O Expresso, uma newsletter para conhecer Curitiba

Boletim enviado via e-mail se tornou referência de jornalismo local

O Expresso é um dos veículos mais bacanas de jornalismo local surgidos em Curitiba. Se você ainda não conhece, aí vai um resumo: trata-se de uma newsletter, assinada por um casal de jornalistas locais que só fala de Curitiba e região.

Os autores são Estelita Hass Carazzai e Gustavo Panacioni, casados e pais de uma menina. Os dois seguem com outros empregos, porque O Expresso ainda não tem como pagar as contas do casal. Mas tem tudo para chegar lá. Com mais de mil assinantes, a newsletter é distribuída de graça, mas tem planos de assinatura agora.

Além de notícias da semana e de links para reportagens de outros veículos, O Expresso também tem uma seção de história incrível, assinada por Diego Antonelli. Quem quiser se cadastrar para receber pode fazer isso aqui. Leia a seguir a entrevista com Estelita e Gustavo.

De onde surgiu a ideia do Expresso?

Estelita: O Expresso começou a partir de uma dor que nós próprios sentíamos: a falta de notícias locais de qualidade, criticas e (por que não?) com bom-humor sobre a vida na nossa cidade. Conforme os jornais e o noticiário local iam encolhendo, essa carência ia aumentando. É aquela vontade de saber mais sobre as transformações da cidade, o café que inaugurou ali na esquina, a exposição sobre a indústria da erva-mate que pode ser visitada de graça, as intervenções urbanas e os coletivos que se organizam pela cidade, o status da mobilidade urbana e do planejamento em Curitiba (temas tão caros aos curitibanos).

A ausência foi ainda mais sentida quando fomos morar fora do país por uma temporada de dez meses: era difícil se atualizar sobre o que estava acontecendo em nossa cidade natal — para onde, afinal, voltaríamos em breve, e com a qual gostaríamos de permanecer conectados. Essa carência, misturada ao que vimos em algumas iniciativas de jornalismo local nos EUA, nos inspiraram a iniciar um piloto d’O Expresso ainda por lá.

Nossa ideia era: 1) promover o jornalismo 100% local, que congrega comunidades e produz conteúdo que promove a conexão com a cidade; 2) entregar este conteúdo de uma forma diferente, desenvolvendo um relacionamento com o leitor. Foi assim que O Expresso surgiu, como piloto, em meados de 2018.

Vocês estão apostando em jornalismo local. Por quê?

Estelita: Nos últimos anos, por todas as transformações que o jornalismo e seu modelo de negócios têm vivenciado, vimos a cobertura local perder prioridade em relação a outros temas — especialmente em Curitiba.

Primeiro, a busca por uma audiência nacional e escalável se tornou fundamental para a sobrevivência de muitos veículos jornalísticos. Simultaneamente, em tempos de Lava Jato e, principalmente, “Lava Jato em Curitiba”, nossa cidade ganhou outra rotina de cobertura. Polícia Federal, Sergio Moro, manifestações… Todos os esforços de cobertura dos veículos locais foram direcionados para esses temas, que repercutiam em todo o país. Foi uma decisão quase obrigatória naquele momento, é claro, diante da intensidade desse noticiário e da reduzida equipe de jornalismo na maior parte das redações de Curitiba, mas que teve consequências muito danosas para a cobertura dos fatos da cidade.

Tem um estudo muito legal, realizado anualmente, que mostra os “desertos de notícias” brasileiros. São regiões do país que não têm presença de veículos de notícias locais. O último Atlas da Notícia mostra que mais de 62% dos municípios brasileiros não têm um veículo jornalístico local. Sem uma cobertura local, pouco se fiscaliza o que fazem as autoridades locais, não há debate sobre as grandes transformações da cidade, nem o exercício do pensamento crítico sobre o local onde vivemos. E como falar em cidadania e consciência coletiva, se não a exercitarmos na própria cidade em que habitamos?

Curitiba talvez não seja classificada como um “deserto de notícias” pelo número de veículos locais existentes aqui. Mas ainda assim, pelo estilo de cobertura realizado por esses veículos, é possível identificar que sofremos de uma cobertura que olha pouco para a cidade e não tem tempo ou equipe para pensar criticamente o ambiente em que vivemos.

Vocês dão acesso gratuito à newsletter? Qual é a aposta?

Gustavo: Lá no início de 2018, quando estávamos colocando no papel o nosso planejamento, uma decisão importante para nós foi “começar do zero e organicamente”. Antes de pensar financeiramente, tomamos a decisão de validar o produto e construir uma comunidade sólida e engajada. E esta proposta de criação de comunidade, nos nossos planos, pode levar de dois a três anos. O produto em si acreditamos já estar validado há um bom tempo – de acordo com todos os números e feedbacks que recebemos dos nossos leitores e leitoras.

