Não dá pra tirar a máscara: mesmo vacinadas, pessoas podem se reinfectar e transmitir Covid-19

Mesmo com as duas doses, as pessoas ainda podem se infectar e transmitir o vírus; entenda

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento dizendo querer desobrigar o uso de máscaras para quem estiver vacinado contra a Covid-19 ou já tiver contraído a doença. O problema da declaração é que, nem as duas doses do imunizante, nem a infecção prévia impedem o indivíduo de se contaminar novamente e transmitir o vírus. Para entender sobre a eficácia e a ação dos imunizantes, o Plural conversou com uma médica infectologista e três curitibanos que, mesmo com as duas doses, contraíram o coronavírus.

Um médico de 75 anos, que prefere não ser identificado, conta que a contaminação pelo Sars-Cov-2, em abril deste ano, ocorreu dois meses após ter tomado as duas doses da vacina CoronaVac, uma em 29 de janeiro e a outra em 23 de fevereiro. “Eu fui operar em um hospital que não respeita [as medidas de segurança sanitária] exatamente como deveria. Acho que foi ali que peguei”, relata.

A coriza, dor muscular e perda de olfato começaram em um domingo, três dias depois de quando o médico acredita ter entrado em contato com o vírus. Ele conta que, vacinado, sentiu apenas sintomas leves, que duraram apenas um dia. “Tenho certeza que se eu não fosse médico não teria feito o diagnóstico.”

No mesmo dia em que começaram os sintomas, no entanto, o médico compareceu à primeira comunhão do neto. “Eu fui, fiquei afastado, mas na hora das fotografias nós ficamos sem máscara. A minha preocupação era que eu pudesse ter transmitido a alguém, mas ninguém se contaminou. Além de [a vacina] ter me protegido de eu desenvolver uma forma mais grave da doença, eu não transmiti para ninguém.”

A médica infectologista e chefe da Unidade de Infectologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC), Sonia Raboni, explica que as vacinas não impedem as pessoas de contraírem a Covid-19, mas isso não significa que elas não funcionam. “É importante ressaltar que todas as vacinas que foram liberadas até agora, eles avaliaram, inicialmente, a eficácia para impedir a evolução para o estado grave da doença. O desfecho de impedir infecções não foi avaliado amplamente.”

As pessoas que foram vacinadas podem se infectar novamente, mas o risco de desenvolverem uma forma grave da doença – que levam à intubação e à morte -, mesmo que não seja nulo, é muito menor. “Nenhuma vacina teve 100% de eficácia para impedir a doença grave. Existe a possibilidade de a pessoa se infectar e existe a possibilidade de evoluir para a doença grave, mas é muito menor do que se ela se vacinar”, pontua a especialista.

A médica ginecologista obstetra Geisa Zardo conta que recebeu as duas doses da vacina CoronaVac no fim de janeiro e começo de fevereiro, respectivamente. Ainda assim, após o namorado começar a sentir alguns sintomas, Geisa decidiu fazer o teste e em 18 de fevereiro, um dia após ter tomado a segunda dose, soube que estava contaminada. “Comecei a ter os sintomas no mesmo dia. Tive febre baixa, pouca tosse, dor de cabeça, mal estar, fadiga e dor de garganta.”

Imunidade

Sonia, que também coordena o estudo da vacina CoronaVac, em parceria com o laboratório Sinovac, no Paraná, esclarece que nem a vacina, nem a infecção prévia tornam a pessoa imune ao coronavírus. “Algumas pessoas acham que, como elas já se infectaram, elas não vão se contaminar novamente. Para algumas infecções virais isso é verdade, como o sarampo, por exemplo. Mas a infecção prévia pelo coronavírus não dá título de anticorpo suficiente para proteger a pessoa de uma nova infecção.”

