O Pico da Covid-19 no Brasil já passou?

Veja por que o pico da Covid-19 no Brasil ainda não passou e como ler dados sobre mortes

No dia 4 de junho de 2020 o Brasil registrou 1470 mortes por Covid-19, segundo o Ministério da Saúde. Durante quase 60 dias esse foi o recorde do país. Mas teria sido o pico da pandemia?

Não. A gente vai te mostrar como, escolhendo a dedo, essa informação pode até parecer fazer sentido, mas não é uma interpretação honesta da realidade.

Na pandemia da Covid-19 temos muitos números. Tem os dados do Ministério da Saúde, das Secretarias de Saúde dos estados e dos municípios.

Você já notou que eles não batem?

Veja só, no boletim do dia 3 de agosto de 2020 da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, a cidade de Curitiba tem: 18.764 casos confirmados e 613 óbitos.

O Boletim da Secretaria Municipal de Saúde do mesmo dia, veja só, diz outra coisa:

Em 3 de agosto Curitiba tem 20.950 confirmados e 598 óbitos.

E que tal os números do Registro Civil?

No dia 3 de agosto o Registro Civil apontava 712 óbitos na capital, cento e catorze a mais que no boletim da prefeitura.

O que será que está acontecendo aí? Alguém está escondendo mortos? Houve erro? O Registro Civil é mais eficiente que as Secretaria de Saúde?

Calma lá. Antes de recorrer a explicações complexas, vamos primeiro entender o que esses números querem dizer e QUEM é que está dizendo.

Como assim, quem? Sim, é importante saber quem é que está contando – e como está contando – para daí entender o que os números significam.

Mas afinal, quem é que conta os casos e óbitos da Covid-19?

O Sistema Único de Saúde. O SUS.

Mesmo os casos atendidos na rede privada? Sim.

Você pode pensar que o SUS é hospitais e postos de saúde. Mas ele também é uma imensa máquina que monitora dados e regulamenta o atendimento de saúde no país. Todo atendimento, mesmo que num hospital ou clínica privados.

O SUS é municipal, estadual e federal.

No caso de Curitiba, temos o boletim da cidade, que é feito com base nas notificações que o município recebeu dos postos de atendimento. Hospitais, postos de saúde, clínicas.

Esses dados são repassados para o governo do Estado, que acrescenta informações próprias, como as do Lacen, Laboratório Central de Estado, principal instituição que analisa exames para Covid-19 no Paraná.

Tudo isso segue um padrão definido pelo SUS em todo país. Desde que o Ministério da Saúde declarou emergência de saúde pública, a Covid-19 passou a ser uma doença de notificação compulsória, obrigando todas as instituições de saúde a informarem o SUS de casos atendidos com sintomas de Síndrome Gripal. Essas notificações são registradas como casos confirmados de Covid-19 sempre que há um exame laboratorial confirmando o diagnóstico. Só então o caso entra na contabilização feita pelas Secretarias de Saúde.

Mas e os dados do Registro Civil? São do SUS também?

Sim, os dados do Registro Civil têm origem num documento chamado Declaração de óbito, que obrigatoriamente tem que ser emitido sempre que alguém morre. A Declaração é preenchida por um médico, que, entre outras coisas, indica a causa da morte. Essa declaração não depende de exames, só do entendimento do profissional que está atestando o óbito.

Se não há resultado de exame, a morte dessa pessoa vai entrar nos óbitos por Covid-19 do Registro Civil, vai estar nas notificações por síndrome gripal, mas não nos boletins das secretarias de saúde de Covid-19.

Mesmo após o óbito, a notificação continua sendo atualizada. Mas a Declaração de Óbito, não. E é ela que a família vai usar para pedir a emissão da Certidão de Óbito.

Os dados do Registro Civil têm outra particularidade. A partir da morte da pessoa, a família tem até 24 horas para registrar o óbito em cartório e solicitar a emissão da Certidão. Já o cartório tem prazo de cinco dias úteis para emitir o documento e fazer o registro.

O próprio Registro Civil recomenda, em seu site especial com dados sobre a Covid-19, que se considere os dados dos últimos 15 dias disponíveis como instáveis, passíveis de alteração, uma vez que óbitos ocorridos nessas datas podem levar até 15 dias para serem incluídos.

Então vamos dar uma olhada nos dados do Registro Civil

Mortes registradas por dia segundo o Registro Civil.

Em azul temos as mortes registradas por dia. Em laranja, a média móvel de mortes.

