Medo de pais (e professores) negacionistas incomoda comunidade escolar

Pais que resistem a máscaras e isolamento social colocam em risco a segurança na volta às aulas

“Pensar que os filhos de gente maluca nesse nível podem estar entre as nossas crianças”, diz uma mãe ao compartilhar uma foto de uma festa cheia de gente aglomerada em plena pandemia. O medo é que os filhos convivam no dia a dia com os filhos de pessoas menos preocupadas e interessadas em aderir aos protocolos de segurança.

Isso porque muito embora a maioria das medidas sejam individuais (usar máscara, lavar as mãos, fazer distanciamento social), o risco está no grupo. “E se um pai não informa que há suspeita da doença na família?”, questiona outra mãe em conversa com o Plural.

A adesão ao uso correto da máscara e a própria disposição das famílias em evitar situações de risco e a exposição da criança ao risco de infecção dependem diretamente da relação dos pais ou responsáveis com a pandemia.

O risco de contaminação nas escolas foi alvo de análise do Unicef, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o CDC (órgão americano de saúde pública). As três instituições chegaram a conclusões semelhantes:

  • o fechamento das escolas reduziu o número de contágios em menor proporção que outras medidas
  • as escolas abertas raramente se tornam foco de surtos, exceto em casos em que não há medidas de prevenção
  • crianças que frequentavam a escola e foram contaminadas adquiriram a doença na maioria das vezes em casa
  • infecções ocorridas na escola tiveram como origem os adultos

Em resumo, os resultados até aqui indicam que a escola é segura, desde que a comunidade escola se mantenham seguros, evitem aglomerações, usem máscara e façam higiene constante. Para a OMS há ainda uma outra consideração a fazer: o risco na escola é menor se o índice de transmissão na região for baixo. Mas dá para confiar? Várias mães ouvidas pelo Plural foram unânimes: não.

Recomendação do CDC com base em revisão de estudos sobre transmissão de Covid-19 em escolas do ciclo básico.

Informação

Um questionário que deve ser respondido diariamente por pais é uma das principais medidas tomadas pelas escolas. Nele, o responsável pela criança deve informar a presença de sintomas e o contato com casos de Covid-19 confirmado. Dependendo das respostas o aluno pode se tornar um caso suspeito, o que exige o isolamento imediato do grupo de convívio (inclusive professores e funcionários) por dez dias.

Documentação técnica fala em contato com caso suspeito ou confirmado, mas o checklist disponibilizado pela prefeitura cita apenas caso confirmado. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde.

O alerta precoce de possíveis infecções pode reduzir o número de dias de suspensão das aulas assim como o risco de surtos na escola. Uma vez alertada, a escola precisa encaminhar o caso suspeito para exame PCR na rede pública ou privada de saúde. Um resultado negativo pode, em teoria, indicar o retorno das aulas mesmo antes dos dez dias, muito embora isto não esteja explícito no protocolo divulgado pela SMS.

Mas não está claro como as escolas terão acesso ao resultado destes exames. E qual informação será apresentada aos pais de outros alunos. O mesmo acontece com professores e funcionários, que precisam preencher o mesmo check-list e, caso suspeito de contaminação, se submeter ao exame. Além disso, escolas privadas são naturalmente pouco inclinadas a estimular o diálogo e o consenso entre pais de alunos.

Pais são chamados a assinar um termo de compromisso individual, mas não sabem em que medida outros pais assinaram ou mesmo vão aderir as medidas propostas.

Sem informações precisas, a escola vai acabar agindo só caso a criança (ou funcionário) apresente sintomas em sala. Neste caso, a pessoa deverá ser isolada, os pais alertados e o distrito sanitário notificado. É considerado caso suspeito aquele que tiver febre e/ou sintomas respiratórios agudo (falta de ar, tosse, coriza, congestão nasal, dor de garganta, perda de olfato e/ou paladar).

Responsabilidade no caso de identificação de caso suspeito. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde.

