Mudanças em leis ambientais ameaçam conservação no Paraná

Saiba quais novas práticas mais podem impactar na fauna e flora do Estado

Meio Ambiente e Agricultura nunca estiveram tão próximos como no atual governo federal. Antes mesmo de assumir, Jair Bolsonaro (PSL) já anunciava seu desejo pela extinção do Ministério do Meio Ambiente, quase unificado à Agricultura. Após críticas, o presidente decidiu manter a pasta, mas desde janeiro vem adotando medidas que sinalizam o retrocesso em leis e práticas de fiscalização e conservação da flora e fauna brasileiras. No Paraná, o Plural procurou especialistas para saber como tais medidas vêm impactando no Meio Ambiente regional.

“O desmonte da legislação ambiental e o enfraquecimento dos órgãos ambientais são metas muito claras deste governo, o que é reproduzido no âmbito estadual”, avalia o conservacionista e diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa, Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges. “O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) reduziu pela metade seus funcionários. Não há fiscalização suficiente. O Ministério do Meio Ambiente está sendo engolido pelos que querem o fim da natureza, como o Ministério da Agricultura. São circunstâncias lamentáveis que precisam nos fazer repensar o que significam os problemas decorrentes do Meio Ambiente”, afirma.

“Este é um governo que não tem esclarecimento sobre a questão ambiental. Para eles, não é prioridade; isso já ficou claro na campanha, com o apoio do setor ruralista, e agora com o desmonte de tudo o que foi feito nos últimos 40 anos”, diz o biólogo Paulo Pizzi, presidente do Mater Natura Instituto de Estudos Ambientais e integrante da Aliança Pró-Biodiversidade.

“A visão ambiental da política brasileira acompanha a questão econômica e da agropecuária, ao contrário do que acontece no mundo. Agricultura e pecuária têm que ser sustentáveis também. Não é eliminando as questões ambientais que haverá menos gastos ou mais lucros, pelo contrário, haverá boicote de empresas estrangeiras, como já mostrou a rede de supermercados da Suécia”, lembra o biólogo.

Na última quarta-feira (5), a maior rede do setor na Escandinávia anunciou um protesto contra produtos brasileiros. O boicote se deve à liberação de 197 novos agrotóxicos no Brasil, grande parte deles proibida na União Europeia.

Agrotóxicos no solo, nos alimentos e na água

A permissão, pelo  Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de 197 novos pesticidas  para o uso na agricultura, somente este ano, vem preocupando ambientalistas no Brasil, onde – segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) – cada pessoa consome oito litros de agrotóxicos por ano. Os dados colocam o país como o maior consumidor dos venenos no mundo. O Paraná é o segundo que mais consome no país.

Seu uso não se restringe ao solo e alimentos. Os defensivos agrícolas, usados legalmente para proteger lavouras de pestes, também atingem animaIs essenciais, como as abelhas, principais agentes polinizadores da natureza. Elas são responsáveis pela maioria das plantas cultivadas para alimentação. Sem o trabalho delas, haverá uma drástica mudança na produção de alimentos e também em muitos ecossistemas, já que auxiliam na polinização de florestas inteiras.

Somente nos três primeiros meses de 2019, apicultores encontraram 500 milhões de abelhas mortas nos estados do RS, SC, MS e SP. Os dados são da ONG Repórter Brasil com a Agência Pública. A causa das mortes, segundo especialistas, foram pesticidas À base de neonicotinoides e fipronil, amplamente utilizados em lavouras.

Os agrotóxicos também podem acabar nos rios que chegam ao abastecimento humano. De acordo com o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde, análises realizadas entre 2014 e 2017 mostram que 326 das 399 cidades do Paraná possuem agrotóxicos na água que sai das torneiras. Segundo o relatório, foram detectados 27 diferentes tipos de herbicidas na rede de distribuição dos Municípios, dos quais nove são proibidos no Brasil e 11 estão associados a problemas graves de saúde, como câncer e malformação fetal. A pesquisa é contestada por algumas instituições.

Ainda assim, o projeto de lei 6299/02, chamado de “PL do Veneno”, que tramita na Câmara Federal, quer mudar as regras para o uso de defensivos agrícolas no país. A intenção é flexibilizar o uso, o controle, o registro e a fiscalização dos agroquímicos.

