Medidas contra Covid-19 chegam tarde e março ainda será “difícil” no PR

Restrições anunciadas pelo Governo levarão semanas para aliviar hospitais, avaliam médicos

Na esteira do catastrófico quadro emoldurado pelos indicadores recordes da pandemia do coronavírus, que já fizeram deste começo de ano o período mais letal até agora, o Paraná decretou a suspensão de aulas e de atividades consideradas não essenciais pelos próximos sete dias, válido a partir deste sábado (27). O pacote de medidas é o primeiro de perfil mais rígido adotado no Estado desde o início da crise, há quase um ano. Mas na avaliação de médicos, mesmo que extremamente necessária, a reposta do governo ao caos veio tarde, com menos força do que deveria e, consequentemente, seus primeiros reflexos não devem chegar a tempo de trazer alívio aos paranaenses já em março.  

“São medidas necessárias para este momento, apesar de tardias. As restrições de alguns setores colocadas até o dia 8 de março são compreensíveis do ponto de vista que vai ser feita uma reavaliação, mas já é possível adiantar que não será possível uma avaliação de impacto em tão curto espaço de tempo”, pondera Bernardo Almeida Montesanti, infectologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR).

“O que temos hoje representa uma tendência de transmissibilidade que ocorreu nas últimas três, quatro semanas. E assim como estamos sentindo hoje a repercussão de semanas atrás, o efeito destas medidas também vai ser sentido só daqui a algumas semanas, e vão ser semanas bem complicadas”, diz.

A observação do infectologista converge com a avaliação da psiquiatra e especialista em Medicina da Família e Comunidade Claudia Paola Aguilar. Segundo a profissional, diretora do Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná (Simepar), o pico que o Estado atinge neste momento preocupa porque é praticamente impossível expandir o sistema de atendimento na mesma proporção.

“Não se trata apenas de aumentar o número de leitos. Sabemos que já tem um desgaste muito grande dos profissionais de linha de frente e chegamos neste momento com uma falta de profissionais capacitados para trabalhar”, argumenta a médica, em referência ao anúncio da equipe de Ratinho Jr. (PSD) de criar novos 252 leitos nos próximos dias. “Não adianta, desse jeito, abrir vagas. Eu acho que eram medidas necessárias, mas que vieram tarde e ainda insuficientes”, acrescenta Aguilar.

Por isso, os prognósticos de semanas bastante difíceis se mantêm, impulsionados pelas taxas que não param de crescer. Há cerca de dez dias, com o descontrole de novos casos, o Paraná voltou a acumular recordes. Nesta quinta-feira (25), dia em que o Estado atingiu o maior número de internados em toda a sua rede hospitalar, com 3.376 pessoas sob tratamento, a fila de espera por vagas em leitos de enfermaria e UTI disparou. Passou de 380 para 441 no fim do dia e chegou ao extremo de 578 na manhã desta sexta.

Pior momento

O quadro é o pior da pandemia até agora. “A verdade hoje é que estamos no pior momento nesse um ano de enfrentamento da pandemia”, afirmou o governador durante a coletiva de imprensa desta sexta.

De fato. Somente nestes dois primeiros meses do ano, 3.396 pessoas morreram em todo o Estado, número que representa 30% do total de óbitos atestados até agora. A proporção se repete no mapa das taxas de contaminação. De acordo com indicadores da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), 215.587, ou seja, um terço dos cerca de 670 mil casos de Covid-19 confirmados até o momento se concentraram apenas entre janeiro e fevereiro. Ao longo da pandemia, o Paraná só foi superar a barreira de 215 mil infectados em 6 de novembro, quase sete meses depois da primeira confirmação.

Em Curitiba, onde só nesta quarta a Prefeitura decidiu voltar com novas restrições, a situação não é menos angustiante. Os dois primeiros meses de 2021 já acumulam 27.648 infectados por Covid-19, o que equivale a 20% de todos os casos contabilizados até esta quinta (25). Por aqui, a marca de 27 mil infectados foi atingida após cinco meses do começo da pandemia.

“A gente já sabia que chegaria nisso desde o Réveillon, do Carnaval, com várias pessoas viajando e se aglomerando. Todos sabiam o que ia acontecer e isso foi uma tragédia anunciada. Agora estamos com uma taxa de contágio muito maior e com profissionais exaustos, há um ano trabalhando nisso. Parece uma realidade distópica”, desabafa a diretora do Simepar.

