em consonância absoluta com o que determinam os critérios do termo. Diante do “perigo iminente de desvio de finalidade e utilização de recursos”, o órgão acionou a Justiça e pediu a suspensão do repasse da verba diretamente ao governo.  

O caso foi antecipado pelo jornal O Estado de S.Paulo, nesta quarta-feira (26). O Executivo estadual organizou uma coletiva de imprensa para apresentar os detalhes dos planos esquematizados com o uso da verba que, ressaltou terem sido “aprovados pelo conselho após oito reuniões, com amplo debate sobre a viabilidade, a legalidade e a aplicação de cada um”. Quanto à reserva para estradas rurais, está ligada a medidas defendidas e voltadas à proteção dos rios, disse.

Na petição encaminhada pela Promotoria de Justiça de Curitiba, derivada das apurações do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema), os promotores alertam para um “completo desvirtuamento do escopo” do acordo fechado com a Petrobras em setembro do ano passado. A indenização é pela reparação integral dos danos ambientais provocados pelo vazamento de cerca de 4 milhões de óleo na bacia hidrográfica do Iguaçu, nos anos 2000. A tragédia foi provocada pelo rompimento de um oleoduto da refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, na região metropolitana de Curitiba.

O ressarcimento de destino agora com uso sob suspeita se trata do maior valor já pago por uma estatal brasileira por dano ambiental. O destino do dinheiro foi carimbado exclusivamente a projetos e programas de “interesse do bem ambiental”, atendendo a critérios específicos. Mas a denúncia formulada pelo MPPR traz à tona uma série de questionamentos que coloca em xeque a legitimidade do emprego da indenização.

Da parte da Petrobras, não há irregularidades. As suspeitas recaem sobre o Executivo paranaense. Além de supostamente não atender ao que determinam as cláusulas do documento, o governo teria acelerado a discussão sobre a aplicação das cifras e, para a maioria dos projetos, deixado de apresentar o plano de aplicação de recursos.

Entre os casos concretos apontados pela investigação estão a apresentação de projetos idênticos submetidos a cláusulas diferentes, o que descaracterizaria o perfil de amplitude do acordo, e também indícios de substituição. Ou seja, houve a reserva de dinheiro para temas que já contam com orçamentos de Estado preexistentes, mas que passariam a ser bancados com valores  da indenização – nesse caso, o programa de abertura de poços artesianos no interior, implementado por causa da crise hídrica no estado, em benefício de comunidades rurais.

Também se constatou verba carimbada para a compra de caminhões de lixo, “sem haver justificativa e especificação técnica para tal” e interpretado pelos promotores como projeto de “mera paramentação”.

Ratinho Junior e o Secretário do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Marcio Nunes. Foto : Jonathan Campos / AEN

Conselho na mira

Na prática, o uso da verba foi definido pelo Conselho de Recuperação dos Bens Ambientais Lesados (CRBAL), criado por lei dias após fechado o acordo com a Petrobras e cuja composição também é alvo das indagações levantadas pelo Gaema.

Ligado ao Fema, o grupo foi instituído no ano passado – apesar do Fundo existir desde 2000 – para administrar os recursos decorrentes de condenações em ações civis públicas, conforme exige lei federal.

A gestão empossada tem o secretário do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest), Marcio Nunes, como presidente. Os conselheiros são a procuradora-geral do Estado, Letícia Ferreira da Silva; o secretário da Agricultura e do Abastecimento (Seab), Norberto Ortigara; o diretor-presidente do Instituto Água e Terra (IAT), Everton Luiz da Costa Souza; e o procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacóia.

Por ordem legal, a representação da sociedade civil no conselho teria de ser concretizada por entidades ligadas especificamente à proteção ambiental. Hoje, as duas cadeiras designadas são ocupadas pelo presidente do Instituto de Engenharia do Paraná (IEP), Nelson Luiz Gomez, e pelo presidente do Movimento Pró-Paraná, Marcos Domakosk. As duas escolhas foram do governador, embora nenhuma das entidades tenha atividades ambientais como finalidade exclusiva, algo que já vinha sendo questionado desde o ano passado, inclusive em discursos na Assembleia Legislativa (Alep).

Sob o crivo do CRBAL, todos os 38  projetos apresentados pelo estado foram aprovados. Apresentação, discussão e definição final do destino dos recursos ocorreram no intervalo de quatro reuniões, entre 3 de novembro e 15 de dezembro.

Análise técnica feita pelo MPPR concluiu que 32 dos projetos “claramente sequer encontravam aderência ao objeto do Termo de Acordo Judicial”, enquanto outros seis, apesar de atendimento parcial às propostas originais, “padeciam de graves incongruências formais e materiais”, como falta de justificativa; de critério de elegibilidade e seleção de municípios beneficiados; e de previsão de custos para execução.

Antes da reunião de aprovação, as falhas chegaram a ser apresentadas de maneira formal pelo Ministério Público, mas o conselho que não chegou a avaliar ou a discutir as questões.

“Em síntese, o que ocorreu é que em um processo injustificadamente apressado, liderado por um Conselho Gestor recém-instalado de um fundo público que nunca havia funcionado regularmente, com duração de menos de 2 (dois) meses, foi aprovada e destinada pelo estado do Paraná e pelo IAT a aplicação do montante de R$ 128.043.398,00 (cento e vinte e oito milhões, quarenta e três mil e trezentos e noventa e oito reais) de modo avesso e em desacordo com os termos da sentença judicial e do acordo homologado”, conduz o MPPR no documento da denúncia.

O cumprimento ou não da sentença será decisão do juiz Flavio Antonio da Cruz, da 11ª Vara Federal de Curitiba. A expectativa é de que a determinação em caráter liminar saia até a próxima semana.

As rubricas destinadas ao Fema – cerca de 66% do total da indenização – somam R$ 931,2 milhões. O acordo definiu o pagamento em quatro parcelas. A primeira, liberada em outubro do ano passado, e as demais para o primeiro semestre de 2022: janeiro, abril e junho.

O MPPR quer, assim, que além da suspensão imediata da aplicação dos recursos já em caixa pelo Paraná, as próximas parcelas pagas pela Petrobras sejam direcionadas a uma conta judicial. Em caráter definitivo, o órgão pediu também a anulação de todas as decisões tomadas pelo CRBAL relacionadas à aprovação dos projetos e planos de aplicação esquematizados sob o dinheiro da indenização, e a reformulação do conselho, atendendo a garantia da participação da sociedade civil em todo o processo.

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