Além disso, Sonia aponta para a necessidade de precaução com as novas variantes do vírus. Como o corpo, mesmo vacinado ou já infectado em algum momento, não reconhece a mutação, existe a possibilidade de reinfecção. “As variantes de preocupação, que estão sendo monitoradas no mundo inteiro, são chamadas assim pois elas têm mutações em uma região específica da proteína do envoltório, onde os anticorpos se ligam para proteger o indivíduo. Então se o vírus tem uma mutação nessa região, esses anticorpos não vão se ligar adequadamente, portanto, ocorre uma perda da proteção.”

Transmissão

A vacinação significa que as pessoas terão chances menores de, ao se contaminarem, a doença evoluir para um estágio grave. Mesmo com as duas doses do imunizante, os indivíduos ainda transmitem a Covid-19. De acordo com Sonia, apenas quando mais de 70% da população estiver vacinada com as duas doses é que se pode pensar em uma diminuição da circulação do vírus. 

É por isso que se faz necessário manter as medidas restritivas para a prevenção da contaminação, como o uso de máscaras, lavagem das mãos e isolamento social. “O que a gente vê é que aqueles países em que a vacinação está sendo feita e estão sendo mantidas as medidas não farmacológicas estão tendo uma melhor resposta do que os países que estão vacinando mas não estão mantendo as medidas de distanciamento social e uso de máscaras, porque o vírus continua circulando e têm pessoas que ainda não foram vacinadas”, explica Sonia. 

É possível tomar vacina estando contaminado?

Segundo a médica infectologista, não é recomendado receber a vacina enquanto a pessoa estiver infectada com o vírus por dois principais motivos. O primeiro é o fato da vacina não fazer efeito naquele momento: “como todas as vacinas que estão sendo feitas no Brasil até agora precisam de duas doses, eu só vou me considerar realmente protegido com o nível de eficácia que determinada vacina dá a partir de duas semanas da segunda dose.”

Além disso, Sonia explica que, na vigência da infecção, a vacina não irá estimular a própria resposta imune do corpo pois ele já vem fazendo isso desde o início da doença. “Esses anticorpos podem, inclusive, neutralizar essa vacina.”

O segundo ponto é que a vacina pode causar alguns efeitos colaterais como febre, calafrio e mal estar – mesmos sintomas causados pelo Sars-Cov-2. Para a médica, isso é preocupante pois pode confundir o indivíduo contaminado e fazê-lo pensar que esses efeitos são da vacina e não de uma possível evolução da doença.

É o caso da pedagoga Martta Eliza Wienandts Leonel, de 50 anos. Ela relata que provavelmente se contaminou em um passeio que fez a Morretes com os amigos, pouco antes de tomar a primeira dose da vacina, em 18 de maio. No mesmo dia que recebeu a dose, à noite, Martta começou a ter febre e tremores. Durante dois dias a pedagoga teve temperaturas elevadas e muita tosse. “Achei que poderia ser reação da vacina.” Após o resultado, Martta ficou em isolamento durante 19 dias. 

Resposta imunológica individual

“As doenças têm um espectro de manifestação clínica muito grande. Isso está relacionado a uma característica genética das pessoas de resposta à infecção. Com a vacina é a mesma coisa”, afirma Sonia. 

Como a vacina é, na verdade, uma infecção causada por um vírus atenuado ou inativado, o indivíduo pode ou não ter uma resposta imunológica. Essa resposta não depende apenas da genética. Segundo a médica infectologista, os idosos, por exemplo, têm o sistema imunológico mais debilitado. Pessoas que tomam corticoide ou que fazem uso de medicações imunossupressoras também têm uma resposta imunológica menor. Assim como indivíduos que fizeram transplante, pessoas com HIV e outras doenças que diminuem a imunidade terão respostas imunológicas diferentes. 

“A vacinação tem essas diferenças de respostas. O fato de você estar vacinado não te dá garantia 100% de que você não vai pegar a doença e que se você tiver, ela não vai evoluir para uma forma grave. Mas quando você compara com quem não foi vacinado existe uma diferença importante. A vacina não diminui a transmissão e nem a possibilidade de infecção. Não zera esse risco. Por isso é importante manter as medidas não farmacológicas.”

Reportagem sob orientação de João Frey

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