Olhando assim, a impressão que temos é que, de fato, tivemos um recorde de mortes no dia 25 de maio, com 997 vítimas. E daí em diante a curva parece estar em declínio.

Mas lembra que há um prazo na emissão da certidão de óbito? E que é preciso considerar os dados dos últimos 15 dias com cuidado? E se a gente considerar os dados até 15 de julho, descartando os últimos 15 dias do banco de dados?

Mortes por dia, por Covid-19, segundo o Registro Civil

Veja, sem os dados que podem estar subdimensionados, a curva parece mais um platô, com um discreto crescimento no fim.

Vamos olhar ainda mais de perto:

Mortes por dia, por Covid-19, segundo o Registro Civil

Estamos vendo aqui só os quase dois meses entre 20 de maio e 15 de julho. Nesse contexto, o pico parece mais parte de uma planície. Uma planície de cerca de 800 mortes por dia.

Mas 800 ainda é menor que mil, não é?

Sim, mas lembra que estamos vendo os dados dos atestados na ocasião da morte como Covid-19? Sem resultado de exame? Sem atualização?

Agora vamos dar uma olhada nos óbitos segundo o Ministério da Saúde. Aqueles dados que vêm lá dos municípios, dos estados com base nos resultados de exames para Covid-19.

Óbitos por Covid-19, por dia, segundo o Ministério da Saúde.

Lá está o pico de óbitos no dia 4 de junho. A curva aqui tem uma queda um pouco mais sutil, mas ainda parece estar indicando queda.

Vamos dar uma olhada mais de perto. Há diferenças nas notificações diários, com números menores aos domingos. Mas a média móvel continua em torno de mil mortes.

É como se o país tivesse chegado a um platô, uma estabilização. Mas essa não é a história inteira.

Vamos dar uma olhada ainda mais de perto, nos estados.

Óbitos por dia, por Covid-19, no Amazonas, segundo o Ministério da Saúde

Esta é a curva no Amazonas. Lá o sistema de saúde entrou em colapso, as imagens de covas abertas esperando os corpos circularam pelo mundo.

Lá o gráfico indica um pico em maio com uma curva descendente desde então.

Daí temos São Paulo, o maior estado do país e que foi um dos primeiros a entrar em crise.

Óbitos por dia, por Covid-19, no São Paulo, segundo o Ministério da Saúde

Em SP a situação parece ter estabilizado.

Por fim, vamos olhar o Paraná

Óbitos por dia, por Covid-19, no Paraná, segundo o Ministério da Saúde

Aqui no Paraná nós estamos claramente numa ascendente. Ou seja, o número de óbitos de Covid-19 está crescendo, sem sinal de estabilização.

Olhando a situação dos estados, o gráfico das mortes em todo o Brasil pode ser lido de forma diferente. Parece que estamos num platô, mas estamos, na realidade, só mudando os focos da pandemia. Ela está se deslocando de locais como o Amazonas para o sul.

E preste atenção aqui no Paraná: em maio tínhamos menos de 10 mortes por dia. No fim de junho estávamos já em quase 30 mortes diárias e terminamos julho com perto de 60.

Ou seja, a situação muda muito rapidamente. E vai continuar a mudar enquanto não tivemos controle sobre ela. Ou seja, uma vacina.

Mas e as mortes por outras causas? Há menos gente morrendo?

Para responder a isso vamos olhar os dados do Sistema de Informações de Mortalidade, do SUS, que são gerados a partir da declaração de óbito, de Curitiba.

Esses são os dados de 2019

Mortes por causa, em Curitiba, em 2019, segundo o Sistema de Informações de Mortalidade, do SUS

E esses de 2020

Mortes por causa, em Curitiba, em 2020, segundo o Sistema de Informações de Mortalidade, do SUS

O ideal aqui é comparar a série histórica – os dados de cinco, dez anos anteriores – com os dados atuais. Nós fizemos isso. Vou deixar na descrição o link para o texto. Mas por enquanto veja que a proporção entre as causas é a mesma.

Há uma discreta queda nas mortes por causas externas, um nome técnico para mortes violentas.

Saiba que os dados de 2019 e 2020 são considerados preliminares pelo SUS, porque podem ainda sofrer alterações. E só temos informações até metade de maio de 2020. Quanto mais tempo passa, mais dados se tornam disponíveis e vamos poder fazer novas leituras.

Até lá, lembre que na hora de ler um número é preciso se perguntar: estou lendo o que eu quero ler ou o que o dado REALMENTE diz?

Até a próxima. Fiquem em casa. Fique bem.

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