Planos de luto deixam clientes na mão

Famílias denunciam taxas extras e sumiço no dia do sepultamento, sem a prestação do serviço. Modalidade está irregular em Curitiba

Planos funerários – ou planos de luto – estão irregulares em Curitiba desde 2014, quando o Tribunal de Justiça do Paraná suspendeu a venda da modalidade no Estado, já que ela não está regulamentada. Mesmo assim, as empresas seguem comercializando o serviço e expondo clientes a inseguranças jurídicas. Foi o que aconteceu com duas famílias ouvidas pelo Plural. Elas tinham planos funerários contratados, mas não tiveram os serviços prestados no momento em que mais precisaram do auxílio.

A avó da esposa de Renato Paladini do Vale foi transferida para o Hospital do Rocio, em Campo Largo, com suspeita de coronavírus. O exame deu negativo, mas ela faleceu de insuficiência cardíaca alguns dias depois. Renato, então, entrou em contato com a empresa Luto Afonso Pena, contratada pela família.

“Aconteceu no sábado. Como não podia passar os dados que eles queriam, pois estava no trânsito, eles ligaram para o meu cunhado. E aí falaram que não podiam prestar o serviço porque ela estava num hospital de Campo Largo, numa ala de Covid-19, e só o próprio pessoal do Município podia fazer esse trabalho”, relata.

Ele ligou novamente para a empresa e foi atendido pela funcionária Aline, que prometeu verificar a situação. “Depois disso, nós não conseguimos mais contato. Não atenderam nenhum dos telefones. Pedimos para um parente nosso ir até o estabelecimento físico deles, também estava tudo fechado, com um cadeado enorme. Só na segunda-feira que nos retornaram no WhatsApp perguntando o que a gente precisava. Eu falei que já não ia me ajudar.”

Procurada pelo Plural, a empresa argumentou que o problema foi outro. “Cliente encontra-se com três faturas em aberto, onde ainda não teve registro de pagamento.”

Renato discorda. Ele diz que havia, sim, uma fatura em aberto, que não foi paga em razão da pandemia. Um segundo boleto teria vencido no dia do falecimento. Mas, segundo ele, essa argumentação só foi usada pela Luto Afonso Pena quatro dias depois do primeiro contato da família.

A reportagem entregou o contrato de prestação de serviço firmado entre ambos para análise do advogado Leonardo Paiva, membro da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB/PR).

“Poderia ter uma cláusula de inadimplência indicando que o atraso de uma ou mais parcelas pode rescindir o contrato ou ocasionar a não prestação do serviço, mas não é o caso. Diz que só pode colocar o nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito”, afirma. “Eles não poderiam deixar de prestar o serviço.”

O advogado diz que a família pode tentar reclamar, inicialmente, no site consumidor.gov.br, caso a empresa tenha cadastro, ou direto no Procon. “Se não resolver, será necessário ajuizar uma ação no Juizado Especial para reaver os valores.”

Taxa surpresa

A advogada Fernanda Nicolotti perdeu a avó, Iraci. A morte foi ocasionada por hemorragia, decorrente de um câncer, possivelmente agravada pela Covid-19. A família tinha contratado o serviço da Luto Canaã

“Entramos em contato com a empresa, falamos com o João, ele cobrou o valor de R$ 775 para pagar as despesas do sepultamento, no cemitério Pedro Fuss [em São José dos Pinhais]. Além disso, como ela era Covid-19 positivo, não teve velório e não tiveram que gastar com ornamentos, coroas etc., que era coberto pelo plano”, relembra.

Sobre ornamentos, coroas e outros serviços não prestados, a empresa rebateu: “O valor pago é de responsabilidade da Luto Canaã. Da mesma forma que quando o valor é alto, não cobramos a diferença da família, quando é menor não fazemos o ressarcimento.”

A respeito da taxa mencionada pela cliente, a Luto Canaã alega que estava prevista em contrato. Na cláusula 11, o documento prevê: “A cada óbito que ocorrer o contratante ficará responsável pela taxa de sepultamento.”

O advogado Leonardo Paiva pontua que “a contratação, por si só, é eivada de vícios, pois decorrentes de uma atividade não regulamentada e que está impedida de ser exercida. A cláusula 11 é abusiva, pois não é clara quanto ao valor que deve ser pago além do previsto contratualmente.”

O profissional faz as mesmas recomendações: registrar a reclamação no consumidor.gov.br ou no Procon. Caso não seja possível resolver dessa forma, a solução é recorrer ao Juizado Especial. Por fim, cita três cláusulas do Código de Defesa do Consumidor aplicadas ao caso:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como, sobre os riscos que apresentem; 

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

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