Oito anos depois, jovens presos nas jornadas de junho são absolvidos pela justiça

Sentença da juíza Sayonara Sedano aponta insuficiência de provas

O dia 20 ficou marcado na história do Brasil por concentrar a maior manifestação das jornadas de junho de 2013. Em todo o país, 1,5 milhões de pessoas foram às ruas reivindicar o passe livre no transporte público. Em Curitiba, sob fortes chuvas, 3,5 mil manifestantes participaram da passeata que começou na Boca Maldita e terminou no Palácio do Iguaçu. 

Na ocasião, os maiores veículos de imprensa da região registraram a prisão de sete jovens após atos de vandalismo no Centro Cívico. Nos autos do processo que se seguiu depois que o Ministério Público ofereceu denúncia contra os rapazes, eles foram acusados de depredar a estrutura de um ponto de ônibus do bairro e destruir vidros do prédio da Prefeitura de Curitiba. 

Todos os sete foram detidos em flagrante por policiais à paisana. Apenas um deles foi identificado por imagens que circularam na imprensa, mas já faleceu. “Em suma, todos foram presos ‘por amostragem’. Digo, não houve vinculação direta com nenhum crime específico”, explica André Feiges, advogado de defesa de um dos acusados. Seu cliente, um jovem negro que estudava no Instituto Federal do Paraná (IFPR), foi solto mediante pagamento de fiança.

Após ouvir sete testemunhas e interrogar os réus, a justiça terminou de absolver os jovens no último dia 15 de setembro. “Ante a ausência de elementos que comprovem que os acusados praticaram o crime de dano qualificado, não havendo provas judiciais nesse sentido, bem como a versão plenamente harmônica apresentada pelos acusados, a absolvição é medida em que se impõe”, registra a sentença. Todas as fianças tiveram de ser restituídas. 

Os policiais ouvidos em juízo se lembravam vagamente da ação e não foram capazes de identificar os réus. Quanto às provas, a juíza Sayonara Sedano concluiu que “foram produzidas em sede indiciária, sem a presença do contraditório da ampla defesa, inexistindo qualquer prova em desfavor dos réus produzida em Juízo”. 

“A minha vida foi muito difícil a partir daí”

Em 2013, Daniel Marques da Cruz tinha 21 anos e fazia o curso superior de Tecnologia em Agroecologia no IFPR. No dia 20 de junho, ele esteve na instituição apresentando um trabalho com os colegas e depois seguiu para a manifestação. Como estava atrasado, o jovem conta que desceu perto do Centro Cívico e se deparou com a confusão.

Foto: Bruna Teixeira

“Eu participei do protesto. Apesar de não quebrar nada, estava lá”, relembra. “Quando saí do meio da galera para me proteger da chuva e fumar um cigarro, vieram dois policiais pra cima de mim, usando máscara do V de Vingança. Eles me pegaram pelo braço e fecharam a minha boca pra eu não gritar. Eu cheguei a me jogar no chão, mas eles me levaram arrastado”.

Daniel diz que foi parar em uma base da polícia, perto do Museu Oscar Niemeyer. “Lá eu vi algumas pessoas ajoelhadas de costas, já algemadas. Os policiais faziam festa, riam, batiam… Foi uma sessão de espancamentos. Chegava um cara novo, batia em todo mundo e saía rindo. No fim, eles disseram: vamos amaciar vocês. Foi quando jogaram spray de pimenta e trancaram a gente na sala durante uns 20 minutos. Nossa, doeu muito”.

No fim da noite, ele fala que foi colocado num camburão e levado para a delegacia. “Só saímos depois que nos espancaram muito, pra mostrar que estávamos destruídos. Fomos parar no 1º Distrito, perto do Guadalupe. Ninguém ali se conhecia, sabe? E daí começou outra pressão psicológica. Eles foram dizendo quem teria e quem não teria fiança”.

Segundo Daniel, os policiais alegaram que ele era o dono de uma mochila com três quilos de pedra e que estava jogando pedras na polícia. Ele nega. “Eu fui pra aula sem mochila, só pra fazer uma apresentação em grupo. Aliás, só consegui pagar a fiança porque os meus amigos me ajudaram. Se dependesse de mim e da minha família, nunca mais ia sair. Eu nem pude ligar pra ninguém porque a polícia levou o meu celular”.

Depois de solto, no dia seguinte, ele afirma que foi proibido pela polícia de estar em novas manifestações. “Eles disseram que todas as viaturas teriam fotos minhas, então eu parei de ir ao Centro, com medo de ser perseguido. Sem contar que eu nem sabia que seria processado por conta disso, eu nem tinha dinheiro pra pagar advogado, e aí consegui ajuda pro bono. Agora estou aliviado, mas também desanimado. A minha vida foi muito difícil a partir daí”.

Foto: Bruna Teixeira

A Polícia Militar foi procurada, mas não se posicionou até o fechamento desta reportagem.

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