MP denuncia policial militar por homicídio

Defesa alega que houve confronto, mas versão é contestada pelo pai da vítima. Investigação do Gaeco aponta execução do jovem de 24 anos

A Justiça do Paraná começa a ouvir nesta terça-feira (21), em Curitiba, testemunhas da morte de Mike Stuart Smik, de 24 anos. O acusado é o policial militar Eli Anderson Rosa Mendes. De acordo com o Ministério Público do Paraná (MP-PR), houve “homicídio qualificado, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, combinado com agravante de abuso de poder”. Serão ouvidas 13 testemunhas, além de Mendes. Apenas no primeiro semestre de 2019, 162 pessoas foram mortas em confrontos com policiais no Estado.

Mike Smik foi morto em 20 de maio de 2017, no bairro Santa Cândida, na capital. Ele foi atingido por três tiros, sendo um no braço, um abaixo da orelha e outro na nuca. O policial alegou confronto, mas o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-PR, contesta esta versão.

Tudo teria começado com o roubo de um HB20, pertencente à irmã de Eli. O veículo teria sido anunciado em um site de vendas conhecido como “OLX da Favela”. O PM teria descoberto e marcado um encontro para ver o carro. “Ele não revelou quem era, foi à paisana, levou um cunhado, mas avisou no grupo do whatts de PMs que estava indo para situação. Então, outros cinco policiais, com armas da corporação, num veículo particular, fora do horário de serviço, vão fazer a abordagem, na qual alegam troca de tiros”, afirma o promotor Alexandre Ramalho de Farias.

Quatro jovens estavam no local: um fugiu, um ficou ferido nas costas e outro foi preso, ambos do lado de fora do carro, um Peugot 307, de propriedade de um deles. Mike morreu no banco do carona. “Não tem materialidade da troca de tiros, não tem veículo nenhum acertado, a não ser a versão dos policiais”, diz o promotor. “O confronto balístico foi positivo e provou que o tiro partiu da arma do Eli”, revela Farias.

“A polícia também mata”

A versão do Ministério Público é reforçada pelo pai de Mike, Paulo Smik. “Eles organizaram um encontro, se juntaram, como uma milícia, para fazer justiça com as próprias mãos ou para matar. Nenhum deles estava em trabalho, nenhum era P2 ou do serviço de inteligência, nenhum estava de farda nem de carro oficial. Também não avisaram o comando sobre a situação. Simplesmente foram e resolveram.”

Para Smik, a versão de confronto não existe. “Se foi um confronto, por que só o Eli atirou?”, questiona Smik. “Ele alega que enxergou uma arma com meu filho, há seis metros de distância, e atirou duas vezes na cabeça dele, uma no braço e uma nas costas do outro rapaz.”

O pai ainda aponta o sumiço de óculos de sol e uma corrente de ouro que o filho usava no dia da morte. “Há fotos e vídeo que mostram Mike com o colar e com os óculos no colo. Mas nenhum deles apareceu nem na delegacia, nem no IML, nem na criminalística.”

Segundo Paulo, Mike não participou do roubo, só acompanhava os amigos, pois achou que o carro era um “pizera” (veículo financiado e com dívidas). Com passagem pela polícia por briga de torcida e uso de maconha, “ele trabalhava numa empresa que fabrica madeiras, mas foi demitido há três meses e estava procurando emprego”.

Agora, a família tenta seguir em frente, mesmo sem acreditar na justiça. “A mãe do Mike toma oito medicamentos pra depressão e muitos já me disseram pra deixar isso pra lá, que ainda tenho outros filhos pra criar. Mas se eu não fosse atrás, a morte do Mike já teria sido esquecida.”

Questionado se teme represálias, Paulo afirma que sim. “Ando olhando pra todos os lados, não tenho horário, vivo isolado, sem vida social, tenho medo e uma tristeza profunda”, assume, lembrando que a versão oficial dada à imprensa foi de que “a polícia matou mais um vagabundo num confronto e que ele tinha que morrer”, fala, com a voz embargada.

“Eu não durmo, vivo como um zumbi. Tem a revolta, a ira, o sofrimento, a tristeza, mas tem também a necessidade de que isso mude. É preciso mudar a conivência do Estado, dos agentes de segurança pública, que permitem isso, pois têm o poder pra mudar”, acredita. “A polícia também mata.”

Defesa sustenta confronto

O advogado de Eli, Jeffrey Chiquini, reforça a versão da defesa de que houve um confronto. Confirma que os policiais estavam de folga e em carros particulares, mas teriam se identificado e dado voz de prisão, quando houve troca de tiros.  

“Eles assaltaram com capuz e arma de fogo a irmã de um policial e no dia seguinte ofereceram o veículo roubado por R$ 2,5 mil na internet. Segundo um dos comparsas presos, Mike anunciou o carro e participou do crime”, aponta o advogado.

Chiquini conta que o policial irmão da vítima não é Eli, mas sim um amigo de farda do PM, que esteve no local, em outro carro, com mais policiais, apenas para “dar apoio” ao colega.

Quando chegaram para ver o carro anunciado, os jovens teriam dito que ele estava em um prédio e pediram para que todos fossem até lá. Neste momento, um Palio parou na frente do carro (uma Saveiro) e dois homens teriam descido com as mãos na cintura, por dentro da camisa. Foi quando, segundo o advogado, os policiais que faziam a escolta com Eli realizaram a abordagem. “Eles não estavam fardados, mas estavam com o brasão da PM, colete à prova de bala e desceram dizendo que eram da polícia.”

Para fugir, os rapazes teriam atirado nos policiais. “Se fosse uma execução, eles não estariam com a cara limpa, naquele horário, 11h, em um bairro movimentado com muitas câmaras, caracterizados com colete balístico, distintivo no peito. Foram lá pra prender, tanto que só o Mike morreu. Os que se renderam foram presos e não morreram.”

Mike teria morrido porque apontou uma arma para os policiais durante a abordagem. “Mendes (Eli), que estava do lado esquerdo, tinha uma visão privilegiada e viu o Mike levando a arma nas costas de um policial, que estava correndo atrás dos indivíduos do Palio. Ele ia matar o policial pelas costas. O Mendes consegue ver e atira do lado esquerdo para o direito, e acerta o Mike”, assegura o advogado.

Para Chiquini, o grande erro do MP está em dizer que o tiro foi dado do lado direito. “Têm câmeras no local e não existe filmagem dos policiais jogando arma. O Mike e os comparsas estavam armados com um revólver 38, por isso não há cápsulas deflagradas. Não sabemos porque o Eli está sendo processado. Esse processo é um grande erro. É uma aventura pro MP. E todas as provas a nosso favor já estão no processo, apresentadas pelo próprio MP”, garante.

“Se os criminosos são coitadinhos, porque estavam em dois carros com quatro pessoas? Todos eles têm uma longa ficha criminal, com passagens por roubo com arma de fogo, tráfico de drogas e até tentativa de homicídio. Nos compadecemos pela situação da família, mas pai e mãe não têm culpa pelos crimes praticados pelos filhos”, conclui Chiquini.

Serviços administrativos

Procurado pelo Plural, o comando da Polícia Militar não informou há quanto tempo Eli está na corporação nem em qual batalhão atuava. Disse apenas, em nota, que “o policial militar citado na reportagem está afastado das atividades operacionais e, atualmente, presta serviços administrativos na unidade até a completa apuração da denúncia que pesa ao militar estadual”.

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