Novo Ligeirão pode reduzir tempo de viagem em até 23 minutos. Mas até lá tem chão

Entenda o projeto que teve financiamento aprovado pela União nesta segunda-feira e seus impactos para o sistema de transporte da capital

Mesmo com as obras que estendem o Ligeirão Norte-Sul, que liga o Santa Cândida ao terminal do Pinheirinho ainda incompletas, a prefeitura trabalha para implementar o projeto do Ligeirão Leste-Oeste, que conectará Pinhais ao terminal Campo Comprido. A ação vem sete anos após a apresentação original da proposta, feita pelo governo municipal em 2014, ainda na gestão do ex-prefeito e deputado federal Gustavo Fruet (PDT).

Na segunda-feira (22), o financiamento de US$ 75 milhões para o andamento da proposta foi aprovado no despacho nº 595 e publicado no Diário Oficial da União. Agora, o aval do governo federal para a contratação da operação de crédito do município junto ao New Development Bank (NDB) segue para a validação pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). A assinatura do contrato de financiamento entre a Prefeitura e o organismo financiador deverá ocorrer até dezembro, com data a ser definida.

Ainda que o aval da União seja um passo a ser celebrado, é cedo para fazer planos de um passeio de ligeirão entre Pinhais e o Campo Comprido. O histórico de obra semelhante no eixo Norte-Sul e o crescente rombo financeiro com o qual convive o sistema de transporte de Curitiba são indicadores de que há muitos obstáculos pela frente. O projeto prevê, por exemplo, a compra de ônibus biarticulados elétricos para o sistema, mas, atualmente, Curitiba tem sofrido para manter em funcionamento os antigos Hibribus – de operação 19% mais cara que a convencional – e para manter em dia os repasses que remuneram o investimento das empresas concessionárias em novos veículos.

O investimento total necessário para o desenvolvimento do Ligeirão Leste-Oeste será de US$ 93,75 milhões, dos quais US$ 75 milhões serão financiados pelo NDB e US$ 18,75 milhões de contrapartida municipal. O programa deve ser executado ao longo de cinco anos.

Imagem: Ippuc

Mudanças

O sistema de transporte coletivo de Curitiba é considerado um dos mais eficientes do país desde a década de 70, quando as primeiras definições do que viria a ser a Rede de Transporte Integrado (RIT) começaram a surgir, durante o mandato do ex-prefeito Jaime Lerner. Depois de 50 anos, no entanto, foram poucas as renovações que o modelo sofreu e, por isso, tem sido criticado principalmente quanto à falta de inovação na integração entre as linhas e em relação à necessidade de se pensar em meios sustentáveis de transporte.

Com a execução do eixo Leste-Oeste, a prefeitura promete a ampliação de pontos de parada já existentes e reestruturados cerca de 22,5 km de canaletas exclusivas e 7,5 km de vias complementares ao sistema de transporte. Está prevista também a implantação de 44,8 km de ciclofaixas e 66 paraciclos.

Segundo o Ippuc, devido à estrutura de ultrapassagem entre as linhas, a operação do eixo será dividida em “linhas paradoras” que farão paradas em 34 estações e cinco terminais ao longo do percurso. O projeto prevê ainda obras complementares ao sistema de transporte, como a reestruturação viária de 7 km no binário das Olga Balster e Nivaldo Braga e do entorno do Terminal Capão da Imbuia.

Entre as obras também está a construção de três novas estações de transporte, além da reforma do Terminal de integração Centenário e Vila Oficinas e a reconstrução dos terminais Capão da Imbuia e Campina do Siqueira, que contemplarão a geração de energia elétrica por painéis fotovoltaicos permitindo a eficiência e a autossustentabilidade energética.

Com a oferta de ônibus biarticulados elétricos que oferecem maior capacidade de transportes, a expectativa do governo municipal é de que mais pessoas passem a optar pelo transporte coletivo. Os veículos que passarão a operar nessa linha deverão transportar 210 mil passageiros por dia, o que representa um volume de 5% a mais de usuários para o sistema de transporte coletivo por esse ramal. 

Redução do tempo de viagem

Conforme a prefeitura, a criação do Ligeirão Leste-Oeste, que será a primeira Linha Direta do corredor, possibilitando a opção de uma ligação mais rápida no eixo desde Pinhais até o terminal CIC Norte, possibilitará melhorias na infraestrutura de transporte da cidade e novos terminais.

Para Carlos Hardt, arquiteto e urbanista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o Ligeirão Leste-Oeste tem diversas vantagens principalmente para percursos longos, uma vez que as estações têm uma distância maior entre si e, por conta disso, o tempo de espera e a velocidade média são melhoradas. 

