Isso que você vive é namoro ou união estável?

Entenda as implicações jurídicas do namoro, união estável e casamento no Brasil, e porque é importante distingui-los

Ao contrário de décadas passadas, as pessoas atualmente não namoram somente com a finalidade de formar uma família. Diante das restrições impostas pela pandemia de covid-19, inclusive, muitos casais decidiram morar juntos não pensando em casamento, mas pela conveniência e desejo de autonomia. Essa mudança de comportamento, no entanto, ocasionou um problema jurídico no Brasil uma vez que essa situação não é prevista pela legislação.

“Tem muitos casais que podem nem saber que estão em uma união estável, mas juridicamente estão”, afirma a advogada e professora da disciplina de Parentalidades, Conjugalidades e Vulnerabilidades do curso de Direito da Universidade Positivo (UP), Mayta Lobo dos Santos.

A docente explica que a distinção entre namoro, união estável e casamento, para a legislação brasileira, é bastante tênue e subjetiva. Mas a principal característica que as difere é que a união estável – mesmo sem um contrato – gera consequências jurídicas equiparadas ao casamento, tais como partilha de bens, pensão alimentícia e herança, por exemplo.

“O namoro é uma espécie de relação que não está prevista no Código Civil (CC) porque não é considerada uma modalidade de família. União estável e casamento formam família. No aspecto conjugal, as pessoas têm direitos e deveres com os companheiros que podem ser subjetivos (fidelidade, parceria) ou objetivos (direitos patrimoniais).” 

Segundo Mayta, para existir o casamento é preciso haver uma relação de parceria, assistência mútua e recíproca entre o casal, além de um contrato formalizando o relacionamento. Se essa realidade existe, mas não há oficialização, a relação é considerada uma união estável.

A servidora pública de 28 anos Lissa Rezende está namorando há quatro anos. “Eu e o Guilherme nos conhecemos no Shopping Hauer, em um rolê bem aleatório. Ele me chamou para sair na mesma semana e nunca mais nos desgrudamos”, conta. Para Lissa, a relação ainda não é uma união estável, mas não é tão simples quanto um namoro. “É uma parceria bem estipulada por nós”, define.

Durante a pandemia, o casal chegou a morar junto por três meses em Manaus, no Amazonas, depois de Guilherme ter recebido uma proposta de emprego lá. “Foi uma experiência ótima, a gente está acostumado um ao outro, somos muito parecidos.”

A servidora conta que, antes de se conhecerem, os dois já planejavam sair de casa, mas optaram por esperar para comprar um apartamento. A previsão é que daqui a um ano eles já estejam vivendo juntos. 

O único vínculo contratual que o casal tem, hoje, é um seguro de vida em nome do outro, por conta do financiamento do apartamento, que teria 50% do valor quitado caso uma das partes faleça antes da conclusão do pagamento. “Claro que a gente pensa em estabelecer algum contrato justamente porque é uma segurança jurídica para a pessoa que está do teu lado. Mas queremos fazer isso quando estivermos morando juntos efetivamente.”

Problema jurídico atual

Para a coordenadora do Observatório Jurisprudencial em Direito de Família e Sucessões junto ao Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marília Pedroso Xavier, diferenciar uma relação de namoro de uma união estável é uma preocupação jurídica recente. 

“Antes os namoros eram muito claros e definidos socialmente, e não existia união estável. Com o passar do tempo, a união estável foi reconhecida pelo artigo 1723 do CC como uma união pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família. O problema é que o Código não fala com tanta riqueza de detalhes o que é ser uma relação contínua. De quanto tempo estamos falando? O que é ser duradouro?”, questiona.

Na visão de Marília, o namoro contemporâneo pode ficar muito próximo de uma união estável e o problema de uma definição vaga como a do CC é justamente o fato de muitos casais não saberem que estão vivendo uma união estável – mesmo sem assinar qualquer tipo de contrato ou documento. 

