Karol Conká denunciou racismo de professor do Colégio Estadual em 2004. Assista

A então adolescente de 18 anos relatou em um documentário o racismo que sofreu dentro da sala de aula, em um dos principais colégios do Paraná

Em 2004, a então estudante secundarista Karoline dos Santos de Oliveira, hoje conhecida como Karol Conká, denunciou uma situação de racismo que sofreu dentro da sala de aula, no Colégio Estadual do Paraná (CEP), em Curitiba. Na época com apenas 18 anos, Karol relatou o caso para o documentário “Preto no Branco: Negros em Curitiba”, realização do Projeto Olho Vivo, dos cineastas Luciano Coelho e Marcelo Munhoz.

“Tem um professor nesse colégio que falou na frente de todos que eu sou negra e vim ao mundo para servir ele, porque ele é branco”, relata a estudante. “Depois disso a minha mãe me tirou do colégio, foi uma falha. Mas esse ano eu voltei e deixei bem claro que se ele persistir nesse assunto eu não vou deixar quieto”, relatou a jovem que se tornaria uma das revelações do rap brasileiro.

Assista à denúncia

Trecho do documentário “Preto no Branco – Negros em Curitiba” (2005) com Karol Conka from Luciano Coelho on Vimeo.

Hoje, Karoline dos Santos de Oliveira se transformou em Karol Conka, cantora, compositora e apresentadora. A artista utiliza suas próprias vivências para retratar através de suas músicas o combate “não violento” ao racismo e ao machismo.

O Plural entrou em contato com a assessoria da cantora, que preferiu não comentar a denúncia feita há mais de 15 anos.

Infância de preconceito

Karoline dos Santos de Oliveira nasceu na zona sul de Curitiba. Morou até os 24 anos no bairro Alto Boqueirão, em um dos apartamentos do Eucaliptos, construções da Cohab espalhadas pela região. Nesse contexto de violência e preconceito deu início à sua transformação em Karol Conka.

Em entrevista para a Revista Fórum publicada em 2013, a cantora comentou sobre episódios de racismo na capital paranaense. “Muitos negros falam que nunca viram preconceito em Curitiba, ‘nunca sofri’. Na verdade, sofrem, só que é tão ruim que a pessoa apaga e não quer falar que sofreu”.

Em entrevista para Giovanna Ewbank, em 2017, Karol relatou outro episódio de racismo sofrido em sala de aula. “Quando eu tinha uns seis anos, minha mãe tinha trançado meu cabelo todo, minha professora foi lá, destrançou e fez um sol com meu cabelo, me sentou e começou a rir. Eu, ingênua, achei que era normal. Só quando cheguei em casa foi que me liguei que não era legal. Aí, contei para minha mãe que queria ter outro tipo de cabelo”, conta a artista.

No ensino médio, Karol foi novamente vítima de ataques racistas, dessa vez praticados por um dos professores do CEP. No trecho do documentário “Preto no Branco: Negros em Curitiba”, aparece uma estudante de cabelo liso repartido e aparelho nos dentes denunciando um ato explícito de racismo.

Karol Conká retrata hoje em suas músicas o combate “não violento” ao racismo e ao machismo (Foto: Divulgação)

“Com 18 anos, fui pro Colégio Estadual do Paraná, onde um professor de artes chamado Sérgio assumiu o racismo dele em sala de aula (…) Disse, olhando para mim: ‘Veja essa criatura. O que resta para os negros? Ou jogar bola, cantar ou virar Pepê & Neném.’ Ele era racista de propósito, falou que ia levar livro de filosofia de Hitler. Fiquei tão indignada que fiz barraco”, declara a rapper em outro trecho da sua conversa com a Revista Fórum.

A denúncia

A Secretaria Estadual de Educação e do Esporte (Seed) comunicou em nota que não foi possível rastrear quais os procedimentos foram adotados na época, uma vez que a artista não citou o nome do professor responsável pela conduta racista.

Atualmente, diz a Seed, as denúncias dos alunos podem ser realizadas diretamente nas escolas, nos Núcleos Regionais de Educação (via ouvidoria), ou na própria Seed.

Quando recebidas são direcionadas inicialmente para averiguações pelos setores competentes para análise da matéria. Caso sejam evidenciados os indícios de irregularidades, poderá ser instaurado um procedimento sindicante ou, se já estiverem confirmadas a materialidade e a suposta autoria, será instaurado o Processo Administrativo Disciplinar.

“Se configurado o ilícito administrativo, é atribuída a responsabilização administrativa e as consecutivas penalidades, nos termos da Lei 6174/79. Se além do ilícito for identificado indícios de conduta passível de responsabilização criminal, o processo é direcionado ao Ministério Público”, diz o posicionamento da Secretaria. 

Preto no Branco

“Preto no Branco: Negros em Curitiba” é uma produção dos cineastas Luciano Coelho e Marcelo Munhoz, que juntos criaram o Projeto Olho Vivo, desenvolvido entre 2003 e 2012, com a proposta de revelar a cidade que fica escondida por trás da Curitiba branca e europeia.

“Na época havia uma professora que colocava em pauta temas como racismo e preconceito em suas aulas. Ela nos convidou para registrar uma das aulas no CEP e foi nesse momento que registramos a denúncia da Karol”, relembra Luciano Coelho.

“Foram dois anos de produção, desde a pesquisa até a divulgação do tema. Nós conversamos com muita gente e registramos diversas realidades, foi um processo muito rico e democrático”, relata Luciano.

O documentário de longa metragem conta a história de pessoas que têm em comum o fato de serem negras e morarem em Curitiba, uma cidade que culturalmente renega sua negritude e seus negros, ainda que, na época das gravações, a população negra constituísse cerca de 20% da sua população.

Assim como o relato da jovem Karoline, as histórias de racismo registradas nas filmagens são cortantes e escancaram o lado B de uma cidade marcada por racismo e preconceito.

Além da abordagem dos negros em Curitiba, o Projeto Olho Vivo também explorou outras realidades. “Nós também registramos o carnaval em Curitiba, a cena musical do jazz, o cotidiano dos catadores de papel, as vivências das transexuais. Uma série de temas que registram a cidade por trás dos rótulos”, afirma o idealizador do projeto.

Reportagem sob supervisão de João Frey

Sobre o/a autor/a

3 comentários em “Karol Conká denunciou racismo de professor do Colégio Estadual em 2004. Assista”

  1. Janeslei Aparecida Albuquerque

    Que bacana rever esse documentário! Sou a professora do vídeo e vejo há quanto tempo esses temas nos preocupavam e quantos estudantes nosso trabalho influenciou e deu voz.

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