Médicos cubanos voltam a atender pelo SUS

Profissionais vão atuar na linha de frente do combate ao coronavírus e começam a trabalhar no Paraná em uma semana

Profissionais cubanos que residem no Brasil e participam do programa Mais Médicos, do governo federal, voltarão a atender nas Unidades Básicas de Saúde nos mesmos 50 municípios onde atuavam. Eles serão readmitidos e atenderão pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dos 458 profissionais cubanos desligados do programa no Paraná – em novembro de 2018 – somente 81 serão readmitidos. Mais 20 médicos, de outras nacionalidades, também retornarão à Rede Pública de Saúde do Estado, na próxima semana, para combater o coronavírus.

As cidades que receberão o maior número de médicos cubanos serão Ponta Grossa (6) e Morretes (5). Curitiba abriu três vagas (veja tabela completa abaixo). Os dados são da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). As contratações são para repor a falta de médicos nos municípios integrantes no programa. Por conta da pandemia, independente do índice socioeconômico, todas as cidades inscritas receberão os profissionais. O chamamento foi publicado em 26 de maio. A lista com os nomes saiu dias antes.

“O programa não acabou ainda por conta da pressão dos municípios. Ele é tão necessário e bem avaliado, porque melhorou indicadores de acompanhamento, indicadores de mortalidade infantil, de atenção à Saúde nos pequenos municípios, em zonas rurais e distritos indígenas. A eficácia dele já é muito estudada ao longo desses sete anos”, explica o médico pediatra, professor do Departamento de Saúde da UFPR e tutor do Programa Mais Médicos, Deivisson Vianna.

Ele ressalta que existem municípios que dependem exclusivamente do Mais Médicos, como Ponta Grossa. “As vagas sempre foram oferecidas primeiro aos [médicos] brasileiros. Então, esse discurso nacionalista, ele não tem razão de ser. A gente só deixava para os estrangeiros as vagas que os brasileiros não queriam. É garantido em lei. E, infelizmente, [o programa] não está sendo mais apoiado, como era nos governos anteriores.”

Apesar da eficácia comprovada, o projeto é visto com receio por uma parcela da sociedade e pelos Conselhos Regionais de Medicina do Brasil, contrários à contratação de médicos estrangeiros que não tenham o diploma reconhecido no país. O exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Educação de Instituição Superior Estrangeira (Revalida) tem duas etapas: escrita e prática. Porém, desde 2017, a avaliação não é realizada.

Vianna descreve a situação como “um dos piores cenários”, já que traz ao médico estrangeiro um sentimento de angústia. “Ele [médico] fica esperando, mas não sabe bem o que fazer porque há uma norma aprovada do Revalida, porém o governo federal não publicou nenhuma portaria que normatize isso.”

Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) reitera sua posição de que “médicos devem estar devidamente inscritos no Conselho de Classe para o exercício da profissão, de modo a responder eticamente por seus atos. Assim, independentemente de sua nacionalidade e local de graduação, o profissional deve dispor da revalidação de diploma. Esta é a regra defendida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) para todo território nacional”.

“Sofri preconceito por vir de um país socialista”

Yoani Imeno La Rosa

Médicos cubanos relatam ao Plural os entraves burocráticos para revalidação do diploma, o preconceito que enfrentam por serem estrangeiros e o desemprego que os impede de recomeçar uma nova vida no Brasil.

A falta de trabalho é um dos principais motivos que levaram Yoani Imeno La Rosa, 35 anos, a optar por ficar no país. Graduado em Medicina pelo Instituto Superior de Ciências Médicas de Villa Clara (ISCMVC), na província de Santa Clara, em Cuba, Yoani cumpriu missão na Venezuela e no Brasil.

Em ambos, dedicou-se à Saúde Primária da população, que consiste em controlar a evolução de distintas enfermidades, com medidas que permitem enfrentar por antecipação as doenças.

Para o professor Deivisson Vianna, a medicina preventiva é o modelo que mais se destaca na medicina cubana. “O grande diferencial é a estrutura curricular voltada para atenção primária. Já a brasileira, tem uma estrutura que, ainda hoje, é centrada nas especialidades”.

La Rosa trabalhou por mais de dois anos em Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba, na Unidade Básica de Saúde Santa Luzia. Ele recorda que era uma unidade majoritariamente pobre e carente dos serviços do SUS. Nesse período, diz que nunca sofreu preconceito da população, tendo uma aceitação de toda comunidade.

“Infelizmente, não posso dizer o mesmo de vários colegas brasileiros que trabalhavam no Município. Sofri preconceito desses médicos pelo fato de ser estrangeiro, cubano e por vir de um país socialista”, lamenta.