Veneno se espalha no solo, no ar e na água, chegando a torneiras e matando abelhas

Conforme relatou ao Plural, o engenheiro agrônomo e diretor técnico do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) Nelson Harger, o grande problema não é o pedido do registro mas o uso que se faz dos produtos. “Muitas vezes, são usados sem critério, de forma generalizada, o que causa danos ambientais. Eles só devem ser usados quando estritamente necessários, aliados a outras estratégias de controle de pragas.”

A nutricionista Islândia Bezerra também lembrou que, diferente de outros países – onde a cada três ou cinco anos os agroquímicos liberados são submetidos a novos testes – no Brasil eles nunca mais voltam a ser avaliados. “É uma liberação ad eternum, uma conquista de um mercado muito poderoso.”

Parque Nacional dos Campos Gerais x Agronegócio

Criado oficialmente em 2006, o Parque Nacional dos Campos Gerais ainda não teve concluídos seu plano de manejo nem as desapropriações de terra. Fazendeiros, que ocupam quase a totalidade da área, aliados a políticos da região, pedem o fim da demarcação e a extinção do parque, que estaria atrapalhando o desenvolvimento da agricultura local.

O tema veio ao encontro da preocupação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em alinhar sustentabilidade ambiental com desenvolvimento econômico. A convite da deputada federal Aline Sleutjes (PSL/PR) – que solicitou a revisão da criação do parque, alegando problemas aos produtores – Salles foi especialmente a Ponta Grossa, onde almoçou e sobrevoou a região dos Campos Gerais com representantes do agronegócio local.

Depois da visita, o ministro prometeu rever a demarcação do parque, seu decreto de criação e os prejuízos que a Área de Preservação Ambiental (APA) vem trazendo aos fazendeiros. Estes, por sua vez, continuam avançando com a agricultura pelas áreas preservadas, conforme mostrou o Plural.

Plantações em meio ao campo. Foto: Átila Santana

Segundo pesquisas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), entre 2005 e 2018, os campos nativos da região tiveram uma redução de 27%. No mesmo período, a agricultura avançou 10% e o reflorestamento dentro do parque foi de 141% a mais. Somadas, as áreas com alteração ilegal – reflorestamento e agricultura – totalizam 947 hectares (947 campos de futebol).

“Depois de 13 anos, a discussão deveria ser outra. Tínhamos que estar discutindo como ampliar o parque, como corrigir erros no sentido de permitir uma proteção maior, especialmente no setor da água, que está contaminada com resíduos de agrotóxicos”, destaca o agrônomo Carlos Hugo Rocha, professor e coordenador do Laboratório de Mecanização Agrícola (Lama), da UEPG.

Escarpa Devoniana pode virar areia

Outro ponto ambiental ameaçado pela política nos Campos Gerais é Escarpa Devoniana. Formação rochosa com mais de 400 milhões de anos, ela marca o limite entre o primeiro e o segundo planalto paranaenses. Com cânions, florestas de araucária e um rico ecossistema, a Escarpa – protegida por uma Área de Preservação Ambiental (APA) – é tida como um grande potencial para mineradoras, visto a abundância da rocha chamada arenito, muito usada na fabricação de cerâmica e porcelana, além de render areia das boas. O pedido de licenciamento de uma grande mineradora para a implantação de atividades econômicas na Escarpa Devoniana é avaliado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP).

“Em Áreas de Proteção Ambiental há uma série de itens a serem avaliados para a implantação de atividades econômicas. Se o órgão ambiental do Paraná assumir essa interpretação de que elas podem admitir, de forma irrestrita, qualquer tipo de atividade de extração, teremos um prejuízo muito grande em escala local, regional e nacional”, afirmou ao Plural o geólogo Gilson Burigo Guimarães, doutor em Petrologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da UEPG.

Paredão com arenito divide o primeiro do segundo planalto. Foto: Maurício Savi

Na Assembleia Legislativa do Paraná, houve até projeto de lei para tentar reduzir em 70% a área de preservação da Escarpa Devoniana. De autoria dos deputados Ademar Traiano (PSDB) e Plauto Miró (DEM), e apoiado pela Federação da Agricultura do Paraná (Faep), o texto enfrentou oposição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e do Ministério Público (MP-PR) e acabou arquivado em outubro de 2018.

No governo federal, o filho do presidente, o senador Flávio BolsonAro (PSL/RJ), já tem protocolado um projeto de lei para acabar com a exigência da área de reserva legal para propriedades rurais, inclusive na Amazônia. A justificativa do projeto é “destravar e expandir” a produção agropecuária.

Também o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, busca o  afrouxamento de regras para mineração. Promessa de campanha de Bolsonaro, o tema chegou a levar Salles a uma acusação de favorecimento a mineradoras.

Parque Nacional do Iguaçu x Estrada do Colono

O desarquivamento do projeto que prevê a reabertura da Estrada do Colono, que corta ao meio o Parque Nacional do Iguaçu, trouxe novamente alerta aos ambientalistas. O antigo caminho que liga as regiões oeste e sudoeste do Paraná se transformou em estrada em 1954 e funcionou como elo histórico e econômico entre as cidades de Capanema e Serranópolis. Foi fechado em 1986 por riscos ambientais ao parque, área de preservação permanente. Reaberto ilegalmente em 1997, foi definitivamente fechado em 2001. Agora, um projeto na Câmara Federal pede novamente a abertura da estrada.

Além de já ter sido aprovado pela Comissão de Viação e Transporte da Casa, o PL984/19, de autoria do deputado Vermelho (PSD/PR), tem também o apoio de Bolsonaro. Em Cascavel, recentemente, o presidente afirmou que, no que depender dele, a licença ambiental para a reabertura da Estrada do Colono vai sair. A justificativa é desenvolver o turismo e “destravar o Brasil”.

“Há mediocridade nos posicionamentos dessa gestão. O presidente não tem postura de estadista, escolhe assuntos fora de contexto, apresentando condições que são aberrantes, como a abertura desta estrada. Voltar a discutir isso é um oportunismo político local, dos que sempre vislumbraram eleições usando esse tema. Já houve julgamento no STF, isso é fato julgado”, sustenta Clóvis Borges, conservacionista e diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa e Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

Ele lembra que a natureza já voltou a reinar na estrada, que corta um parque considerado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco. “Temos a única população de onça pintada do Estado, animal em risco de extinção. Temos uma Floresta Atlântica de interior e o maior remanescente contínuo de Mata Atlântica de toda América do Sul. Só sobrou ela e querem degradar, alegando incremento turístico. Tudo balela política, sem nenhum amparo técnico”, garante Clóvis.

Os defensores da estrada alegam vantagens turísticas e econômicas, além de históricas. A distância entre as duas cidades aumentou em 100 km com o fechamento da Estrada do Colono. “A economia na região é pujante por causa da soja. O turismo pode ser incrementado de outras formas. Reabrir a estrada traria um impacto ambiental tremendo, causando um ‘efeito de borda’, pois o trânsito de pessoas e automóveis pode trazer espécies exóticas, como sementes de pínus, insetos de fora, que podem gerar doenças pra fauna local. Enfim, a conservação nunca é vista como mais importante, sempre tem que ser deixada de lado por outros aspectos, especialmente os econômicos”, acredita o diretor-executivo da SPVS.

Caça a animais na pauta dos deputados

Proibida no Brasil, a caça a animais silvestres pode ir para a legalidade. Para isso, o Congresso Federal já estuda a aprovação de cinco projetos de leis que envolvem autorizações de armamento para caça esportiva e profissional no país.

Um deles propõe a criação do Estatuto dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs). O texto considera a caça como legal e aborda as possíveis armas para sua realização.

O tema voltou à discussão após o decreto presidencial que amplia o uso de armas de fogo pela população. “A facilidade a armamento e munições aumenta a caça clandestina. Mesmo que a caça continue proibida, há mais armamentos circulando. Se o cara tem uma licença de caça ao javali e encontra outros animais silvestres, não há como fiscalizar nem impedir a matança”, adverte o biólogo Paulo Pizzi, presidente do Mater Natura Instituto de Estudos Ambientais e integrante da Aliança Pró-Biodiversidade.

