Paciente morre após 5 dias em UPA esperando vaga em hospital

Vítima de infecção e da superlotação dos hospitais, homem de 67 anos faleceu na UPA Fazendinha

“Meu medo sempre foi que o pai ficasse mal durante um pico da Covid. E foi exatamente o que aconteceu”, diz R, professor universitário. No momento em que fala com o Plural, passaram-se apenas cinco dias da perda do pai, e ele está tentando retomar a vida normal – se é que isso é possível. “Eu sento ali para trabalhar, mas só consigo pensar nisso.”

É compreensível. Seu pai (os nomes não são citados a pedido da família) já tinha passado por poucas e boas e sempre tinha escapado, mesmo quando parecia improvável. Dessa vez, porém, nem teve chance. Levado no sábado (21) às pressas para uma UPA, ficou cinco dias à espera de uma vaga no hospital. Em qualquer hospital. A vaga nunca veio – e ele morreu.

Impossível saber se ele teria sobrevivido. Os médicos acham que não: na verdade, o estado de fragilidade do paciente parece ter sido decisivo para que o escolhessem como um daqueles que não tinha prioridade. Na ausência de leitos causada pela alta da Covid, leitos se tornaram preciosidades, e tudo indica que ele, por ter baixa chance de recuperação, foi excluído da oportunidade de disputar uma vaga.

Ao longo dos anos, o pai de R acumulou problemas de saúde. Primeiro, uma diabetes. Depois, um problema renal, que só não o matou porque a esposa, compatível, decidiu lhe doar um rim. Transplantado, passou a ter problemas de imunidade, e com isso era frequentemente alvo de infecções, algumas delas graves.

Foi uma dessas infecções que o acometeu no dia 21. O sábado começou normal, mas com o passar do dia, a saúde de J pareceu deteriorar rapidamente. A família percebeu que era preciso fazer algo rápido, e para evitar hospitais chamou uma ambulância para atender o paciente em casa. A remoção, no entanto, acabou acontecendo em seguida.

Sem conseguir achar leitos, o médico e o enfermeiro que foram atender o paciente, de 67 anos, decidiram levá-lo para um lugar onde ele poderia pelo menos ser estabilizado, uma UPA. Por definição, UPAs não são hospitais, nem deveriam ter gente internada. São locais de pronto-atendimento, de onde os pacientes, caso necessário, são encaminhados para hospitais.

No caso de J, a vaga surgiu na UPA do Tatuquara. Ele morava no Capão da Imbuia, do outro lado da cidade, mas foi o que se conseguiu. A família ficou chocada com o estado do que viu por lá. “A precariedade era evidente”, diz o filho, que passou a cruzar a cidade, assim como a mãe e as irmãs, pare ver o pai adoentado.

Um outro problema: como a infecção havia afetado o pulmão, J tossia. A médica decidiu que, enquanto não tivesse exame negativo, precisaria encaminhá-lo para a ala de pacientes com Covid. “Eu argumentei que se ele não tivesse Covid, debilitado daquele jeito, ia acabar pegando o vírus. Mas não teve jeito”, ele diz. Só quando o teste para Covid deu negativo o pai saiu da ala de coronavírus.

Passaram-se o sábado, o domingo, a segunda, a terça e a quarta. A família esperava a vaga – acreditava que o poriam na UTI, uma vez que o estado era visivelmente grave. O Plural apurou, porém, que ele jamais esteve na fila da UTI. Na lista de espera da Central de Leitos, seu nome estava na espera de um leito clínico. Ou seja: já se esperava que os cuidados fossem apenas paliativos.

Mesmo o leito clínico, mais simples do que a UTI, e supostamente mais fácil de encontrar, não veio. “Nós começamos a ligar para os hospitais pessoalmente, para tentar encontrar um lugar para ele. Liguei na ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde, tudo”, diz R. O resultado foi sempre o mesmo: nada.

Só na quarta-feira (26) surgiu uma vaga… em outra UPA. A unidade de pronto-atendimento da Fazendinha havia sido transformada improvisadamente em hospital de retaguarda. Quando fizeram a remoção, porém, a família recebeu a notícia do médico: ele dava quatro horas de vida para o paciente. Na madrugada, J morreu.

“Você não tem ideia da agonia de ficar esse tempo todo na espera de uma vaga, tentando, mantendo a esperança. É triste demais”, diz R. Agora, ele e a família tentam retomar a vida sem um dos seus. Alguém que a Covid não levou, mas que sofreu em seus últimos dias pela superlotação que a doença causou nos hospitais da cidade.

Nota oficial

A prefeitura de Curitiba respondeu à reportagem com uma nota. Leia a seguir:

“A Secretaria Municipal da Saúde contesta a informação de que a vaga esperada pelo paciente “nunca veio”. O próprio texto do Plural diz que “só na quarta-feira (26) surgiu uma vaga”.

O paciente foi internado na unidade que desde o dia 20/11 passou a ser retaguarda de leitos clínicos para o Hospital Municipal do Idoso, dentro do prédio da UPA Fazendinha.

Portanto, a afirmação de que “a unidade de pronto-atendimento da Fazendinha havia sido transformada improvisadamente em hospital de retaguarda” não procede.

A ação faz parte da ampliação da assistência hospitalar para o enfrentamento da pandemia e foi tomada cumprindo-se todos os critérios exigidos para que o paciente tenha no local o mesmo atendimento oferecido em leitos clínicos de qualquer hospital da cidade.

Como informado anteriormente, em nota, o paciente chegou na UPA Tatuquara no dia 21/11, com múltiplas doenças em estágio avançado, acamado. Recebeu todos os cuidados na unidade, foi inserido na Central de Leitos no dia 22/11, para busca de leito clínico. Tratava-se, infelizmente, de um paciente em situação das mais delicadas, já com indicação de cuidados paliativos e para o qual foi prestado todo o atendimento de saúde necessário.”

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1 comentário em “Paciente morre após 5 dias em UPA esperando vaga em hospital”

  1. Os desgovernos, federal, estadual e municipal são casos de polícia. E agora vão abrir mais leitos de UTI, mas só estarão disponíveis daqui a três semanas. Total descaso com a população.

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