Com a nova linha, o tempo de deslocamento dos usuários deverá ser reduzido em até 23 minutos, o que é consequência do aumento da velocidade média operacional em 35%.

Sustentabilidade

O projeto do Corredor Metropolitano Leste-Oeste também é vinculado ao Programa de Mobilidade, Sustentabilidade e Inovação em um contexto que prevê uma série de medidas que buscam a neutralidade das emissões de carbono na cidade até 2050. Isso significa que a premissa da sustentabilidade é uma das bases do projeto. Por serem ônibus elétricos, a ideia é de que haja a redução das emissões de CO2 em 14%.

A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano (PPU) e no curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, Letícia Gadens, explica que o projeto pode beneficiar a configuração de uma rede mais eficaz de mobilidade, facilitando fluxos de deslocamento em consonância com princípios de sustentabilidade. “O escopo do projeto considera a mobilidade ativa [mobilidade por bicicleta ou de pedestres, por exemplo], o que é fundamental. Espera-se que essa seja também uma oportunidade para associar a mobilidade ativa como uma importante alternativa de transporte na cidade, considerando todo o seu potencial”, afirma.

A estrutura do eixo de transporte incluirá áreas permeáveis, estrutura cicloviária ao longo da extensão, sistema de coleta de água da chuva, semaforização inteligente, entre outras inovações de acessibilidade segura, paisagismo e iluminação.

A opção por ônibus elétricos, entretanto, suscita dúvidas sobre a viabilidade financeira da operação dos ônibus na linha. As combalidas contas do sistema de transporte de Curitiba terão dificuldades de absorver a compra e manutenção veículos elétricos. O Hibribus, última experiência de veículo elétrico na frota municipal, tem custo de operação 19% a um ônibus do mesmo tamanho movido a óleo diesel.

Transformações do espaço urbano

A mobilidade urbana, como lembra Carlos Hardt, não é influenciada apenas por ações voltadas especificamente à infraestrutura de transportes. As transformações do espaço urbano, por meio de políticas de moradia, mercado imobiliário, uso do solo e gestão metropolitana, por exemplo, modificam também a mobilidade nas cidades.

Na visão do professor da PUCPR, a reestruturação das canaletas exclusivas prevista pelo projeto do Ligeirão Leste-Oeste pode fazer com que, em alguns pontos, haja o desenvolvimento das estruturas urbanas nos entornos das estações. “O fato de você ter esse calçadão, pode fazer com que naquela região comece a se instalar comércio de bairro, serviços. Ou seja, se criariam pequenos centros e isso pode ser muito beneficial à cidade”, pontua.

Assim como Carlos, Letícia destaca o impacto positivo da obra na valorização da terra e na abertura de novas frentes para atuação do mercado imobiliário. “Essa obra pode incentivar a ocupação de áreas que se encontram vazias ao longo do eixo, promovendo seu adensamento construtivo em consonância com a concepção do sistema de planejamento de Curitiba, que associa uso do solo, sistema viário e transporte coletivo.”

No entanto, a arquiteta, que também faz parte do Laboratório de Habitação e Urbanismo da UFPR (LAHURB/UFPR), alerta que caso a gestão dessas obras não seja feita adequadamente, essa valorização dos entornos das estações pode dificultar ainda mais o acesso à moradia bem localizada por parte das parcelas da sociedade que possuem menor renda.

Ilustração: Ippuc

Eixo Sul

O projeto também envolve o eixo Sul do Ligeirão Norte-Sul, que ainda não teve as obras finalizadas, como contrapartida do município às intervenções futuras do Leste-Oeste. Hoje, a linha que deveria conectar o Santa Cândida ao Pinheiro vai até a estação Petit Carneiro, próxima à Praça do Japão. 

Neste trecho sul, a canaleta está sendo alargada, permitindo a ultrapassagem entre as linhas direta e paradora em 13 pontos de parada existentes no itinerário. Ainda serão implantados cerca de 15,6 km de ciclofaixas e 26 paraciclos. Com o Ligeirão Norte-Sul operando em sua totalidade, o usuário do transporte público terá redução do tempo de deslocamento em até 26%, segundo a prefeitura.

Reportagem sob orientação de João Frey

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Novo Ligeirão pode reduzir tempo de viagem em até 23 minutos. Mas até lá tem chão”

  1. Isso se chama jogar dinheiro fora. O sistema, como é, está falido. E querem colocar mais dinheiro em algo caro e que não atende às pessoas.
    Não resolve nada, obras que não terminam nunca e o saldo é dívida e mais tempo perdido. É preciso pensar em novas soluções para o transporte púlbico. Não precisa nem inventar nada. Basta estudar o que já é feito pelo mundo. O ônibus é importante, mas só uma parte do sistema. Apostar tudo num modelo que era bom há 40 anos? Não dá.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima