Novos leitos e intubação de pacientes em UPAs promovem falsa melhora da pandemia em Curitiba

Com pacientes intubados nas UPAs e doentes com Covid em leitos comuns, cidade tem falsa redução na fila por leitos

A prefeitura de Curitiba emplacou nesta sexta, 26 de março, matéria de mais de 2 minutos no Jornal Hoje sobre como a cidade está colhendo resultados da Bandeira Vermelha decretada em 12 de março. A reportagem afirma que houve redução na média móvel de novos casos e na fila de pacientes aguardando um leito. O problema, no entanto, é que isso não é inteiramente verdade.

Curitiba de fato registra queda de 31% no número de novos casos e de 24% na fila de pacientes aguardando leitos em hospitais da cidade. Este último indicador, no entanto, caiu porque a cidade abriu 376 leitos, a maior parte leitos clínicos, ou de enfermaria. Os leitos de UTI novos somaram 58.

Mesmo com os novos leitos, a redução no deficit de vagas em hospitais foi de menos de 6 pontos percentuais e ainda está em mais de 350 leitos.

Os dados da própria prefeitura mostram que 414 pacientes a mais precisaram de internação no SUS da capital entre 12 e 25 de março. Houve aumento também no número de pacientes Covid-19 que estão internados em leitos comuns. No dia 12 eram 19, hoje são 40.

Outra razão na redução da fila é que os leitos clínicos estão recebendo pacientes que deveriam estar em leitos de UTI. Segundo o SIVEP/DATASUS, de 1 a 22 de março pelo menos 52 pacientes ficaram internados e entubados em leitos de UPAs. Muito embora pacientes possam ser entubados em UPAs, o normal seria a transferência deles para um leito de UTI, que tem mais condições e recursos de monitorar quem está nesta situação.

Outro índice divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) que mostraria uma melhora na situação é o do R0, que está em 0,95, indicando uma redução na transmissão do vírus na cidade. A tendência de queda, no entanto, já existia antes de 12 de março, quando o R0 caiu para 1,03 depois de ter chegado a 1,37 em 19 de fevereiro.

Dados da Secretaria Municipal da Saúde sobre o Número de Reprodução do vírus em Curitiba.

De 19 de fevereiro a 12 de março o índice R0 caiu 0,34 pontos. Mas de 12 até 19 de março o indicador, na realidade, variou apenas 0,08. Há ainda uma ressalva importante no cálculo do R0: ele feito a partir dos exames de Covid-19 realizados na cidade. Porém, a cidade testa pouco e quase que só pessoas com sintomas, por isso o índice de positivos de 42%. Ou seja, a tendência é do R0 estar sempre subestimado.

Apesar da situação permanecer grave, a secretária municipal da Saúde, Márcia Huçulak, anunciou nesta sexta, dia 26, que a cidade irá ampliar o número de atividades liberadas durante a Bandeira Vermelha, flexibilizando ainda mais as medidas de redução de circulação de pessoas. O relaxamento do decreto, que agora segue até 5 de abril, deve colocar em risco o que quer que se tenha ganho de redução da proliferação do vírus na cidade.

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1 comentário em “Novos leitos e intubação de pacientes em UPAs promovem falsa melhora da pandemia em Curitiba”

  1. A matéria do Jornal Hoje chama atenção para a “queda de 24%” na fila de espera de leitos. No gráfico por eles mostrado, 377 pessoas à espera de leito; ainda assim, o tom “otimista”. Meu Deus! São centenas de pessoas sofrendo e morrendo por conta do colapso do sistema de saúde. Colapso que continua. Quem consegue perceber que quanto maior a nossa pressa, maior ainda a pressa do vírus?

    O efeito objetivo disso é uma mais-normalização do sofrimento e da morte. Quando a palavra “lockdown” foi empregada, Greca sinalizou haver um limite (Curitiba flertando com 50 mortes diárias, os ricos também morrendo), porém, agora em marcha a resignificação da bandeira vermelha, ou seja, o “novo consenso” de que basta a ocupação de leitos não chegar a 100%, de que basta demostrar “quedas” nos números (ainda que os números absolutos sejam excessivos), basta a expressão cândida da secretária, a fala otimista do especialista… que a maioria da imprensa aceita, que a comunidade bovinamente celebra em oração: “está dando certo”. Ato contínuo, a moldura pronta para (mais) um discurso épico do prefeito: Curitiba vai reabrir depois da Páscoa! E o prefeito vai discursar que Páscoa significa passagem, citar um versículo da Bíblia, proferir duas palavras em latim, o biquinho arrostado, olhinhos felizes. Pronto! Curitiba volta a ser Curitiba. Sempre. Contentemo-nos com o Pavilhão da Cura.

    O novo normal é assim: carro de som na frente da casa do prefeito, com buzinaço e oração. Os bombados da academia dando lição de ciência. A volta às aulas, padrão Curitiba com capricho. Os médicos prescrevendo cloroquina-azitromicina. A liturgia dos protocolos.

    É aviltoso que, ante à verdade factual, continue a propagação do mito. Em ação a fórmula: a ​cidade modelo, mesmo quando não é modelo, tem que continuar sendo modelo.

    Este curto-circuito em nossa inteligência coletiva, em nossa capacidade de promover e desenvolver empatia desfigura nossa humanidade, produz monstruosidade. Assistimos, embalados pela violação da música de Geraldo Vandré, ao show de uma burguesia que optou por radicalizar a guerra contra os pobres.

    Não é pouco o trabalho do Plural. Documentar o tempo. Registrar o que se passa em Curitiba, no Paraná. Hoje e no futuro, este trabalho é referência para contar a história e para que se possa atribuir responsabilidades.

    Ocorre-me comentar que o agora autorreferido prefeito-engenheiro não compreende que Bacurau pode ser logo ali.

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