Notícias sobre pacientes na UTI, só três vezes na semana

Famílias denunciam tratamento 'desumano' no Hospital do Rocio, que as atende do lado de fora, faça sol ou faça chuva

Em meio a uma pandemia, com hospitais superlotados, o pior pesadelo de qualquer pessoa é que um de seus familiares sofra um acidente e precise ser internado às pressas, entre a vida e a morte. Infelizmente essa é a história que R. – ele prefere não ser identificado – está vivendo. E o problema fica ainda maior quando ele é atendido no Hospital do Rocio, que fica em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba.

“Por causa do coronavírus, não tem mais visita na UTI e isso eu até entendo. A questão é que o hospital disse que só pode me dar informações sobre a minha esposa três vezes na semana, presencialmente e em horários pré-determinados. Nada por telefone. Se o quadro estiver muito crítico, evoluindo para um óbito, eles avisam, mas do contrário, nada”, conta.

Os horários de atendimento. Foto: Plural.jor

No último sábado (5), depois de ficar dois dias às cegas, ele foi à instituição e deu de cara com a recepção fechada. “Todos os familiares de internados precisavam ficar do lado de fora, embaixo de um toldo que não resolvia nada. Tinha chuva e vento, e um idoso muito simples esperava notícias do filho de chinelo, com o pé molhado… Num momento em que se fala tanto em preservar a imunidade, estávamos todos expostos”, afirma.

“Quando o médico chegou, ele chamou a gente ali fora mesmo. Todos em pé, numa fila, ouvindo notícias de todo mundo, sem nenhuma privacidade. Duas senhoras receberam informações horríveis e não tinha nem cadeiras para elas”, relembra. “A situação de ninguém ali era boa e esse tratamento piorou muito as coisas. Caberia todo mundo naquela recepção vazia. Eu me senti tratada como um bicho, não havia um pingo de empatia ou humanidade.”

Familiares aguardando informações do lado de fora do hospital. Foto: Plural.jor

E quando a família toda é infectada pela Covid-19?

Em maio, a estudante Fernanda Morais de Oliveira viveu uma situação similar no Rocio. Seu avô ficou internado por um tempo e depois recebeu alta, mas precisou voltar para o hospital uma semana depois, porque começou a apresentar sintomas graves da Covid-19. 

Na época, o protocolo para obter informações era o mesmo. Um familiar tinha que comparecer na instituição nas datas pré-definidas, onde seria atendido a céu aberto. Mas na segunda internação havia um agravante: toda a família de Fernanda foi contaminada pela doença.

“Eu tentei conseguir informações por telefone e eles insistiram que só passavam presencialmente. Expliquei a situação e me disseram que não precisava ser familiar, qualquer conhecido ou vizinho servia. Eu perguntei se eles achavam que alguém toparia ir até um hospital que atende casos de coronavírus para pegar informação”, diz.

No meio desse imbróglio, o paciente precisou ser intubado e a família sequer ficou sabendo. “Falei que ia procurar meus direitos e eles disseram que tudo bem, que se defenderiam legalmente, porque têm protocolos e não podem passar informação por telefone. O motivo? Segundo eles, era pra não correr o risco de passar informações para terceiros, ou ainda para que a ligação não fosse gravada e usada contra o hospital. Nada disso fazia sentido.”

“A gente teve muita dificuldade. Mesmo brigando, falando com o chefe da UTI geral, não tive sucesso para obter informação por um bom tempo. Só depois é que eles começaram a ligar para informar os procedimentos, mas aí ele evoluiu para óbito”, lamenta a estudante.

Sem resposta

O Plural ligou várias vezes para o Hospital do Rocio em busca de um posicionamento oficial, mas não foi atendido. A gravação de espera já avisava que informações sobre pacientes não poderiam ser repassadas via telefone “por uma questão legal”. A redação também tentou contato via e-mail, mas o setor responsável leu e não respondeu. 

Hospital tem autonomia

Segundo a advogada Renata Farah, presidente da Comissão de Direito à Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB/PR), não há uma lei que defina como os familiares devem ser informados sobre o estado de saúde dos pacientes. “Tem que seguir o regime do próprio hospital. Cada um define como será a comunicação. Isso é ruim para a relação do paciente e dos médicos com as famílias, mas infelizmente é assim que tem sido. Até mesmo devido à ocupação máxima dos hospitais.”

O Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) reforça: cada instituição escolhe sua sistemática. “Desde que respeitados os princípios basilares do Código de Ética, têm a instituição hospitalar e o médico assistente autonomia para bem conduzir a interação com familiares, sedo sempre prioridade a atenção à saúde do paciente.”

De acordo com o órgão, mesmo em tempos de pandemia, em que se observa sobrecarga de trabalho entre profissionais e na capacidade dos serviços, há de se assegurar que o paciente seja tratado com dignidade, respeito e civilidade.

“O paciente deve ser informado sobre sua saúde, os procedimentos que serão ou estão sendo realizados, o diagnóstico, alternativas de tratamento etc. Estando o paciente inconsciente ou impossibilitado de tomar decisões, que seus familiares sejam devidamente informados e que indiquem, por escrito, o representante legal para o mesmo que tenha ciência do estado de saúde, eventuais decisões relativas ao tratamento e informações constantes do prontuário”, orienta o CRM.

“Caso o familiar ou paciente assim o entender, pode registrar uma queixa contra a direção técnica do hospital. Se for usuário de plano de saúde, a reclamação pode ser feita via ouvidoria do plano. Se for usuário do SUS, ele possui ouvidoria própria”, finaliza.

A Ouvidoria SUS atende pelo telefone 0800 641 3377, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 17h.

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