Pais e professores temem que falta de testes e de dados oculte surtos de Covid

A flexibilização de medidas contra a Covid-19 e surtos que podem estar sendo acobertados colocaram pais e professores de escolas particulares de Curitiba em novo patamar de atenção. O reforço na cautela tem a ver com a nova e potencialmente […]

A flexibilização de medidas contra a Covid-19 e surtos que podem estar sendo acobertados colocaram pais e professores de escolas particulares de Curitiba em novo patamar de atenção. O reforço na cautela tem a ver com a nova e potencialmente maior onda de casos na cidade e com a relação da percepção em alta de mais resultados positivos dentro das instituições. Diferentes estudos destacados pela comunidade científica, apesar de concluírem que a educação presencial não está associada ao aumento da circulação do vírus de forma geral, reforçam a relação entre o risco de contaminação dentro das escolas com a taxa de contaminação entre a população local – a qual se mantém alta em Curitiba.

“Eu sou defensora das escolas abertas. Eu entendo, vejo vários estudos que criança realmente tem um poder de transmissibilidade menor. É menor, mas tem. Se eles [colégios] não cuidarem como tem que ser, não se comunicarem de forma aberta com as famílias, praticarem a quarenta quando preciso, não vai adiantar de nada. É aquela história: eu quero defender, mas me ajude a defender”, pontua Juliana*, mãe de duas crianças matriculadas em uma importante rede privada da cidade. Para esta reportagem, todas as fontes foram ouvidas sob condição de anonimato, e, portanto, os nomes adotados são fictícios.

O desabafo da mãe tem origem no receio de que a instituição na qual seus filhos estudam não esteja adotando transparência em todos as decisões tomadas em relação à prevenção contra a Covid-19. O relato vai de encontro a vários outros ouvidos pelo Plural nos últimos dias, de familiares e professores de escolas diferentes de Curitiba. A capital está no nível máximo de restrição por causa da retomada dos indicadores da pandemia, mas aulas da rede privada não foram afetadas por educação ser considerada atividade essencial.

“Para mim, o que é mais errado é eles [direção da escola] não comunicarem às famílias quando algum profissional é afastado por Covid. Tem muito pai, sim, que manda o filho para o colégio porque não o quer em casa, a gente sabe que infelizmente tem esses casos. Mas também tem os pais que mandam os filhos para o colégio porque acreditam que lá eles estão seguros, e a verdade é que, talvez, eles não estejam”, conta Renata*, que trabalha em uma unidade de outra grande rede de escolas do município. “Eles não avisam nem aos profissionais da escola quando algum professor é afastado. A gente só fica sabendo em conversa”.

Trabalhadora do mesmo colégio, mas de outro setor, Soraia* também avalia se sentir prejudicada pela falta de comunicação. Segundo ela, a falta de uma política de comunicação eficiente tem feito com que os trabalhadores vivam em receio contínuo.

“Não temos segurança de nada. Como eles não falam e nem testam, a gente não sabe se teve contato ou não teve com alguém que pode estar positivo. É risco constante. A gente tem medo de tudo e fica parece que neurótica pensando que alguém pode estar com Covid”, conta.

Para as entrevistadas, a falta de transparência acoberta situações preocupantes. Nas últimas semanas, a quantidade de casos positivos nos colégios particulares de Curitiba teria começado a aumentar, o que levou uma importante escola particular da cidade a manter os alunos em casa, com aulas 100% on-line ao longo desta semana. “Estamos monitorando os casos contactantes, suspeitos e confirmados na escola, e notamos um aumento de alunos e trabalhadores que estão em isolamento por terem contato com casos confirmados. Não temos ainda relatos de contaminação interna – contágio dentro da escola – mas notamos o aumento dos casos em toda a comunidade escolar”, diz trecho do comunicado encaminhado aos país explicando a adoção do período de aulas exclusivamente remotas.

O termômetro usado pela comunidade tem sido relatos, uma vez que não existem estatísticas oficiais sobre contaminação nas escolas da cidade. Nem o governo do Paraná nem a administração municipal de Curitiba disponibilizam base de dados para consulta pública com indicadores sobre a transmissão do Sars-Cov-2 nas escolas locais, o que dificulta o acompanhamento em tempo real da situação. Em abril, o Ministério da Saúde (MS) implantou um painel de acompanhamento de casos de Covid-19 nos estabelecimentos de educação básica, mas o processo de consulta é limitado, não sendo possível investigações por cidade ou unidade, por exemplo.

De acordo com informações apuradas em cinco grandes colégios da cidade, a maioria destas instituições não têm sido ágil nem abrangente nos comunicados sobre confirmações de Covid-19 entre professores e alunos. Exemplo foi na unidade em que estudam os filhos de Juliana, onde a confirmação de um caso veio antes em um grupo do aplicativo Whatsapp. O silêncio da escola mobilizou mães e pais a cobrarem o posicionamento oficial do colégio, e, cinco dias depois, a instituição já tinha dois outros testes positivos: da professora e de outro aluno da mesma turma, alocado em sala separada.  

“Só mandaram o comunicado quarenta e oito horas depois, isso porque os pais cobraram. Eles isolaram as turmas, mas, até então, só haviam afastado o que positivou e estavam monitorando os demais”, conta a mãe. “O que a escola alegou [para negar um surto] foi que não teve esse contato entre os que positivaram, porque cada um estava em salas diferente”.

A observação de Juliana tem a ver com questionamentos sobre a configuração de possíveis surtos nas unidades que podem estar sendo desconsiderados.

Definição dos surtos de Covid

Norma da prefeitura de Curitiba determina que um mínimo três confirmações em um período de 14 dias já desenha uma situação de surto, com a premissa de que os casos estejam correlacionados, ou seja, o estabelecimento só entra em quarentena completa se for comprovado que as pessoas tenham se contaminado uma a partir das outras.

A definição segue os critérios epidemiológicos definidos pelo Ministério da Saúde para casos de Síndrome Gripal – doenças infecciosas que afetam o sistema respiratório –, embora o manual não tenha sido atualizado considerando características exclusivas da Covid-19. O Centro de Vigilância Epidemiológica do Governo de São Paulo, por exemplo, orienta que dois casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 já são suficientes para investigar um possível surto na instituição escolar.

Independentemente das definições, a comunidade alerta que o que chama a atenção é a falta clareza nos critérios adotados pelas escolas para descartarem episódios de surtos.  

“A gente está bem preocupada porque três casos na escola na mesma semana, para mim, é surto”, analisa Juliana. “Como eles me garantem que não têm correlação se estão fazendo rodízio de professora dia sim, dia não entre turmas?”, diz a mãe sobre situação específica do colégio onde os filhos estudam.

Em outra rede de grande porte, a quantidade de infectados também chama a atenção dos docentes. “Se três casos é surto, estamos em pandemia [na escola]”, diz uma professora de uma das unidades. Em meados de maio, três turmas de uma única série da escola chegaram a ser afastadas, mas, segundo o colégio, por duas contaminações confirmadas, apenas.

A docente, contudo, afirmou que os afastamentos são constantes e que o registro de alunos e professores acometidos por Covid-19 só vem aumentando, mas, mesmo assim, não há compartilhamento de informações reais sobre a situação da escola. “Nós trabalhamos todos os dias pensando ‘quando eu pegar’, pois será inevitável”.

Protocolo à risca

Importante medida para reforçar a segurança de professores e demais trabalhadores das escolas públicas e privadas, a vacinação avança em ritmo lento no país. No Paraná, trabalhadores de educação começaram a receber a primeira dose há menos de um mês, o que significa que a maior parte da categoria ainda não está imunizada – cenário diferente de países onde a campanha avança em passos largos.

No Chile, país latino-americano com a maior cobertura vacinal proporcional até o momento, 9 entre 10 professores já estavam inoculados no início de maio. No Uruguai, onde a taxa de vacinados é a sexta maior do mundo, os docentes entraram no topo da lista dos prioritários.

Elaboradas pela agência federal de saúde local (CDC, sigla para Centers for Desease Control and Prevention), as orientações de referência para a retomada de aulas nos centros de ensino dos Estados Unidos destacam a vacinação como uma das mais eficazes ferramentas de saúde pública para garantir a segurança nas escolas, ao lado de uma campanha de testagem eficiente para identificar indivíduos infectados e limitar a transmissão e possíveis surtos. De acordo com o documento, a prática estrita de protocolos essenciais, como o cumprimento à risca de normas de etiqueta respiratória, distanciamento e higiene, já é capaz de garantir escolas abertas em condições de taxa de transmissão controlada.

O posicionamento científico é central para os movimentos que defendem a retoma presencial das aulas, considerando que o impacto pandemia na educação é muito mais que sanitário.

No início do ano, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou nota alertando sobre corrosão nos indicadores de aprendizagem e sobre aumento nas taxas de evasão escolar e de violência infantil.  