Questionável

Na esteira do colapso, o decreto de Ratinho Jr. fecha por oito dias seguidos serviços considerados não essenciais, como shoppings, bares, restaurantes e comércio de rua. Igrejas terão de fazer celebrações on-line. A Educação – que virou atividade essencial depois de uma apreciação acelerada entre os deputados – também para. A circulação de pessoas em vias públicas, assim como a venda de bebidas alcoólicas, fica proibida em todos os municípios paranaenses das 20h às 5h.

O documento mantém a normalidade dos serviços industriais e de estabelecimentos considerados de primeira necessidade, como supermercados e lojas de produtos veterinários. O transporte público, considerado atividade essencial, será mantido em fluxo regular, com lotação de até 70% – embora durante toda a pandemia, em especial nos últimos dias, enquanto os índices de Covid-19 disparavam, não tenham faltado denúncias de ônibus e terminais lotados em Curitiba.

Para o infectologista do HC, embora tardias, as restrições são importantes. De uma forma geral, a síntese do decreto condiz com estudos da área médica que apontam para restaurantes, bares, cafés, igrejas e academias como os estabelecimentos mais propícios aos chamados eventos de superspreader (superespalhadores, em tradução livre).

Festas e aglomerações foram constantes nas últimas semanas. Foto: Plural.jor

“As medidas estão certas. Provavelmente haverá impacto positivo, apesar de tardio. E quando eu digo tardio, não é, necessariamente, que essas mesmas medidas deveriam ser tomadas precocemente. Até poderiam, mas o fato é que a gente não ouviu os órgãos públicos se posicionando contra a dinâmica epidemiológica do vírus. Parecia que estava tudo ok”, argumenta Montesanti.

Segundo ele, o novo pico de casos atingido pelo Paraná está diretamente relacionado a uma sucessão de erros que se repetem – e não só no Estado.

Um dos fatores tem a ver com o uso da taxa de ocupação hospitalar como “termômetro” para medir a disseminação do vírus. Neste sentido, antes mesmo da lotação em UTIs e enfermarias,  o número de casos e os indicadores de positivação dos exames de contaminação por Sars-Cov-2 já sinalizavam o aumento significativo dos registros. No caso do Paraná, este índice passou de 30% para 40% nas últimas semanas, adiantando a chegada da avalanche.

Outra explicação que ajuda a entender a atual e dramática ascensão da pandemia é a criação de patamares aceitáveis de circulação do vírus – algo praticável em vários países. A lógica diminui o intervalo entre a queda e a elevação de infecções e faz com que a ocupação nos hospitais se mantenha sempre alta, na casa dos 70% e 80%. Assim, a subida das curvas nos gráficos atinge o ponto de colapso muito mais rapidamente.

“Na verdade, diferentes métodos têm sido usados entre os países, mas o principal erro, da maior parte dos países no enfrentamento da pandemia, se tiver que apontar um, foi ter optado pela chamado mitigação. A opção deveria ser a supressão, fazer com que o vírus não circulasse em patamares aceitáveis”, explica o médico. “Não é só no pico que a gente deve tomar à frente de ações, mas as quedas merecem também a presença tanto da mídia quanto dos governantes no sentido de tentar fazer com que a população mantenha o cuidado”, avalia o infectologista.

Novas variantes

No pronunciamento desta manhã, Ratinho Jr. e o secretário de Estado da Saúde, Beto Preto, também destacaram a circulação da nova variante do coronavírus, a P1, como uma das causas da crise sanitária enfrentada pelo Estado. Em todo o Paraná, já são 22 casos da mutação viral, 19 delas na Grande Curitiba.

“Todos estão sentindo que esta nova variação do vírus veio com muita força.  O crescimento dos últimos 15 dias foi algo anormal nesse último ano que estamos monitorando”, frisou o governador.

De acordo com Montesanti, no entanto, a relação ainda não tem força. Para o médico, os números que voltaram a pressionar o Paraná são resultado, sobretudo, do aumento da mobilidade e das interações interpessoais, uma vez que a variante de Manaus ainda não foi detectada em proporção significativa no Estado e, consequentemente, ainda não exerce influência na dinâmica epidemiológica da região.

“Há uma expectativa de que vamos fazer um novo pico, entrando nesse ciclo de altas, talvez daqui a quatro ou seis semanas. Vai ser um período muito difícil até lá. E vamos, depois, entrar em declínio e aí, sim, vamos começar a sentir o efeito das novas variantes. É bem provável que a gente faça ainda outra onda no decorrer dos próximos meses”, conclui o infectologista.

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