Médicos se preocupam com repercussão de opiniões de Bolsonaro

Voltar à atividade normal em menos de um mês, segundo infectologista, pode ser atitude precipitada

Preocupada com a repercussão do pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na última terça-feira, que pedia à população para voltar à normalidade e dizia não haver motivo para manter as escolas fechadas, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) emitiu nota dizendo que “quando a COVID-19 chega à fase de franca disseminação comunitária, a maior restrição social, com fechamento do comércio e da indústria não essencial, se impõe. Por isso, ela está sendo tomada em países europeus desenvolvidos e nos Estados Unidos da América.”

Para o presidente da SBI, Dr. Clóvis Arns da Cunha, a fala do presidente pode levar a população a entender que o que está sendo feito é inadequado. As medidas de restrição estabelecidas pelo Ministério da Saúde foram tomadas após deliberação de especialistas da área da saúde e são necessárias para evitar quadros semelhantes aos da Itália, Espanha e Estados Unidos. “A preocupação é que o presidente tenha dado a entender que as medidas de contenção social não são necessárias. Principalmente para quem entra na fase de transmissão comunitária, como São Paulo e Rio de Janeiro, [a contenção] é realmente o que vai fazer diferença lá na frente”, alerta Cunha. Ele explica, ainda, que o fechamento das escolas é necessário, pois as crianças infectadas, mesmo que com sintomas leves, podem passar o vírus aos seus avós e outras pessoas imunossuprimidas. Para o jovem, a contaminação pode passar despercebida, mas para o idoso, pode ser fatal.

Voltar à atividade normal em menos de um mês, segundo o médico, pode ser uma atitude precipitada. A liberação do funcionamento das escolas e a volta dos jovens ao trabalho só deve ser determinada quando houver dados que mostrem um achatamento ou diminuição da curva de infecção. Ou seja, somente quando as secretarias municipais e estaduais de saúde tiverem condições de conhecer a epidemiologia local, fazendo testes para saber se os pacientes com sintomas de resfriado ou gripe estão infectados com o Covid-19, poderá se pensar em isolamento vertical. “Só testes diagnósticos permitiriam fazer uma fotografia epidemiológica e tomar atitudes, e eventualmente voltar à vida mais perto do normal em algumas regiões”, diz Cunha.

O fato do Brasil estar cerca de 3 a 4 semanas “atrasado”, em termos de contaminação, em relação aos EUA e à Europa dá ao país uma grande vantagem. O infectologista diz que devemos aproveitar a experiência dos europeus e dos americanos para fazer o que deu certo e deixar de fazer o que deu errado. Segundo ele, o número de mortos pelo novo coronavírus na Itália tem sido alto não apenas pelas condições climáticas e demográficas do país, mas também, provavelmente, pela demora em reconhecer que estava “em franca epidemia de transmissão comunitária.” A Alemanha – que também passava pelo inverno europeu, mas que acompanhou mais de perto o aumento dos casos de internamento no país – tem um índice de letalidade muito menor.

O descaso de Bolsonaro frente ao vírus, se referindo à pandemia como um “resfriadinho”, também preocupa os infectologistas: “Ele pode dar a entender que é uma infecção sem maior gravidade. A letalidade é, de fato, muito mais comum em idosos que têm outras doenças, mas temos casos de jovens internados com pneumonia e hipoxemia. São pacientes que precisam de oxigênio e três ou quatro dias de internamento. Do ponto de vista médico-científico, a gente não pode comparar o Covid-19 com um resfriado, esse sim, de baixíssima letalidade”, afirma o presidente da SBI.

A quem pensou em afrouxar o isolamento, após o pronunciamento do presidente, Cunha faz um pedido: confiem nas medidas de isolamento respiratório domiciliar. “O que está acontecendo na Espanha, na Itália, e começou a acontecer nos últimos dias em Nova Iorque, nunca nenhum de nós viu. É a maior pandemia da nossa história recente. Nenhum de nós estava aqui na gripe espanhola, que aconteceu de 1918 a 1920. Naquela ocasião, até o Presidente da República, Rodrigues Alves, morreu. Não vivemos essa pandemia. Pra nossa geração, essa [o coronavírus] é a pior pandemia. É importante que a população confie nestas medidas. Estamos muito preocupados com o impacto social, só que se não tomarmos essa atitude agora, mais tarde vai ser pior e o tempo de isolamento terá que ser maior ainda”, conclui o médico.

Curitiba

São Paulo e Rio de Janeiro, por serem cidades bastante populosas e terem grande fluxo de turistas, tornaram-se foco de disseminação do vírus. Curitiba e as outras capitais, de modo geral, ainda têm a oportunidade de evitar um aumento na curva de infecção. Segundo Cunha, “temos uma chance única de ser confiantes nessas medidas. Talvez, graças ao fechamento de quase tudo que não é essencial, vamos evitar que outras cidades tenham a mesma situação que São Paulo está vivendo hoje, tendo que tomar medidas mais drásticas de restrição social.”

O presidente da SBI Acredita que o Paraná pode surpreender positivamente no quadro de contaminação graças às medidas de isolamento. “Estou confiante que talvez a gente não chegue ao pico de 30 mil [infectados] em poucas semanas. Essa era a expectativa para o Paraná se as medidas de diminuir a aglomeração de pessoas não fossem tomadas. Talvez a gente possa chegar num número menor.”

Em uma semana, é provável que as autoridades tenham mais informações sobre a eficácia das medidas de contenção, já que o período de incubação do vírus – o tempo entre o contato com o vírus e o aparecimento dos primeiros sintomas – é de quatro ou cinco dias. “A partir do momento que Curitiba não tiver mais novos casos há duas semanas, por exemplo, se libera parte das escolas. É importante acompanhar para não ter uma segunda onda. Por isso, a volta tem que ser gradativa e baseada em dados epidemiológicos”, ressalta Cunha.

Cloroquina

Com relação à cloroquina, medicamento em que o presidente parece apostar todas as suas fichas para resolver a pandemia, a SBI faz uma ressalva. A droga mostrou, em testes laboratoriais, que tem potencial de ser útil contra o vírus. Os testes realizados em pacientes, no entanto, não revelam muita coisa. O pequeno número de pacientes testados e a ausência de randomização – quando o computador escolhe aleatoriamente quem vai receber a droga e quem vai receber o placebo – tornam o trabalho fraco, sem peso científico. A entidade alerta que medicamentos, quando não analisados, testados e aprovados, podem causar mais danos que benefícios.

Uma outra droga com ação anti-viral está sendo testada por um médico brasileiro nos EUA. O estudo já incluiu 40 dos primeiros 100 pacientes programados e expectativa é de que o primeiro resultado preliminar dos testes com o Remdesivir estejam disponíveis em 10 a 14 dias.

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