A discussão sobre o retorno às aulas movimentou casas legislativas de vários estados do país. No Paraná, a proposta que estabeleceu educação como atividade essencial foi aprovada em fevereiro – embora, desde então, a medida tenha beneficiado em maior proporção instituições privadas. Isso porque, segundo a própria SBP, “a maioria das escolas, principalmente das redes públicas, não esteja estruturada adequadamente para garantir segurança básica no retorno dos alunos às aulas presenciais”.

Mas, na rede privada de Curitiba, professores também contestam falta de cuidado por parte das escolas – um receio que ganha mais força com a chegada de novas variantes capazes de desorganizar medidas pré-estabelecidas.

No fim de maio, a Organização das Nações Unidas informou em seu boletim epidemiológico semanal que a variante indiana – B.1.617.2, com seu primeiro caso confirmado no Paraná nesta semana – pode ser potencialmente mais contagiosa. Embora ainda não exista relação entre a circulação da nova cepa com casos mais graves em crianças, a mutação já deixou em alerta escolas da Europa.

No Reino Unido, segundo a rede BBC, 75% das infecções já são da nova variante, que, por ser considerada mais contagiosa, ameaça a região com uma terceira onda. Diante de um novo aumento, o número de escolas fechadas por causa de surto de coronavírus dobrou entre os países da nação nas primeiras semanas de maio, de acordo uma plataforma local especializada em educação. Singapura, na Ásia, foi outro país que já anunciou o fechamento de escolas em consequência do avanço da variante indiana.

“Para os professores, faltam protocolos. No colégio onde eu trabalho, o protocolo é que se um aluno deu positivo, afasta a turma inteira; mas se o professor testar positivo, afasta só o professor e o substituiu. Sem contar que eles não fazem teste em mim ninguém. Se professora deu positivo, tem a estagiária que está perto, eles não fazem teste nela e nem em outros profissionais e, com isso, a gente já teve vários surtos seguidos”, conta Renata.

Risco aos professores

Além das medidas de segurança mínimas, pesquisas também vêm alertando que o nível de transmissão do coronavírus na comunidade não pode ser ignorado em decisões sobre a abertura ou o fechamento das escolas. Segundo o CDC, por exemplo, se a taxa de contaminação está alta, os estudantes são mais propícios a chegarem contaminados em sala de aula. A preocupação, neste caso, tem mais a ver com os trabalhadores.

Apesar de crianças também serem suscetíveis à contaminação pelo Sars-Cov-2, o trabalho da comunidade científica até agora indica ser muito pequena a possibilidade de elas desenvolverem a forma grave da doença. Em março, mapeamento da Sociedade Brasileira de Pediatria mostrou uma queda na taxa de letalidade entre pacientes de 0 a 19 anos contaminados pelo coronavírus. O índice, que foi de 8,2% em 2020 (1.203 mortes por 14.638 casos) caiu para 5,8% no primeiro trimestre deste ano (121 mortes para 2.057 casos).

“Com base no maior risco de doença grave e morte entre adultos com Covid-19, preocupações importantes têm sido levantadas sobre o risco de infecção por SARS-CoV-2 em professores e funcionários da escola”, alerta a agência dos EUA.   

Em Curitiba, o índice Rt, que mede o potencial de transmissibilidade da Covid-19, está acima de 1 desde o dia 27 de abril, conforme levantamento do Laboratório de Estatística e GeoInformação da Universidade Federal do Paraná (LEG/UFPR). As métricas desta quinta-feira (3) apontavam 100 infectados transmitindo para outros 105, confirmando que a pandemia ainda se mantém em ritmo crescimento na cidade.

“Eu não quero que feche o colégio, que achem que eu não quero trabalhar. Eu não gosto de trabalhar a distância, prefiro mil vezes estar lá com as crianças fazendo atividade no presencial. Só que a situação que a gente está vivendo no dia a dia é muito estressante. Eu deixo de fazer as minhas coisas da minha vida particular por causa do medo de acabar infectando alguém que eu amo caso eu seja contagiada no colégio. É como se os professores da rede particular fossem imunes ao vírus, mas eles não são”, desabafa uma das docentes.

No Paraná, as escolas estaduais só tiveram autorização para voltar às aulas há um mês, e a rede municipal de Curitiba ainda mantém as atividades exclusivamente a distância.

A reportagem perguntou à Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba quais são os critérios da pasta para monitorar e cobrar informações sobre possíveis surtos nas escolas da rede particular, mas não teve retorno.

O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Paraná (Sinepe) também não se manifestou.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima