MPF apura adiamento de provas da Polícia Civil

Sem definição, candidatos aguardam respostas e desafiam logística financeira para voltar a Curitiba

O rastro dos transtornos deixados pelo adiamento do concurso da Polícia Civil do Paraná (PCPR) apenas algumas horas antes da aplicação das provas não para de crescer. Nesta segunda-feira (1) – oito dias após o abalo que provocou uma cisão entre a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) e o Núcleo de Concursos da UFPR (NC-UFPR), organizador do processo –, o Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR) afirma ter instaurado procedimento para apurar as circunstâncias da suspensão.

Por outro lado, ainda sem um novo cronograma, a Polícia Civil diz que as repostas tão aguardadas pelos 106 mil inscritos prejudicados só virão após conclusão da auditoria interna conduzida pelo NC – mas não disse até quando isso vai se desenrolar.

Informações sobre o futuro do concurso, contudo, não são a única preocupação dos candidatos, dos quais praticamente metade veio a Curitiba de outros Estados do país. Enquanto aguardam a retomada do processo, muitos já começam a pensar se terão condições de bancar todas as despesas para voltar à Capital paranaense em caso de retomada das provas.

“Para ir já foi um Deus nos acuda, tive que tirar recurso de onde nem podia. Se remarcarem, eu quero voltar, mas vai depender do dia e do financeiro”, desabafa Webert Freitas, 39, inscrito para uma das 300 vagas de investigador abertas pelo edital, que também previa o preenchimento de 50 vagas de delegado e outras 50 de papiloscopista.

De Betim, em Minas Gerais, Freitas enfrentou 17 horas dentro de um ônibus até Curitiba. Deixou sua casa às pressas, às vésperas do concurso – para não perder dias de trabalho, teve de aguardar a publicação do ensalamento, que, ao invés de três dias antes, só saiu no sábado (20), pouco mais de 24 horas antes do exame.  

“Saí da minha casa sete da noite de sábado, levando praticamente só garrafinha de água, e peguei o ônibus na rodoviária às oito e quarenta [da noite] para chegar depois de dezessete horas em Curitiba. Como o ensalamento foi comunicado no dia 20 e a prova seria dia 21, eu entendi como certo que teria prova. Tive que pagar ônibus mais caro porque foi de última hora, tirar recursos de onde nem poderia. Foi muito desrespeito”.

O mineiro faz parte de um grupo de candidatos que só foi saber do adiamento do processo quando chegou ao local de prova. Em frente ao portão, deparou-se com dezenas de concorrentes incrédulos com a decisão repentina, e quase não acreditou quando recebeu a notícia. Com dinheiro certo para o almoço e passagem de volta, foi mais um a lotar a rodoviária da Capital à espera do primeiro ônibus de retorno à casa.

“Foi um bate volta de Betim a Curitiba, você tem ideia do que é isso? Depois, ainda ficamos ali mofando na rodoviária. Quem tinha dinheiro comprava suco toda hora, água toda hora, o que não era o meu caso. Eu tinha dinheiro contado, levei lanche, e tinha muita gente como eu ali. A rodoviária estava lotada, como se nem tivesse pandemia”, relembra o candidato.

Ele só conseguiu vaga para voltar a Minas Gerais em um itinerário das 20h40. No ônibus, ainda temeu uma possível exposição ao vírus da Covid-19 – em um momento em que os casos da doença começaram a caminhar em direção ao pico da crise sanitária. Os números ascendentes da curva de contaminação e internação, aliás, teriam sido motivos de peso na decisão da UFPR de adiar o concurso.

Ao comunicar o adiamento, o Núcleo de Concursos justificou não haver segurança para pôr em prática os protocolos de segurança relacionados à Covid-19 aprovados pela comissão organizadora. O órgão também citou problemas de logística “inesperados e insuperáveis” como causas do adiamento.

Conforme apurou o jornalista Rogério Galindo, do Plural, escolas desistiram de servir como local de prova de última hora e termômetros para medir a temperatura dos candidatos chegaram com atraso e, ainda, sem pilhas.

“Tudo bem que é uma situação diferente, mas por que, ao invés de publicarem os locais de prova, praticamente confirmando que iria ter prova, já não cancelaram de uma vez? Estou muito frustrado e decepcionado, além de todo o prejuízo moral e material que tive”, reclama o candidato.

Diárias, gasolina e pedágio

Enquanto Freitas aguardava o ônibus de volta a Betim, Lourdes Morais, 32 anos, lamentava a viagem perdida até Curitiba. Ela e o namorado vieram de Brasília acompanhando o irmão, de 26 anos, inscrito para uma vaga de papiloscopista. Decidiram vir em grupo para revezar ao volante: foram cerca de 22 horas de viagem, desde a saída até se acomodarem em um dos poucos hotéis com vagas encontrados na madrugada de sábado.

Desde o meio da semana, os inscritos no concurso da Polícia Civil começaram a movimentar rodoviária e aeroporto e a lotar hotéis da Região Metropolitana, em um fluxo que ativou de maneira primitiva a lei da oferta e da procura. Por causa da data, uma das poucas que movimentou o setor hoteleiro da cidade desde o início da pandemia, diárias chegaram à casa dos milhares de reais.

Atentos aos preços, Lourdes e o irmão tiveram que sair em operação de caça a hospedagem antes de conseguirem se acomodar. Foram parar perto do aeroporto de São José dos Pinhais, em um hotel com opções limitadas por causa da chegada dos candidatos. Mesmo depois da longa viagem e de um sábado em volta de definições logísticas, o cansaço da véspera foi raso e curto – e o despertar, no sebressalto.

“Eu já estava dormindo meio mal, com tanta preocupação. Então eu percebi, muito cedo, a movimentação dos ônibus. Tinha uns três ônibus estacionados em frente ao hotel [de excursão de candidatos], e eu vi o pessoal entrando. Achei super estranho e pensei ‘será que todo mundo vai fazer prova tão longe do hotel que todos precisam de ônibus?’. Foi aí que entrei na internet e vi que tinham cancelado tudo”, conta a brasiliense.

As despesas da viagem não foram poucas. Com diárias, 22 passagens por pedágios, alimentação e gasolina a preço de ouro, o trio desperdiçou aproximadamente R$ 5 mil. Porém, mais que o prejuízo, reclamam do que entendem como um total descompromisso da banca responsável pelas provas.

“Se avisassem com antecedência mínima, tudo bem. Mas do  jeito que eles fizeram, ficou muito mal feito. Agora a nossa expectativa é que mudasse a organizadora, porque essa já provou que não tem capacidade de fazer um concurso deste porte. Ou então que aguardem acabar a pandemia porque a gente não tem perspectiva nenhuma de vacinação da população mais jovem, então é complicado aguardar a vacinação”, argumenta Morais.

Segundo ela, o irmão quer voltar e fazer a prova – quando confirmada. A esperança é que, até lá, a Justiça já tenha se manifestado em relação ao processo de danos materiais que pretendem ajuizar. “Para a gente interessa recuperar esse dinheiro até para poder investir em voltar a fazer o concurso, se não fica até inviável ir de novo”, comenta.

Assim como a brasiliense, Freitas, de Betim, também está se organizando para integrar um processo coletivo que vem sendo mobilizado contra os responsáveis pela prova. O adiamento em cima da hora da seleção deve provocar uma avalanche de interpelações nas esferas Administrativa e Judiciária do Paraná.

Nesta segunda, a Polícia Civil voltou a reafirmar que as infrações contratuais cometidas pelas UFPR já estão sendo analisadas sob um processo de apuração de responsabilidade. “Somente após o resultado desses procedimentos é que podemos dar informações mais precisas sobre o ocorrido e retomada do concurso”, concluiu, em nota, a PCPR.

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3 comentários em “MPF apura adiamento de provas da Polícia Civil”

  1. Eu sai do interior do Amapá, que faz fronteira com o Pará, de uma cidade chamada Laranjal do Jari. Quase 2 dias de viagem pra chegar em Curitiba. Gastei horrores e a depender da data da nova prova, talvez seja impossível de continuar com o processo. Entrarei com o processo juridico ainda essa semana pra solicitar o extorno de tudo que gastei.

  2. Italo da Rocha Oliveira

    Eu sai do interior do Amapá, que faz fronteira com o Pará, de uma cidade chamada Laranjal do Jari. Quase 2 dias de viagem pra chegar em Curitiba. Gastei horrores e a depender da data da nova prova, talvez seja impossível de continuar com o processo. Entrarei com o processo juridico ainda essa semana pra solicitar o extorno de tudo que gastei.

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