Maternidades fazem mais de 80% de cesáreas, e acham que estão fazendo tudo certo

Instituições justificam alto índice de cirurgias obstétricas por ser escolha da paciente ou indicação médica. Em Curitiba, parto normal virou exceção

Embora pratiquem um número de cesáreas desproporcional em relação ao que recomendam as organizações nacionais e internacionais de Saúde, as principais maternidades de Curitiba afirmam não ver problemas neste procedimento. Para as que mais realizam partos cirúrgicos, o alto índice se deve a uma série de fatores – incluindo a preferência das mães.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ideal seria fazer cesarianas em, no máximo, 20% dos casos. Nas maternidades particulares de Curitiba, a situação é inversa: as cesáreas respondem por 82% dos nascimentos, de acordo com a Prefeitura. O parto normal, na Capital, virou exceção.

Com uma média de oito nascimentos por dia, sendo pelo menos seis por cesariana, as maternidades particulares de Curitiba justificam as cirurgias dizendo que a escolha sempre é da paciente ou do médico. “É conduta médica. De acordo com o quadro clínico, médico e paciente decidem juntos. Buscamos sempre atender o desejo da paciente, respeitando a sua preferência pela via de parto, tomada em conjunto com seu médico”, diz a Maternidade Santa Brígida, local onde mais nascem bebês em Curitiba. A taxa de cesárea da instituição é de 84%, segundo dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) – entre 2014 e 2017.

A segunda maternidade com mais nascimentos neste período – conforme apurou o Plural, na série Nascer Bem – foi a Santa Cruz. “Trabalhamos e reforçamos o conceito de parto adequado, que significa o equilíbrio entre o que a gestante e família desejam e o critério clinico recomendado pelo obstetra para um atendimento seguro e de qualidade, com redução dos índices de intercorrências obstétricas”, frisa a instituição. Ela justifica a taxa de 81% de cesáreas pelo atendimento de alta complexidade que oferece às gestantes.

O mesmo diz a Maternidade Nossa Senhora das Graças, onde o índice de cirurgias é de 85%. “O hospital é referência para atendimento de partos de alto risco, devido à sua estrutura complexa, por ser hospital geral com múltiplas especialidades e possuir unidades de terapia intensiva referência para mãe e bebê. Esse atendimento mais complexo de parto leva a um número maior de cesárias”, explica.

Segundo a maternidade, outro fator que impacta nas taxas é a decisão da paciente. “Tendo em vista a legislação vigente, é respeitada a decisão da gestante pela cesariana, desde que atendidos requisitos, como o período mínimo de gestação (39 semanas) e desde que não haja contraindicação médica.”

O mesmo reforça a Maternidade Curitiba, que registra 86% de cesáreas. “Temos um trabalho pela humanização do nascimento, seja ele parto normal ou cesárea. Respeitamos a escolha da paciente.”

A Maternidade Nossa Senhora de Fátima, com 86% de cesáreas, não respondeu aos questionamentos e tentativas de contato da reportagem.

Índice reduz no SUS

O Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG) é também o gestor da Maternidade Mater Dei, que só atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O índice de cesarianas por lá cai para 33% – enquanto na outra maternidade do grupo (Nossa Senhora das Graças), que só atende por plano de saúde ou particular, a taxa é de 85%.

A diferença enorme entre os números, segundo o grupo hospitalar, está no perfil de atendimento. “A Mater Dei possui um perfil de atendimento de mães com riscos habituais, que favorecem as condições do parto natural, impactando na taxa de partos normais.”

É o que argumenta a Maternidade Bairro Novo, administrada pela Prefeitura de Curitiba, onde apenas 26% dos nascimentos não são naturais. Ela recebe as mães de baixo risco encaminhadas pelas Unidades Básicas de Saúde. Oferece uma sala de práticas integrativas, onde se utilizam métodos não farmacológicos de alivio da dor, auxiliares no trabalho de parto. Há residência em enfermagem obstétrica e a presença de doulas voluntárias.

A maternidade do Hospital do Trabalhador, gerido pelo governo do Estado em parceria com a Prefeitura, tem Pronto Atendimento 24 horas, ambulatório de pré-natal de alto risco e Medicina Fetal. O número de cesáreas é de apenas 33%. “O hospital tem residência médica em ginecologia e obstetrícia, residência de enfermagem obstétrica que atua na orientação do trabalho de parto e realiza orientação para as gestantes de alto risco.”

