O dia à espera de um boletim médico

A difícil rotina dos familiares de pacientes internados por Covid

Você já imaginou passar o dia esperando um telefonema para ter notícias de um familiar hospitalizado? Pois esta tem sido a rotina de milhares de pessoas em Curitiba desde que a pandemia começou. Impossibilitados de um contato direto e de irem até o local da internação, familiares de pacientes em tratamento da Covid-19 têm vivido uma rotina de ansiedade à espera de um telefonema, que nem sempre vem.

“Extremamente angustiante, desgastante, um sofrimento imenso você passar o dia inteiro nessa espera de informação”, diz Carlos Alexandre Micaloski, que teve a noiva, Jaqueline de Bem Hirano, internada por oito dias no Hospital Santa Cruz, em Curitiba.

Ele lembra que quando a notícia não vem, a dor aumenta. “Teve uma vez que não recebi nenhum tipo de ligação. Então imagina você não poder ir visitar e depender de uma ligação do hospital”. No dia seguinte, Carlos foi até o hospital, mesmo sabendo que corria o risco de contrair o vírus. “Foi quando eu recebi a notícia por ela mesma, que ela já tinha se desintubado”.

A maneira como aconteceu foi inusitada. A noiva do Carlos, a Jaqueline, conta que foi ela quem fez o aviso, via Whatsapp, que trouxe calma aos familiares. “Pedi para o enfermeiro o meu celular de volta e meus familiares só ficaram sabendo que eu fui desintubada porque eu mandei mensagem pra eles por whats.” Jaqueline acredita que só conseguiu se comunicar porque estava num hospital particular.

“Muito, muito tenso”

Já na família da Helena Scorsin Prado, que mora com a avó, a Dona Neusa, a espera por ligações para se ter notícia do tio também eram sempre momentos de angústia. “A lógica que nós usamos para nos acalmar era que ‘notícia ruim chega rápido’. Então, quando demoravam a ligar, nós tentamos nos apegar a isso”, revela.

O tio da Helena, Vinícius Scorsin, que tem só 34 anos, passou 14 dias na UTI do Hospital Nossa Senhora das Graças e, além da Covid, teve pneumonia bacteriana. “O médico da UTI sempre ligava. Variavam os profissionais, acredito que pelas escalas deles”, avalia Helena. “Quando começava a chegar mais ou menos no horário da ligação, a gente já ficava muito ansioso! É muita agonia, medo de vir uma notícia ruim.”

Outro problema foi com Dona Neusa, que começou a ter perda de apetite devido ao nervosismo. “Eu moro com a minha avó, que é mãe desse meu tio. Ela ficava andando pela casa quando chegava mais próximo do horário da chamada e não conseguia mais se alimentar direito. Era sempre um momento muito, muito tenso”, completa a neta.

A psicóloga Caroline Rangel Rossetim, que trabalha há 10 anos na UTI do Hospital do Trabalhador (HT), explica que não é só o paciente que sofre. “Quando alguém é interno no hospital, é porque algo vai muito errado na sua parte de saúde e isso abala todo o sistema familiar”, percebe.

Caroline, que atualmente é a psicóloga responsável pela UTI Covid I do HT, atende e conversa com a família de 14 pacientes que também recebem ligações diárias dos médicos. Ainda assim, por ser a linguagem do hospital de difícil compreensão, a psicóloga conta que às vezes seu papel é o de explicar aos familiares a situação do paciente. “O médico fala do quadro clínico, mas nem sempre o que ele fala é absorvido pela família, principalmente hoje, que os médicos têm informado por um contato telefônico”, observa.

E quando não ligam?

Lucas Enes Santos teve momentos de ansiedade em busca de notícias do pai, que ficou cinco dias internado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Boa Vista, à espera de uma transferência para o hospital.

Segundo o filho, por não ter informações via telefone, foi preciso se arriscar indo à Unidade todos os dias para receber notícias. “Eles não nos ligavam e para acompanhar o boletim médico era preciso comparecer presencialmente para conversar com os responsáveis”, afirma.

Ele conta que, apesar do risco, ia atrás de informações pois sua mãe não pode sair de casa. “Minha mãe é do grupo de risco. Não poderia deixar ela se arriscar. Eu tenho 26 anos e, por mais que agora não tenha idade certa para ser fator de risco, preferia eu ir”.

Segundo Lucas, a falta de critérios e de organização na UPA Boa Vista deixava a situação ainda mais tensa. “Quando começava a chamada dos parentes, a agonia já vinha, porque não se sabia qual critério era utilizado para nos chamar, ficava a expectativa de qual notícia ia receber”, lembra. “Algumas vezes era preciso passar o nome do meu pai para as atendentes, porque o boletim dele não estava pronto e isso fazia demorar para se receber as notícias.”

Agora, o pai de Lucas está na UTI do Hospital de Clínicas (HC) e ele acredita que, em meio ao sufoco, ao menos lá ele recebe além das notícias diárias do pai via telefone, atendimento psicológico e de uma assistente social. “No HC o boletim é passado por telefone, onde eu ligo a partir das 16h para conversar com os médicos responsáveis. Além de ligar para receber os boletins, as psicólogas e assistente social do hospital ligam aqui em casa para conversar e ver como a família está se sentindo em relação ao quadro clínico.”

Para ele, a ajuda psicológica se faz fundamental. “Elas ajudam a amenizar essa ansiedade e são um suporte para lidar com essa situação difícil.”

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