Metade do mês sem água, mas a conta não baixa

Consumidores chegam a ficar 50h sem abastecimento e valor da tarifa se mantém

A professora Vanessa de Freitas Pontes mora em Araucária, no bairro Palmital, que apesar de ficar a cinco minutos da região central da cidade, não tem saneamento básico. Junto com ela vivem o marido, as filhas – de dois e sete anos – e mais um pet. Com duas crianças em casa, a necessidade de ter água é maior, mas desde que a Sanepar começou a fazer rodízio, ela convive com a incerteza.

“O horário do rodízio não tem sido respeitado. Era pra eles cortarem a água às 16h, aí ficaríamos um dia inteiro sem e ela voltaria às 4h. Mas o que acontece, na prática, é que às 10h do dia do corte eu já não tenho mais água. E o retorno só ocorre quando faço a ligação para o 0800 da Sanepar”, conta. “Ou seja: era pra voltar às 4h, mas quando acordo, às 7h, ainda não voltou. Aí eu ligo lá e demora mais umas cinco horas. Já virou rotina. Se eu não ligar, não volta.”

Dia desses, ela chegou a ficar 50 horas seguidas sem água. E a falta não reflete no valor da conta, que não diminuiu em comparação com o ano passado. “Não tem como eu ficar sem água praticamente 15 dias no mês e gastar a mesma coisa. Antes eu consumia mais, lavava a calçada e lavava o carro uma vez por semana. Agora eu faço a minha parte, economizo, mas pago a mesma coisa. É um descaso muito grande.”

Para minimizar o impacto, ela, que já tinha um reservatório de mil litros, comprou mais uma caixa d’água. “Ela me custou R$ 150 + R$ 25 de frete, um gasto que não estava previsto, mas foi o jeito. Porque eu não tenho mais certeza de quando a água acaba e nem de quando ela volta.”

Sem pressão

A representante comercial Juliane Garcia Duarte também está sofrendo com a falta de água prolongada, mas por um motivo diferente. Ela mora com o marido em um triplex no bairro Cajuru, em Curitiba, e a falta de pressão tem deixado a caixa d’água dela vazia por mais tempo do que o previsto. E a redução no valor da conta é modesta: cerca de R$ 20.

“Estamos com problemas desde o começo do ano. Já abri milhares de reclamações na Sanepar, na Agepar, no Reclame Aqui… Nada resolve”, lamenta. “Antes de começar o racionamento, a gente já tinha muita falta d’água aqui no bairro, e só ficava sabendo quando acabava, porque eles não informavam no site nem nada. Hoje, eles informam quando vai faltar, mas na minha casa ela volta sem pressão.”

A falta de pressão é uma situação nova. “Nesses quase 20 anos que vivo aqui, nunca tive problema da água não conseguir chegar na caixa d’água. Agora isso acontece. Quando eu reclamo, eles dizem que preciso ter cisterna em casa. Mas não, eu não preciso, não é a minha casa que tem problemas. Eu orcei e sairia quase R$ 5 mil. A pressão deles é que está ruim e eu tenho que ser prejudicada?”, questiona.

O problema maior é que o marido dela trabalha em uma UTI, em contato com pacientes com Covid-19. “Quando ele volta do hospital, precisa tomar banho, mas está complicado. Se eles soltam a água num só dia, custa soltar com pressão? A gente já se preocupa nos dias que não tem água, agora mais isso?”

Direito do consumidor

Relatos como os de Vanessa e Juliane são comuns e aparecem aos montes no Consumidor.gov, canal de reclamações recomendado pelo Procon. Nos últimos seis meses, foram 1.525 reclamações finalizadas em todo o Paraná, com índice de 77,8% de solução. O tempo médio para obter uma resposta da empresa é de uma semana.

“A Sanepar imputa aos consumidores uma cobrança de tarifa mínima porque ela presta um mínimo de metragem cúbica, então ela tem o dever de garantir essa metragem cúbica porque isso faz parte do contrato”, esclarece Charles Emmanuel Parchen, advogado, professor e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR. “Se nós estamos partindo do pressuposto de que, em tempos de racionamento, ela não fornece a metragem mínima, ela não pode cobrar por isso. Ela tem que cobrar só aquilo que efetivamente entrega”, avalia.

Segundo o profissional, quando a Sanepar não entrega o que prometeu, está sendo inadimplente e infringindo normas contratuais. “Portanto, prestando um mau serviço. E o Código de Defesa do Consumidor pune o fornecedor que presta mal o seu serviço. Até porque, com essa história de fornecer menos metragens cúbicas e cobrar pela tarifa cheia, a Sanepar está enriquecendo às custas do consumidor.”

Mesmo quando há o consumo mínimo, o consumidor pode discutir seus direitos na Justiça, caso constate irregularidade. “A Sanepar não pode cobrar pelos dias de água que não forneceu. A desproporção pode estar acontecendo, por exemplo, em cobrar o mesmo que cobrava antes do racionamento. Aí a gente consegue perceber que tem alguma coisa errada. E se o consumidor tem prejuízo com a falta de fornecimento da água, ele tem o direito de discutir essa questão.”

Outro ponto importante é que o risco da atividade é integral do fornecedor. Ou seja: ele não pode ser repassado ao consumidor. “Essa onerosidade precisa ser revista na forma de ações judiciais ou na intervenção dos órgãos de proteção ao consumidor, que podem mover ações coletivas visando a adequação da situação.”

Resposta da Sanepar

Em nota, a empresa não deu resposta sobre os relatos de Vanessa e Juliane. Apenas disse que o sistema de rodízio prevê 36 horas de desabastecimento (24 horas com o registro fechado mais 12 horas de restabelecimento) considerando variáveis como distância do ponto da rede em relação ao centro de reservação e topografia do imóvel.

“Além disso, a realização de obras de manutenção de rede na região também pode interferir. Os clientes que identificarem situações emergenciais devem entrar em contato pelo 0800-200-0115 ou pelo site www.sanepar.com.br (em atendimento ao cliente).”

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