O problema é que há indícios de que casos de Covid-19 em crianças sejam em grande parte assintomáticos. Em um estudo realizado em Alberta, Canadá, entre um grupo de crianças contaminadas, 35% não tiveram sintomas. Segundo a OMS crianças de todas idades podem contrair e disseminar o vírus, mas o papel delas na transmissão comunitária ainda não está claro.

Outro agravante é que as crianças ainda não devem ser vacinadas tão cedo. As vacinas aprovadas e aplicadas até agora só foram testadas em adultos. E os ensaios clínicos com menores de 18 anos estão só começando.

Com isso em mente, o que fica claro para pais confusos sobre mandar ou não os filhos de volta a escola é que a pandemia de Covid-19 é um problema comunitário. E vai ser difícil de enfrentá-la com soluções individuais.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Medo de pais (e professores) negacionistas incomoda comunidade escolar”

  1. Cara Rosiane,

    Reconhecendo, mais uma vez, que o Plural tem feito em excelente trabalho com relação a informar a comunidade e a trazer debates relevantes, acredito ser oportuno chamar a atenção para dois pontos:

    1- As quatro conclusões listadas acima vem sendo sistematicamente contestadas, particularmente, desde o final de 2020.

    Há fortes evidências, por exemplo, de que as crianças são tão suscetíveis a contrair a doença quanto os adultos. É verdade que as crianças têm mais propensão de serem assintomáticas, porém, elas participam dos processos de transmissão (equivalentemente aos adultos). O fato de serem assintomáticas produziu um “bias” em alguns estudos e isto precisa ser revisto com urgência. Inclusive, é altamente questionável a noção de que infecções em escolas teriam tido sua origem majoritariamente em adultos (de fato, há indícios de que crianças não foram testadas – porque assintomáticas -, mas que eram, sim, parte da cadeia de contaminação).

    Há um texto interessante que sustenta a hipótese de que a abertura de escolas poderia estar associada às segunda onda (na Europa e no Canadá). Vide:

    https://twitter.com/DrZoeHyde/status/1336612124835995648?s=19

    Nota: coloco-me à disposição para colaborar com vocês, caso lhes interesse destrinchar o assunto (a leitura dos artigos exige mais do que consigo listar neste texto breve).

    A propósito, a “compreensão” dos processos relacionados à Covid-19 “está sendo”, ou seja, há novidades constantes. Por exemplo, a revista Nature publicou ontem editorial instando a OMS a atualizar o entendimento de que o vírus se transmite pelo ar (https://www.nature.com/articles/d41586-021-00277-8). Isso não significa que a OMS estaria “errada”, mas que é necessária uma atualização.
    A questão das escolas tem a ver com isso: é preciso nos atualizarmos.

    2- O segundo ponto – e, talvez, mais preocupante – diz respeito aos efeitos da Covid-19 em crianças e adolescentes. Há um grupo muito atuante no Reino Unido (https://www.longcovidkids.org/) que tem realizado amplo trabalho de divulgação da Covid Persistente e o quanto as sequelas da doença afetam as crianças que contraem o vírus (mesmo quando não apresentam sintomas, de início). Ademais, existe também o risco da Síndrome Inflamatória Multissistêmica (o próprio CDC tem uma página especial para o tema). O risco para as crianças é enorme!

    Resumindo, a reabertura das escolas está se dando SEM que nossa comunidade tenha todas as informações necessárias para tomar decisões de forma embasada. O debate conduziu a (mais) uma polarização (“contra” x “a favor”) – e a prefeitura e o governo se limitaram à frieza dos decretos e protocolos. A comunidade está refém de políticos que agem de modo calculista.

    Lamentavelmentee, dada a complexidade (científica, social) da situação, é muito difícil qualificar o debate. Aqui em Curitiba, seria enriquecedor intensificar parcerias entre jornalistas, cientistas, universidades e escolas.

    Ainda que fossem apenas “incertezas”, as questões abordadas acima já seriam justificativa suficiente para que as escolas, a prefeitura e o governo suspendessem o retorno presencial, até que houvesse maior clareza dos verdadeiros riscos e das possíveis consequências.

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