Nossa lista de assinantes começou com 10 pessoas, que selecionamos a dedo para receber as primeiras edições e comentar possíveis sugestões. Depois disso deixamos livre para esses assinantes divulgarem e recomendarem o nosso trabalho, e nossa participação neste processo foi praticamente nula. Propositalmente, não gostamos de divulgar muito O Expresso em nossas redes pessoais, e apostamos bastante na indicação própria dos nossos assinantes (construímos até um sistema que ajuda a contabilizar qual assinante mais indica novos leitores para a comunidade). Graças a tudo isso, hoje temos uma comunidade que lê O Expresso religiosamente. Nossas taxas de interação com o conteúdo que entregamos são muito satisfatórias e, toda vez que enviamos uma edição, ficamos felizes em saber como nossos assinantes gostam do produto que entregamos.

Tanto eu como Estelita temos nossos trabalhos “oficiais” (se é que é possível defini-los assim), que pagam nossas contas, o que nos ajuda muito a continuar investindo tempo no projeto. E geralmente esse tempo envolve algumas boas horas ao O Expresso nos finais de semana, noites de segunda e madrugadas de terça.

Mas respondendo à pergunta, em junho, lançamos um programa de apoiadores, que contribuem com um valor mensal para a newsletter. Também recebemos contribuições avulsas via PicPay. Estamos bem felizes com o retorno que estamos recebendo, e acreditamos que isso é mais uma mostra de que há espaço e demanda por jornalismo local de qualidade.

Também temos planos de gerar receita com anúncios. Apesar de todos os números que mostram o declínio da publicidade no jornalismo, ainda acredito que precisamos pensar também na criação de valor para anunciantes.

Aos poucos, vamos nos estruturando. Já passamos por algumas rodadas de mentoria em eventos do Facebook, por exemplo, e ganhamos alguns produtos de tecnologia do Google que nos ajudam a continuar os planos iniciais e ter ferramentas de trabalho para o nosso crescimento.

Quantos assinantes vocês já têm? Tem uma meta?

Gustavo: Hoje estamos com mais de 1.000 assinantes. Nós temos uma meta, sim. São 3 mil assinantes que, mais que simplesmente deixar o e-mail no nosso site, esperamos que também se conectem com nossos propósitos. Nós não olhamos nem almejamos uma audiência quantitativa. Buscamos o que entendo por audiência de qualidade – aquela que vai abrir, ler e clicar no nosso conteúdo e, principalmente, ajudar a pensar a cidade. É comum a gente fazer o que chamamos de “limpar a lista”: se alguém não abre nossas edições há um bom tempo, a gente para de lotar a caixa de entrada dessa pessoa com nossas mensagens. Isso garante uma comunidade muito engajada.

O mais legal do projeto, me parece, é o tom leve. Como cobrir coisas mais pesadas sem perder essa pegada?

Gustavo: Eu acho que mais que um tom leve, o que a gente se preocupa aqui é tentar deixar um tom pessoal. Ou seja: mostrar que deste lado aqui existem duas, três pessoas que estão escrevendo este conteúdo. Tanto que, no final de cada newsletter, nós colocamos nossas fotos por lá. É uma forma de personificar o conteúdo que oferecemos — e de deixar claro que cada um desses autores, que muitas vezes escrevem em primeira pessoa, tem suas idiossincrasias, sua forma de pensar, pode cometer erros e está longe de ser unânime.

Por muito tempo, o conteúdo jornalístico foi institucionalizado. Quem falava era a Gazeta do Povo, a Folha de S.Paulo ou o G1. Havia uma época (que ainda persiste) em que nem se assinavam reportagens nos jornais — era apenas “da redação”. Hoje, temos vários exemplos de jornalistas pessoalmente assumindo a frente da mensagem, mesmo dentro de veículos tradicionais. Em tempos de redes sociais, as mediações entre o público e o emissor da mensagem diminuíram ou sumiram, e os jornalistas tiveram que aprender a se colocar de outra forma diante deste público.

Outra característica que contribui para o tom leve, talvez, seja a nossa proposta de curadoria e de contexto. Nossa intenção, enquanto veículo independente, é acompanhar um tema e oferecer alternativas de aprofundamento sobre o conteúdo, para que o próprio leitor possa decidir para que direção quer ir. Trazemos links para veículos dos mais diversos tamanhos e propósitos, além de “outros lados”, com o propósito de consolidar, em poucas linhas, as diferentes perspectivas e opiniões sobre um determinado fato.

Sempre pensamos, antes de começar a escrever uma nota, quais são os diferentes lados e se podemos dar espaço para todos. E, no final, nosso espírito crítico de tentar pensar a cidade acaba sendo materializado com dados e opiniões que encontramos na voz de comunidades locais que precisam de espaço para falar. Estamos sempre buscando nos conectar com elas.

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