Nos grêmios femininos da 13 de Maio, mulheres negras resistiam na Curitiba de cem anos atrás

Entre as décadas de 1920 e 1960, mulheres negras de Curitiba se reuniram em associações para lutar por igualdade racial e de gênero

Foi a partir do trabalho de conclusão da faculdade de História sobre a Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, em Curitiba, que Fernanda Lucas Santiago passou a questionar onde estavam e qual era a atuação das mulheres no principal espaço de sociabilidade e resistência da população negra na capital paranaense. Assim surgiu a dissertação de mestrado intitulada “Mulheres Negras: Trajetória de (Re)existências em rede (Curitiba, 1922-1963)“, que evidencia não só a criação de redes de apoio entre as mulheres afrodescendentes, como também o protagonismo feminino na articulação de políticas públicas e ações que visavam igualdade de direitos.   

Conforme a pesquisa, a Sociedade 13 de Maio, primeira instituição voltada à população negra no Paraná, era também uma das mais masculinas. Fernanda explica que embora a experiência do racismo e a luta por melhores condições de vida aproximassem mulheres e homens negros da 13, havia, dentro da população negra, relações desiguais condicionadas ao gênero que limitavam a atuação das mulheres no clube.

No início, a 13 de Maio contava com cerca de 400 sócios e uma diretoria formada apenas por homens. De acordo com Fernanda, em virtude da proibição da participação feminina na gestão da Sociedade, as mulheres passaram a se reunir a fim de compor uma gerência paralela à administração masculina – apesar de as propostas ainda ficarem sujeitas à aprovação ou veto dos homens. “Na visão dos diretores, independente do seu grau de instrução, as mulheres eram tidas como incapazes de fazer escolhas, tomar decisões e exercer o direito social de votar”, diz trecho da pesquisa.

“Essas mulheres negras estavam organizadas pois tinham necessidade de estarem unidas para (re)existir a uma sociedade extremamente racista, machista e com poucas possibilidades de mobilidade social. Para isso, elas forjaram sua própria rede de apoio, organizaram festas, eventos esportivos, literários, matinês infantis, saraus, campanhas beneficentes, organização de creches públicas e escolas primárias. Suas ações avançaram dos auxílios para a criação de políticas públicas e conquistas de direitos sociais”, afirma a historiadora.

Com base em pesquisas feitas nos livros atas das reuniões da 13 de Maio e em jornais da época, Fernanda, que também é pesquisadora associada ao Laboratório de Estudos Decoloniais e Pós Coloniais (Aya) e Integrante da Rede de Mulheres Negras do Paraná (RMN-PR), localizou a trajetória de cinco agremiações femininas negras: Sociedade 28 de Setembro, Grêmio das Camélias, Grêmio 13 de Maio, Grêmio Flor de Maio e Grêmio Princesa Isabel – sendo as quatro últimas filiadas à 13.

Associações negras femininasPeríodo de funcionamentoFiliação
Sociedade 28 de Setembro22/09/1895 a 13/05/1961Independente
Grêmio das Camélias04/06/1899 a 20/04/1927Sociedade 13 de Maio
Grêmio 13 de Maio25/05/1912 a 23/04/1919Sociedade 13 de Maio
Grêmio Flor de Maio17/11/1922 a 13/05/1946Sociedade 13 de Maio
Grêmio Princesa Isabel12/02/1924​ ​a 13/05/1963Sociedade 13 de Maio

Eram mais de 80 mulheres vinculadas às associações, sendo que algumas delas já eram sócias de outras organizações, como a própria 13. Como evidencia o estudo de Fernanda, fazer parte dos grêmios significava ter acesso a amparos sociais como auxílio saúde, auxílio velório, auxílio viúva e herdeiros, que o Estado não foi capaz de proporcionar na época, mesmo após a Lei Áurea. Especialmente considerando que as profissões mais comuns entre as associadas eram empregada, doméstica, cozinheira, costureira, servente, funcionária pública e enfermeira.

Por meio desse associativismo, as mulheres se aproximaram a partir da identidade racial, de classe e gênero, e conseguiram propor projetos e articular ações que visavam a autonomia, o protagonismo e a sobrevivência feminina negra que se refletiram, principalmente, nas gerações seguintes.

No estudo, Fernanda conta sobre Virgília Alves Marques, a 1ª Secretária do Grêmio 13 de Maio que foi muito atuante na rede associativa, tanto que passou o ativismo para frente. Assim como Virgília, sua filha também fazia parte do Grêmio e trabalhava como doméstica, até ingressar na faculdade e se formar em 1945 como a primeira engenheira negra do Brasil. Seu nome: Enedina Alves Marques.

Sociedades reunidas na Praça Tiradentes em 21 de abril de 1913. Imagem: Fernanda Santiago

Dias atuais

Apesar das agremiações terem se mantido ativas até meados da década de 1960, as mulheres negras continuam se organizando e desenvolvendo novas maneiras de ocupar espaços sociais, políticos e de representatividade. Hoje, as associações dão lugar a sindicatos, partidos políticos, ONGs, grêmios estudantis, grupos de pesquisadoras, associações que produzem textos, marchas e atos contra o genocídio da população negra e o feminicídio. Alguns exemplos de grupos que fazem parte do movimento de mulheres negras atualmente são A Rede de Mulheres Negras do Paraná (RMN-PR), Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Coletivo Enedinas e Candaces. 

“São grupos diversos em propostas, não há uma homogeneidade nem no passado nem atualmente. Tanto antes como no presente, são grupos que estabeleceram redes de contato locais, nacionais e internacionais”, destaca Fernanda.

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3 comentários em “Nos grêmios femininos da 13 de Maio, mulheres negras resistiam na Curitiba de cem anos atrás”

  1. Excelente pesquisa e primoroso trabalho sobre a luta negra que não vem de hoje, em que mulheres negras se fazem presentes como eternas guerreiras, a dividir com os homens o protagonismo organizacional de resistência não somente do lar, da família, como de seu povo. Num trabalho dobrado e estafante a valer por exércitos. Gratidão a autora por elas serem lembradas e conhecidas. Prof. Noedi Monteiro/Piracicaba-SP, Negro Arquivo e História.

  2. Parabéns pelo belo artigo. Precisamos conhecer melhor a história da população de nossa cidade e de suas formas de organização e sociabilidade. A Sociedade 13 de Maio é um dos espaços culturais mais significativos e merece ser permanentemente divulgada e valorizada.

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