Polícia registrou 82 boletins de cibercrimes sexuais contra crianças e adolescentes em 2021

Adultos usam perfis falsos para atrair crianças e adolescentes

A presença de crianças e adolescentes na web vem crescendo nos últimos anos. O percentual de pessoas deste público que não tinha acesso caiu de 14% para 11% entre os anos de 2018 e 2019, de acordo com a consultoria TIC Kids Online Brasil, divulgada em 2020.

A pandemia da Covid-19, porém, potencializou o acesso, de acordo com a mestra em Direitos Humanos e Políticas Públicas e conselheira tutelar Aline do Rocio das Neves. Ela explica que como as aulas foram ministradas de forma remota, muitos estudantes aumentaram ou iniciaram a atividade na web.

Esse cenário facilitou a vida dos cibercriminosos. Nas redes sociais pessoas que têm interesses em comum costumam se reunir. No extinto Orkut isso acontecia nas comunidades. Com o Facebook, por exemplo, esse encontro ocorre nos grupos.

Muitos são públicos, nos quais qualquer usuário com conta ativa na plataforma pode entrar. O Plural acessou dois deles – cujos nomes não serão divulgados para evitar propagação. Ambos são voltados para o namoro entre adolescentes.

As descrições dos grupos proíbem conteúdo pornográfico e orientam só adolescentes a participarem. Mas como são públicos não há moderação acerca de quem pode entrar (o perfil utilizado para a reportagem é um um fake, sem foto). As discussões trazem imagens de usuários em poses sensuais ou com pouca roupa, além de haver posts que estimulam troca nudes entre os participantes.

Também há muitos perfis fakes. Alguns usam fotos de outras pessoas e os demais avatares diversos. Por meio deles são feitos comentários principalmente em fotos de meninas: “linda”, “me chama no privado”, “me passa o WhatsApp”.

Nas fotos de meninos os comentários são majoritariamente de perfis que trazem fotos sensuais de mulheres. Algumas dizem que fazem chamadas de vídeo. Outras afirmam que vão conversar pelo chat com o dono da imagem.

Curitiba

Esse território nebuloso é um campo fértil para exploração ou abuso sexual. De acordo com Núcleo de Combate aos Cibercrimes da Polícia Civil do Paraná (Nuciber), apenas no ano passado foram registrados 82 boletins de ocorrência e instaurados 71 inquéritos envolvendo crianças e adolescentes somente em Curitiba. Os números podem ser ainda mais preocupantes, já que nem todos os responsáveis comunicam a polícia sobre esses crimes.

O sistema da Polícia Civil não faz um levantamento automático por idade e gênero das vítimas, mas isso deve ser implantado em breve.

A maioria das denúncias é feita pelos pais e mães. “Geralmente eles percebem conversas indevidas no celular, nas redes sociais e WhatsApp”, diz o delegado-chefe do Nuciber, José Barreto.

O policial atuou no Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria) e já tinha familiaridade com crimes envolvendo vítimas com menos de 18 anos. O know-how aliado a treinamentos fora do Brasil permitiram que ele planejasse a primeira edição da operação Luz na Infância, ainda no Nucria.

Em 2017, uma mulher de 33 anos, moradora do Boqueirão, em Curitiba, foi presa. Ela estuprava o filho de 11 anos, gravava o crime e encaminhava para o padrasto da criança, que distribuía o conteúdo pela internet.

A exemplo desta, as investigações de exploração sexual contam com aparato tecnológico. Os policiais civis conseguem identificar o IP dos computadores que disponibilizam este conteúdo em canais fechados. A Polícia Federal (PF), por sua vez, investiga casos de pornografia infantil quando elas são divulgadas na darkweb (internet não indexada).

“Brincadeira” estimula troca de nudes entre os usuários do grupo | Foto: Reprodução redes sociais


Segundo o delegado, os perfis fakes encontrados pelo Plural nos grupos, são a maneira habitual desses cibercriminosos agirem. “Na maioria das vezes são pessoas maiores de idade, que usam fotos de crianças ou adolescentes e se passam por outras pessoas. Colocam fotos de meninas bonitas para atrair atenção de meninos de 12, 13 anos, por exemplo”.

Depois disso, muitos trocam nudes com as vítimas – grande parte das fotos do criminoso são falsas – e a partir daí são iniciadas conversas de cunho sexual. Por vezes, as fotos das crianças e adolescentes são divulgadas na web. “Quando isso acontece é quase impossível de retirar”.

