Os impactos da pandemia no desenvolvimento infantil

Estudo aponta desatenção e problemas de sono, excesso de dependência dos pais e preocupação com a nova realidade

Os reflexos da mudança de hábitos repentina, do isolamento e da incerteza frente à contaminação pelo coronavírus são perceptíveis não somente na população adulta, mas também nas crianças. Os impactos da pandemia foram avaliados por cientistas brasileiros e americanos. O resultado foi apresentado pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) e aponta, em especial, a dependência excessiva dos pais, a desatenção e a preocupação com a nova realidade.

Outros comportamentos levantados pelo estudo mostram problemas de sono, falta de apetite, pesadelos, desconforto e agitação. “Além da natural angústia provocada por uma doença misteriosa e avassaladora, as medidas de distanciamento social adotadas para diminuir o número de mortes trazem uma série de desafios para a primeira infância”, esclarece o comitê científico.

As causas desses efeitos no desenvolvimento infantil são diversas. O distanciamento escolar e a consequente ausência de estímulo aparecem como obstáculo para a adaptação das crianças à nova rotina. Isso se explica porque “a criança é um ser que filtra as informações de seu contexto, construindo sua trajetória psicológica na interação com ambientes físicos e sociais. Assim, em um meio de tensão, é esperado que a criança esteja sensível, com comportamentos diferentes dos habituais”.

Além das problemáticas do isolamento social, existem casos mais complicados de estrutura familiar e econômica, em que a criança sofre o estresse tóxico de outros fenômenos gerados pela pandemia. A projeção do Fundo de População das Nações Unidas estima que para cada três meses de quarentena, pode-se esperar o acréscimo de 15 milhões de casos de violência doméstica contra as mulheres.

Nesses casos, além do desgaste psicológico da mãe, há o envolvimento emocional e particular da criança com a situação, gerando aflição e sofrimento. “Os efeitos negativos da violência no desenvolvimento infantil são múltiplos. Nos domicílios em que a mulher está grávida e sofre violência, o feto fica sujeito a ter seu desenvolvimento comprometido. Presenciar ou vivenciar atos violentos são fontes de estresse tóxico para a criança.”

Outro exemplo estrutural notável que abala a saúde psicológica infantil são os impactos econômicos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de empregabilidade informal é de 41%, equivalente a 38,4 milhões de pessoas em serviços sem proteção trabalhista. Durante a pandemia, a renda desses trabalhadores informais é afetada, aumentando ainda mais a porcentagem de crianças em situação de pobreza e carência.

EAD não é recomendado

Os efeitos na educação também são relevantes. De acordo com o NCPI, 34% da população de 0 a 3 anos frequenta a creche, enquanto 93% da população de 4 e 5 anos frequenta a pré-escola. Com o fechamento temporário dessas instituições, a merenda, que era a principal refeição do dia para muitas crianças, faz falta para os filhos de famílias mais vulneráveis.

Além disso, o Ensino à Distância (EAD) é um recurso não recomendado para crianças pequenas, tanto por questões de saúde, quanto por questões pedagógicas. Nos primeiros anos de vida, o aprendizado deve ser presencial, concreto e lúdico; conceitos que são geralmente ausentes no cotidiano dos pequenos durante o isolamento.

Atenção à rotina e ao ambiente

Para ajudar a criança a atravessar esse contexto da melhor forma possível, os pais devem ficar atentos, ser presentes e procurar estimular a criança a realizar atividades culturais e educacionais em família. “A resposta da criança a um estímulo do ambiente depende, em alto grau, de sua condição cognitiva e emocional; e esta condição tem a ver com os adultos que a cercam”, enfatiza o estudo.

Cabe aos adultos administrarem questões como: respeitar rotinas, estabelecer e manter horários, limitar o uso de dispositivos eletrônicos e organizar os espaços da casa. A pesquisa esclarece que a comunicação com a criança também é muito importante. Com relação a isso, sugere que se evite falar excessivamente sobre os acontecimentos trágicos ou fazer comentários negativos relacionados à pandemia. Ademais, é necessário compreender as dificuldades e reações das crianças a esse momento, buscando sempre a tolerância e o cuidado.

Na prática do dia a dia, o Núcleo explica que “estabelecer horários e manter rotinas no ambiente doméstico dão segurança à criança”. As sugestões são atividades como contação de histórias, leitura, quebra-cabeças e outros jogos, além de ajudar nas tarefas domésticas, realizadas sempre em horários específicos. O intuito é criar uma programação diária. Tais hábitos estimulam a criatividade e a cognição.

Políticas Públicas de apoio

A análise científica também coloca como imprescindível que a estrutura de proteção social e de saúde brasileiras unam forças para solidificar um sistema útil de apoio aos mais vulneráveis. Quanto às secretarias de educação, elas “podem e devem se comunicar com as famílias, tanto para ajudá-las a estruturar rotinas práticas quanto para apoiá-las em questões de comportamento da criança ou mesmo de adultos que necessitam de cuidado, indicando onde conseguir ajuda”.

O Núcleo Ciência pela Infância

Composto por organizações da Universidade de Harvard, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Insper e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o Núcleo Ciência pela Infância (NCPI) apresenta conhecimento científico sobre o desenvolvimento na primeira infância, com o intuito de fortalecer e qualificar programas e políticas públicas para crianças em situação de vulnerabilidade social.

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