O bem-estar de animais não humanos como valor humanitário

75% das doenças emergentes e reemergentes do último século são zoonoses - doenças infecciosas transmissíveis de animais para seres humanos

O bem-estar animal é uma questão central para o desenvolvimento sustentável e ético da humanidade e da vida no planeta. O mundo vive desafios complexos, como evidenciam as crises do planeta para as quais o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) definiu estratégias de médio prazo: perda da biodiversidade, mudanças climáticas, poluição e a emergência de pandemias provocadas por doenças zoonóticas. A exploração de animais para consumo em larga escala impacta, hoje, todas as quatro crises.

A exploração animal gera impacto significativo no aumento da poluição, pois, de acordo com estudos, inclusive do próprio programa de alimentação e agricultura da ONU (FAO), a pecuária e a pesca industriais prejudicam o solo, a água, o ar e o clima, em uma escala sem precedentes. Além disso, a exploração da vida selvagem está entre as principais causas da perda de biodiversidade, o que ameaça a manutenção dos sistemas que garantem a vida no planeta, para citar apenas algumas relações de causa e efeito.

O tamanho dessa complexidade exige abordagem integrada e diversificada. Foi considerando esta lógica que 27 organizações da sociedade civil, representando mais de 1 milhão de membros e apoiadores no Brasil, enviaram uma carta ao Ministério do Meio Ambiente, solicitando o apoio do país a uma resolução que introduz o bem-estar animal como preocupação política essencial, considerando o crescente consenso em torno de sua relação com a proteção do meio ambiente e a garantia do desenvolvimento sustentável.

Acreditamos que a aprovação da resolução, além de reforçar a relevância do tema a nível internacional, também pode influenciar no estabelecimento de políticas públicas no Brasil. Esse movimento tem potencial de impactar a sociedade brasileira, ao endereçar as principais crises globais citadas anteriormente.

Com a emergência da pandemia de covid-19, a relação entre bem-estar animal e saúde global se fez presente. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, 75% das doenças emergentes e reemergentes do último século são zoonoses – doenças infecciosas transmissíveis de animais para seres humanos. Com isso, fortaleceu-se o conceito de saúde única, que trata sobre a correlação entre a saúde animal e a saúde humana.

No campo das mudanças climáticas, foi comprovado que metade da capacidade de captura de carbono de florestas e do nosso oceano, que equivale a 60% das emissões antropogênicas globais, está diretamente ameaçada devido à exploração excessiva da vida selvagem terrestre e marinha e pelas limitações à sua livre circulação.

O envio da carta pela coalizão de organizações é mais do que simbólico: representa a participação ativa da sociedade civil em um pedido concreto e urgente pela formulação e implementação de políticas públicas que beneficiem seres humanos e animais. A busca pelo desenvolvimento sustentável e pela proteção do meio ambiente, essenciais para o enfrentamento de crises globais, não pode ocorrer se o bem-estar animal for deixado de lado.

Nos últimos 20 anos, vemos um crescimento notável no Brasil da discussão e produção de conhecimento em torno do bem-estar animal, dos direitos dos animais e da promoção de sistemas alimentares mais sustentáveis, saudáveis e compassivos. O mercado brasileiro também vem respondendo a esta demanda, com a gradual inclusão do tema nos índices de sustentabilidade. Entretanto, é necessário dar um passo adiante para que estes temas sejam incluídos como uma prioridade nas políticas públicas do país.

A melhoria do bem-estar animal está diretamente relacionada não apenas com a redução de sofrimento intenso a bilhões de animais – o que não podemos mais ignorar – como também com a prevenção de futuras pandemias, com a conservação e proteção do meio ambiente e com a preservação dos meios de subsistência, além de impactar na saúde e bem-estar das pessoas e na sustentabilidade dos sistemas socioeconômicos.

Sendo detentor da maior biodiversidade do planeta e dada a relevância do setor do agronegócio para o Brasil, emerge fundamental a participação brasileira na aprovação desta resolução e na promoção de melhores condições para os animais. Somente assim, com políticas públicas efetivas, conseguiremos solucionar as raízes das crises globais e, assim, tornar a sociedade mais sustentável, inclusiva e resiliente.

Por fim, o conceito da sustentabilidade está relacionado à garantia aos direitos e ao bem-estar humanos, sem exaurir ou diminuir a capacidade dos ecossistemas e sem ferir o bem-estar de todos os seres. Humanos, representamos insignificantes 0,01% do total de seres vivos do planeta e, no entanto, fomos capazes de destruir 83% dos mamíferos selvagens desde o início do processo civilizatório. É o que informa artigo científico publicado nos Anais da Academia Nacional de Ciências (PNAS) e reproduzido no The Guardian, cuja foto ilustrativa retrata não menos que uma fazenda em Mato Grosso.

A ordem de grandeza é desproporcional. O mundo não poderá mais viver na lógica do antropocentrismo, diante de outras formas de vida. Esta é a reflexão que nos levou a todos assinarmos a carta em favor do bem-estar animal. Esta é a nossa decisão de influenciar e, juntos, nos tornarmos capazes de agregar mais vozes e transformar este paradigma.

  • Cristina Diniz – coordenadora sênior da Open Wing Alliance na América Latina.
  • Cristina Mendonça – diretora executiva da Associação Mercy For Animals Brasil.
  • Eduarda S. Nedeff – diretora internacional de relações corporativas da Sinergia Animal.
  • Fernando Schell Pereira – diretor geral do Princípio Animal.
  • Helio Mattar – diretor presidente do Instituto Akatu.
  • Ilan Zugman – diretor da 350.org na América Latina.
  • João Cerqueira – coordenador de relações institucionais do Clima de Eleição.
  • João Vasconcellos de Almeida – diretor executivo interino da Proteção Animal Mundial Brasil (World Animal Protection).
  • Juliana Tângari – diretora do Instituto Comida do Amanhã.
  • Mariana Guimarães – diretora administrativa do Instituto Tucunduba (Ame o Tucunduba).
  • Nathalie Gil – diretora executiva da Sea Shepherd Brasil.
  • Patrycia Sato – presidente e diretora técnica da Alianima.
  • Rodrigo Perpétuo – secretário executivo do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade.
  • Solange Alfinito – coordenadora do Conscient – Laboratório de Estudos em Consumo Sustentável – e professora associada da Universidade de Brasília.
  • Taylison Santos – gerente executivo do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal.
  • Thaís Zschieschang – cofundadora do Delibera Brasil.

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