Hoje, La Rosa comemora a superação das dificuldades com o idioma e a conquista da confiança da comunidade. O desafio agora é conseguir um emprego. As empresas, segundo ele, alegam que o emprego não está no nível da formação acadêmica. “Para mim, independente da formação, todo trabalho é honrado, digno e deve ser desempenhado com orgulho”, avalia.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego atingiu 12,6% em abril de 2020.

“Somos médicos, queiram ou não”

Nivaldo Montero Rodriguez

Um dos poucos médicos cubanos que não faz parte da estatística de desempregados no Brasil é Nivaldo Montero Rodriguez, 51 anos. Ele também tem especialidade em Medicina da Família, pela Universidade de Havana, na capital de Cuba. A formação abriu portas para atuar em países como Honduras, Venezuela e Brasil. Vivendo há seis anos em Maringá, conseguiu a nacionalidade brasileira e trabalha em uma universidade privada, como técnico de habilidades clínicas, no curso de Medicina.

Em 2016, Nivaldo se apresentou para realizar o Revalida, exame que considera “extenso e que não é capaz de medir os conhecimentos do profissional”. Com o edital em andamento para readmitir os médicos cubanos, Nivaldo espera ansiosamente ser convocado para retomar o exercício da Medicina.

“Só queremos poder voltar a trabalhar como médicos. Não queremos tirar vagas de trabalho de ninguém, já estamos revalidados pela vida, pela população, além dos resultados obtidos durante nossa atuação no PMM [Programa Mais Médicos].”

Sobre as desconfianças a respeito da formação dos médicos cubanos, Nivaldo esclarece: “somos médicos, queiram ou não algumas pessoas”.

Cidades selecionadas

As cidades que receberão os médicos cubanos são as seguintes – com as respectivas vagas:

Almirante Tamandaré – 2

Arapongas – 3

Araucária – 4

Barra do Jacaré – 1

Boa Ventura de São Roque – 1

Braganey – 1

Califórnia – 1

Cambé – 1

Campina Grande do Sul – 3

Campo Magro – 1

Campo Mourão – 1

Cascavel – 2

Colombo – 2

Curitiba – 3

Distrito Sanitário Especial Indígena Litoral – 1

Fazenda Rio Grande – 1

Foz do Iguaçu – 1

Francisco Beltrão – 2

Guaíra – 1

Guarapuava – 1

Guaratuba – 1

Imbaú – 1

Ipiranga – 1

Jaguariaíva – 1

Laranjeiras do Sul – 1

Lapa – 1

Londrina – 3

Manoel Ribas – 1

Marialva – 1

Mariluz – 1

Maringá – 3

Morretes – 5

Nova Aliança do Ivaí – 1

Nova Prata do Iguaçu – 1

Ponta Grossa – 6

Quedas do Iguaçu – 2

Renascença – 1

Rio Branco do Sul – 1

Rondon – 1

Santo Antônio do Sudoeste – 2

São João do Triunfo – 1

São Manoel do Paraná – 1

São Mateus do Sul – 1

Sarandi – 2

Senges – 1

Telemaco Borba – 3

Tupãssi – 1

Ubiratã – 1

União da Vitória – 1

Vera Cruz do Oeste – 1

Nobel da Paz

Cuba enfrenta há seis décadas o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. Ainda assim, tem 21 equipes médicas espalhadas pelo mundo e reforça a colaboração internacional durante a pandemia do coronavírus. No documento intitulado ‘A pandemia mostra a necessidade de cooperação apesar das diferenças políticas’, o governo cubano pede aos mandatários que deixem de lado as diferenças políticas-ideológicas para dar prioridade à saúde da população no combate à covid-19.

“A dimensão da atual crise nos obriga a cooperar e a praticar a solidariedade, mesmo reconhecendo diferenças políticas. O vírus não respeita fronteiras, nem ideologias. Ameaça a vida de todos, e é de todos, a responsabilidade de enfrentá-lo. Nenhum país deveria assumir que é suficientemente grande, rico ou poderoso, para defender-se por si só, em isolamento e ignorando os esforços e as necessidades dos demais” (para ler o texto na íntegra, acesse aqui).

O exército de jaleco branco conquista nações afora pelos resultados epidemiológicos satisfatórios que obtém em situações econômicas precárias. Organizações europeias (como ‘Cuba Linda’, organização francesa, e o Comitê França-Cuba) se empenham para que as brigadas cubanas recebam o Nobel da Paz 2020. Uma campanha que busca homenagear o ativismo internacional e a solidariedade dos profissionais cubanos, que estão na linha de frente do combate ao coronavírus.

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