Na Maternidade Victor Ferreira do Amaral, que também só atende pelo SUS, a taxa de cesarianas é de 25%. Já no Hospital de Clínicas – que integra o Complexo Hospital de Clínicas (CHC), gerido pela Universidade Federal do Paraná – a taxa é de 53%. São duas maternidades. “Uma no Hospital de Clínicas (HC) e outra é a Victor Ferreira do Amaral (MCFA). A primeira é de nível terciário, ou seja, atende casos de alta complexidade; a segunda é de atenção primária”, ressalta o complexo hospitalar.

A taxa mais alta no Hospital Evangélico/Mackenzie – de 48% – também se justifica, segundo a instituição, pelos atendimentos de alta complexidade. “Por ser um hospital especializado em partos de alto risco, a taxa de cesáreas é maior do que em outras instituições. As mães com gestações de risco são encaminhadas pelas unidades de saúde para o Evangélico Mackenzie, que é referência em alto risco”, enfatiza o hospital.

Cesárea humanizada

Bebê vai para o colo da mãe assim que nasce. Foto: Luciana Zenti

Além da possibilidade de escolha, há gestantes de alto risco que têm na cesárea a chance de salvar a própria vida e a do seu bebê. Quando bem indicadas, elas servem para garantir a segurança do nascimento.

Mesmo os procedimentos cirúrgicos podem ser humanizado. “Há uma séria de práticas que podem ser adotadas para tornar esse momento o mais respeitoso possível para a mãe e proporcionar ao bebê uma transição mais suave do útero para o ambiente externo”, explica a doula, jornalista e fotógrafa de parto, Luciana Zenti.

“A luz do centro cirúrgico pode ser reduzida. Algumas mães levam até uma playlist para que seja tocada no momento do nascimento, o que faz com que o ambiente seja mais acolhedor para a família.”

Depois do nascimento, o corte do cordão umbilical é feito somente após ele parar de pulsar, o que faz com que todo o sangue acumulado seja transferido para a criança. “Após esse procedimento, se o bebê nasceu bem e saudável, vai direto para o colo da mãe para fazer o chamado ‘contato pele a pele’, que pode durar até uma hora. Essa proximidade transmite segurança ao bebê e auxilia no fortalecimento do vínculo entre a mãe e a criança, entre outros benefícios”, diz Luciana.

O bebê é colocado para mamar assim que nasce com a ajuda do pediatra, uma enfermeira obstetra ou a doula, que nos casos de cesáreas humanizadas também podem estar presentes para dar suporte emocional à família e auxiliar no pós-parto imediato.

Causas

De acordo com a OMS, as causas do grande número de cesáreas podem estar relacionadas ao aumento da obesidade, da idade das gestantes e dos nascimentos múltiplos. Também são citados, a diferença no estilo de prática profissional e fatores organizacionais, sociais, econômicos e culturais.

“Muitas vezes, não há uma orientação adequada durante o pré-natal. As mulheres vivem uma vida diferente hoje, corrida, repleta de ansiedade e isso faz com quem muitas achem que não vão suportar o período do trabalho de parto. Então já chegam no consultório pedindo a cesárea”, percebe a presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná (Sogipa), Rita Zanini, doutora em ginecologia e docente na UFPR.

Nestes casos, orienta ela, é papel do médico conversar e mostrar os riscos de uma cirurgia, “que tem muito mais complicação e uma maior taxa de morbidade”.

A obstetra destaca que já existem normativas e boas práticas aos partos, equipes multiprofissionais que orientam a mulher quanto à segurança no parto natural, mas a questão é mesmo cultural. “É difícil desconstruir essas teorias. Quanto maior for a conscientização, mais reduziremos o enredamento do medo.”

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2 comentários em “Maternidades fazem mais de 80% de cesáreas, e acham que estão fazendo tudo certo”

  1. Francisca Sousa Silva

    Acho que nós mulheres temos o direito de escolher como será o parto. Sinto pois na maioria das vezes quem vai ter seu bebê pelo o SUS mesmo existindo uma lei que nos dá esse direito deixam as parturientes sofrendo e só fazem a cesária com ela já sofreu tudo que podia,12 ou 24 horas de sofrimento.

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Oi Francisca, existe um conjunto de recomendações técnicas do Ministério da Saúde sobre a opção pela cesárea. Esse conjunto (disponível aqui) indica que a via preferencial de parto é vaginal por conta da enorme quantidade de evidência científica que apontam ser essa a melhor opção tanto para a saúde do bebê quanto da mãe. Essa recomendação, no entanto, também estabelece que a mãe receba informações com base científica sobre as vias de parto e seus riscos. Essa preferência pelo parto normal, no entanto, não autoriza de forma alguma a prática de violência contra a gestante. Independente da via de parto a mãe tem direito a atendimento humanizado e proteção contra qualquer violência, o que inclui o parto prolongado sem medidas de redução de desconforto, além do uso de recursos e manobras que causam dor à mulher. Abraço

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