“A caça é prejudicial e, embora ainda não haja campanha aberta pela legalização, é outro compromisso de campanha do presidente”, recorda.

Animais silvestres (veados) são mortos durante caça ilegal. Foto: ONG Repraas

Pizzi destaca, porém, que há uma mobilização nacional contra os projetos em tramitação. A ideia é chamar a atenção da sociedade, da imprensa e dos próprios parlamentares. No próximo dia 11, ambientalistas do Paraná irão entregar à Frente Parlamentar pelo Direito dos Animais, da Câmara Federal, um manifesto contra a liberação da caça, com quase mil assinaturas. “Também temos uma petição pública, com 720 mil adesões em um mês, que usaremos para pressionar e não deixar o projeto ir para a pauta do Plenário”, explica.

Em pesquisa de 2018, o Ibope perguntou aos brasileiros se eles concordavam com a caça de animais no Brasil. Apenas 6% dos entrevistados foi a favor; 93% contra. Também na página de enquetes online da Câmara dos Deputados, 99% dos internautas votaram contra o projeto de lei 6.268/16 – de autoria do então deputado Valdir Colatto, nomeado por Bolsonaro como chefe do Serviço Florestal Brasileiro.

Haverá ainda uma mobilização com os deputados paranaenses, para saber a opinião deles sobre o tema.  “Entraremos nas ações da agenda nacional contra o projeto. Procuraremos dar um reforço no Paraná e chamar a atenção por campanhas de comunicação para alertar e replicar em outros estados”, acrescenta Pizzi.

“Temos que pensar melhor quais armas temos disponíveis e começar a usar com mais adesão entre as partes e envolvimento da sociedade, inclusive os jovens. A partir do convencimento de que políticos não vão cumprir o mínimo de respeito ao Meio Ambiente, pode-se ter uma forte reação da sociedade para pressionar estes governos”, conclui o conservacionista Clóvis Borges.

Porto de Pontal e a Faixa de Infraestrutura

Projetado para ser o mais moderno terminal de contêineres das Américas, o futuro porto que se pretende construir em Pontal do Paraná é polêmico. Seu projeto levou 20 anos para ser assumido por um governo e foi na gestão de Beto Richa (PSDB) que a chamada ‘Faixa de Infraestrutura’ para sua implantação começou a sair do papel.

A construção inclui uma estrada de 24 quilômetros (entre a PR-407 e a Ponta do Poço, em Pontal), canal de macrodrenagem, ferrovia, gasoduto e linha de transmissão de energia. As críticas, além do envio de recursos públicos (R$309 milhões) para um porto particular, são reforçadas quando se olha ao lado. O impacto ambiental causado pela construção, segundo ambientalistas, será imenso, visto que a estrada passa por uma das partes mais preservadas da Mata Atlântica no Brasil.

“Os estudos de impactos ambientais do porto e da infraestrutura de apoio identificaram mais de 140 impactos ambientais, sociais e econômicos negativos”, mostra Junior Ruiz Garcia, diretor-executivo da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, membro do Observatório de Conservação Costeira do Paraná e parceiro do Observatório de Justiça e Conservação. “O resultado desse tipo de investimento pode sim aumentar o PIB, mas será realmente que melhorará a qualidade de vida da comunidade? Será mesmo que proporcionará uma condição de desenvolvimento”, questiona Garcia.

Na lista dos impactos negativos citados no EIA/Rima estão a redução de renda dos pescadores, o aumento em problemas de segurança e prostituição, assim como trabalho infanto-juvenil, infraestrutura básica e serviços públicos insuficientes, elevação no preço de imóveis e aumento de ocupações irregulares.

Ao meio ambiente, além dos danos à flora e da supressão de 23,3 hectares de mata nativa, o estudo aponta que a estrada facilitará a introdução de espécies exóticas, a contaminação de recursos pesqueiros e a redução da água subterrânea de boa qualidade.

A falta de estudo sobre os impactos em duas comunidades indígenas no entorno fez com que Ministério Público conseguisse interromper a obra por um tempo. Na última sexta-feira (7), porém, após a apresentação do estudo e sua avaliação pela Funai, o processo de licenciamento foi autorizado e as obras podem começar a qualquer momento.

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