“O Código permite que as partes façam um contrato escrito, mas não obriga. Normalmente, as pessoas começam a ter uma relação, ela evolui, depois quando vão ver um está pagando as contas do outro, estão morando juntos, estão tendo uma intensidade de vínculo e quando termina, uma das partes fala: ‘Eu quero os meus direitos porque acho que estou em uma união estável’, e gera uma polêmica. E aí esse reconhecimento de união estável se dá de uma forma muito desleal”, explica. 

Uma das soluções para essa situação é, de acordo com Marília, fazer um contrato de namoro. “Assim os casais fazem um documento dizendo que eles têm uma relação pública, contínua, duradoura, mas deixam claro e inequívoco que não têm objetivo de constituir juntas uma família. Eles querem curtir, namorar, viver, mas sem ter qualquer tipo de vínculo jurídico com a outra parte.”

Durante a pandemia, a docente conta que atendeu milhares de clientes do Brasil inteiro – em geral pessoas viúvas ou que já haviam saído de um primeiro casamento – que a buscavam para formalizar esse tipo de contrato. O principal motivo era a morte repentina dos parceiros. 

“O contrato de namoro é um instrumento de responsabilidade afetiva. A gente orienta que os casais busquem de uma forma preventiva deixar as coisas às claras porque é melhor que elas façam esses documentos e se acautelem do que correr o risco de deixar o Poder Judiciário tomar essa decisão por elas no futuro”, pontua Marília, que também é autora do livro “Contrato de namoro”, lançado em 2021. 

Morar junto significa união estável?

Conforme a determinação do CC, a coabitação não necessariamente altera o status da relação de namoro para união estável. E, para Marília Pedroso Xavier, da UFPR, também é possível estar em uma união estável sem morar junto com o cônjuge. “Essa questão foi muito reforçada agora com os casais que decidiram ‘quarentenar’ juntos porque não queriam ficar tanto tempo separados ou para diminuir despesas.”

Para diferenciar união estável de namoro, Mayta Lobo, da UP, não leva em consideração a coabitação. “Na união estável eles já são uma família e vivem como família, compartilham planos, sonhos e metas e contribuem para a realização desses projetos, independente de morarem juntos ou não. No namoro, eles planejam vir a ser uma família. Ou seja, se os planos são futuros, é um contexto de namoro. Se o casal já faz isso hoje, é união estável.”

Emelly Ribeiro e Gabriel Belo moram juntos em Curitiba há oito meses. Eles namoraram por seis anos antes de ficarem noivos, em abril deste ano. “A gente se conheceu na faculdade e nos aproximamos por gostar de Fresno. Como a gente já está junto há bastante tempo, sempre falávamos sobre casar, ter filhos, construir uma família juntos, mesmo antes do pedido de casamento”, relata Emelly, de 23 anos.

Riscos

Na opinião de Mayta Lobo, o contrato, caso não identifique a realidade, pode significar uma falsa segurança para o casal. “É arriscado não ter esse contrato? Sim e não. Eu posso ter um contrato e levar esse caso em juízo e o juiz decidir que o documento é inválido. Se o contrato diz que a união começou em 2020, mas na verdade a gente se relaciona desse jeito desde 2010, vão surtir efeitos jurídicos desde 2010”, exemplifica.

Além disso, segundo a docente, o contrato não é o único elemento comprobatório para constituir ou desconstituir uma união estável. Caso a ação seja levada à Justiça, é preciso considerar testemunhas, redes sociais, documentação em cadastros, etc. 

Já para Marília Pedroso Xavier, o risco de uma relação ser considerada legalmente como união estável são as possíveis consequências jurídicas indesejadas caso uma das partes entenda que era apenas um namoro. 

“As pessoas precisam agir de forma preventiva para que no momento do rompimento elas não sofram com ações judiciais que têm um enorme custo emocional, financeiro e jurídico. O advogado é alguém que as pessoas devem procurar não apenas para entrar com uma ação, mas para ser um conselheiro que vai indicar os documentos que precisam ser elaborados para proteger e poupar as pessoas”, finaliza.

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