Durante o inquérito é necessário ouvir as vítimas, algo que é feito com auxílio de psicólogos, sobretudo quando são crianças muito pequenas. “Não podemos revitimizar essa pessoa, mas muitas vezes o único elemento que pode levar à prisão daquela pessoa é o depoimento da vítima, então quando é necessário contatos com o Nucria, que tem salas lúdicas para deixar as crianças mais confortáveis”, diz o delegado.

Segurança

No Brasil, o Facebook proíbe pessoas com menos de 13 anos de manter um perfil ativo na rede. Ou seja: se a pessoa falar a verdade na hora de cadastrar os dados e tiver 12 anos, não consegue entrar na rede social.

Aqueles que conseguem burlar o sistema também podem ter o perfil derrubado após denúncias feitas por outros usuários.

“Nossas atividades lideram o setor no combate à exploração infantil e utilizam uma abordagem que se divide em três partes: primeiro, evitar que esse dano terrível aconteça; em seguida, detectar, remover e denunciar atividades de exploração que escapam a essas iniciativas; por fim, trabalhar com especialistas e autoridades para manter as crianças em segurança. Aplicamos essa abordagem tanto nos espaços públicos da nossa plataforma, como Páginas, grupos e perfis, quanto nos nossos serviços de mensagem privada, como o Messenger”, diz a diretriz do Facebook.

Foto de um perfil falso nas redes sociais
Perfil fake convidando usuários para chamadas de vídeo | Foto: reprodução redes sociais

O desafio é que não é fácil para a plataforma identificar possíveis exploradores sexuais infantis sem uma denúncia formal. Nas diretrizes de segurança, o Facebook explica que avaliou 150 contas e denunciou no Missing and Exploited Children (NCMEC) em julho e agosto de 2020 e em janeiro de 2021. No WhatsApp (que também é da Meta, empresa que, além disso gerencia Facebook e Instagram) há tecnologias automatizadas, como a associação de fotos e vídeos para detectar imagens exploratórias, apesar de criptografia.

Para além disso, a orientação da Polícia Civil é para que os pais mantenham uma relação amistosa com os filhos. “Tem que ser uma relação de confiança. Os pais precisam conversar, no momento adequado, sobre segurança em redes sociais. Muitos ficam preocupados com os filhos na rua ‘ah, meu filho vai chegar tarde’; ‘ah, meu filho está na rua’ e esquecem que o perigo pode estar ali, no quarto, na tela do computador ou celular”, alerta Barreto.

A educação sexual é um caminho para minimizar os riscos. “Falar sobre com utilizar a internet e principalmente educação sexual para prevenção. Ensinar as crianças a conhecerem sua anatomia e explicar que o corpo não pode ser tocado ou mostrado para estranhos é necessário”, orienta a conselheira Aline.

Denúncias

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura os direitos e as tipificações de crimes na internet são norteadas pelo Código Penal.

Há uma distinção entre pedofilia, pornografia infanto-juvenil e exploração sexual infantil. “A primeira é um desvio, uma parafilia, um distúrbio que envolve compulsão e obsessão por crianças”, explica o delegado.

Pornografia infanto-juvenil ocorre quando crianças e adolescentes são expostos a cenas pornográficas ou vexatórias e são filmados, fotografados neste ato. O crime também ocorre quando um adulto recruta ou coage a vítima a fazer isso. Já a exploração sexual tem carácter comercial.

Além dos mecanismos das plataformas digitais, a denúncia deve ser feita no Nuciber, em Curitiba. Prints, vídeos e demais provas devem ser entregues em pen drive direto na delegacia. Em caso de conteúdo impresso, se possível, os responsáveis pela vítima devem autenticar o conteúdo em cartório.

Também existe o Disque 100, válido para todo Brasil, assim como os Conselhos Tutelares de cada município, que funcionam 24 horas por dia, em esquema de plantão.

No caso dos grupos acessados pela reportagem, como não há situação clara de abuso, ambos foram denunciados diretamente ao Facebook como “nudez ou atividade sexual” e “sexualmente sugestivo”. As informações foram reportadas na terça-feira (9) e até o fechamento desta reportagem não havia retorno da rede social.

Print de uma tela do facebook
Página foi denunciada ao próprio Facebook | Foto: Reprodução

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