Lideranças indígenas do PR se juntam à mobilização durante “julgamento do século”

Mobilizações contra projetos anti-indígenas ocorrem na capital do país desde junho; nesta quarta-feira (25), STF iniciou o julgamento da tese do "marco temporal"

Nesta semana, lideranças indígenas paranaenses viajaram os cerca de 1.500 km que separam o estado de Brasília e também realizaram atos locais para acompanhar o julgamento que definirá o futuro dos povos originários do Brasil. Nesta quinta-feira (26), ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começam a votação da tese do “marco temporal”, recurso que afronta diretamente os direitos de território e de vida dos povos indígenas brasileiros. 

Ao todo, são mais de seis mil indígenas de 170 etnias diferentes no Acampamento Luta pela Vida, montado no último domingo (22) perto da Praça dos Três Poderes. O acampamento é a base dos povos que chegam a Brasília para lutar pela demarcação de terras e faz parte da mobilização nacional “Luta pela Vida”, convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que prevê manifestações políticas e culturais no local até o próximo sábado (28). 

Foto: Mariana Alves

O movimento nacional gira em torno da proposta defendida pela bancada ruralista de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem habitadas por eles no momento da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. Caso não estivessem no território na época, seria preciso entrar em uma disputa judicial para comprovar que a área tradicional, fundamental para sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, era realmente deles.

A medida, no entanto, além de desconsiderar o direito originário dos povos da floresta às terras ancestrais garantido na Constituição, ignora o histórico de violências, massacres, genocídios e expulsões que as populações originárias brasileiras sofreram desde a colonização portuguesa.

A comunidade indígena já havia se mobilizado em Brasília em junho deste ano, no Levante pela Terra – também organizado pela APIB -, quando estava em votação o Projeto de Lei 490/2007, que institui o marco temporal. O texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e agora está em votação no plenário. Se aprovado, o PL seguirá para tramitação no Senado.

Foto: Mariana Alves

História e consequências do PL nº 490/2007 

O “marco temporal” foi estabelecido pelo STF em 2008 no julgamento da demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima. A discussão, no entanto, voltou à tona quando, em 2019, uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, da TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem povos Guarani e Kaingang, ganhou status de “repercussão geral”. Isso significa que, a decisão tomada neste caso servirá como uma orientação para outros julgamentos de procedimentos demarcatórios. 

Na prática, caso aprovado, o marco temporal põe em risco tanto terras já demarcadas, que podem ser reduzidas, quanto as que ainda estão em processo de delimitação, que podem não ser regularizadas. De acordo com dados do “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil“, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 2019, 63% das terras indígenas que existem no Brasil estão com processos de demarcação paralisados. O número corresponde a 829 dos 1.298 territórios tradicionais do país. No Paraná, são 40 TIs com alguma pendência administrativa.

Atualmente, existem 408 territórios tradicionais demarcados no Brasil. Desde o início do mandato de Bolsonaro, nenhum procedimento de delimitação territorial foi realizado. Inclusive, no primeiro semestre de 2020, 27 processos de regularização de terras indígenas foram devolvidos pelo Ministério da Justiça (MJ) à Fundação Nacional do Índio (Funai) para revisão por conta da tese do “marco temporal”.

Ato na Floresta Estadual de Piraquara

Nesta quarta-feira (25), diversas pessoas se juntaram às famílias indígenas que estão na Floresta Estadual de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), para realizar um ato de fortalecimento à mobilização nacional Luta pela Vida. 

Foto: Giorgia Prates/Plural

Cerca de 20 pessoas, como a vereadora Carol Dartora (PT) e membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), participaram da ação, que contou com rezas, cantos e uma roda de conversa que debateu sobre o marco temporal. Durante à noite, o grupo rodeou a faixa com o escrito “Sangue Indígena nenhuma gota a mais” com velas e canções.

“O momento agora é de fazer pressão, dar visibilidade à luta e mostrar o quanto é prejudicial a aprovação do marco temporal para a comunidade indígena e para a população no geral. Parece que é só uma questão indígena que está envolvida mas não é. O marco temporal carrega muitos direitos que vão ser atacados. É inconstitucional isso, nossos direitos não começam em 1988. Nós somos os povos originários”, afirma a liderança indígena Eloy Jacintho, da etnia Guarani Nhandewa.

Foto: Giorgia Prates/Plural

Para ir além:

A repressão aos povos indígenas não é exclusividade do governo Bolsonaro. No entanto, ela ganhou novos contornos ao longo dos últimos anos. Trata-se de um enfraquecimento de todas as políticas e órgãos que garantem os direitos dos povos da floresta. Em meio a ataques e falta de apoio, é preciso reconhecer a demarcação de terras como um direito das populações originárias e apoiar uma luta que é do Brasil inteiro.

Para saber mais sobre a batalha dos povos da floresta contra os projetos que põem em risco suas existências, é possível acessar o site da APIB. Lá, há a programação completa do acampamento Luta pela Vida que está sendo dedicada a discussões, atos e manifestações referentes ao julgamento, além de debates relacionados às eleições de 2022 e ao fortalecimento das redes de apoio às lutas indígenas.

Além disso, é possível apoiar a luta por meio do QR Code abaixo ou acessando este link e fazendo uma doação.

Reportagem sob orientação de João Frey

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