Imigrantes africanos se organizam para enfrentar discriminação em Curitiba

Em Curitiba ao menos 40 pessoas participam ativamente de uma associação formada por africanos

A mestranda Gloire Nkialulendo Mavangi, de 29 anos, divide o tempo entre o cuidado com a casa, os três filhos e o marido, e as aulas na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ela chegou ao Brasil em 2017, vinda do Congo. A instabilidade política no país de origem foi um dos motivos.

No Brasil, Curitiba foi o destino escolhido para a nova vida, e a capital começou a ganhar contornos de lar para Gloire, que é bacharel em Direito.

Na UFPR, em 2019, logo que iniciou os estudos, percebeu a necessidade de se organizar. “Em todos os lugares eles queriam que eu falasse em nome dos africanos, porque eu sou africana, mas não podia fazer isso sem autorização deles, então decidi criar uma associação.”

Todo os estudantes africanos da UFPR foram convidados a participar. Nem todos aceitaram. Gloire também abordava imigrantes na rua. A ideia era criar uma comunidade africana tanto para ajudar quem estava chegando, quanto para vínculos fraternos.

Nascia a Associação dos Imigrantes Estudantes, Profissionais e Refugiados Africanos Bomoko. A pandemia afetou a formalização, mas o estatuto está pronto e há comunicação frequente pela internet.

O congolês Moïse foi espancado até a morte ao cobrar salário atrasado. Foto: reprodução.

Atualmente, são 40 integrantes ativos de diversas nacionalidades africanas, entre eles guineenses, angolanos, senegaleses e, claro, congoleses.

Dados extraoficiais apontam que há, ao menos, 100 congoleses em Curitiba, de acordo com a Bomoko. E assim como a comunidade africana, eles reagiram ao assassinato de Moïse Mugenyi, de 24 anos, morto ao cobrar salário atrasado. O crime aconteceu no Rio de Janeiro e houve manifestações em diversas cidades do país, incluindo Curitiba.

Dificuldades

Muito congoleses estiveram no ato em frente à Igreja do Rosário. Glorie foi uma delas e junto com outros amigos manifestou sua indignação. “O primeiro sentimento é de raiva mesmo, depois tristeza. Algumas pessoas [congoleses] aqui de Curitiba conheceram o Moïse, dividiram moradia com ele, e sabem que era boa pessoa”, afirma.

O assassinato tem motivações xenofóbicas, um problema recorrente na vida de imigrantes de qualquer parte do mundo e, quando se trata de população negra que tem a pele retinta, como grande parte dos congoleses, as dificuldades são potencializadas pelo racismo.

Uma pesquisa do professor Márcio de Oliveira, da UFPR, que foi publicada em 2020 na revista do programa de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), indica que ao menos 41% dos imigrantes sofreram algum tipo de discriminação no Brasil. Os dois principais motivos são:  ser estrangeiro e ser negro, de acordo com os entrevistados.

Apesar do sorriso, Gloire já foi vítima de racismo e xenofobia em Curitiba | Foto: Tami Taketani/Plural.

Gloire mesma foi seguida em um supermercado na região central de Curitiba. “Eu estava de mochila e capuz porque estava muito frio. Tinha acabado de sair da aula na universidade e precisava comprar um produto para meu cabelo. Quando entrei no mercado o segurança me seguiu. Eu só estava circulando porque não sabia para que lado estava o produto, mas ele me perguntou o que eu estava fazendo lá, de onde eu era, o que eu estudava e disse que nunca tinha me visto antes”, lembra.

Suporte

Alguns dos imigrantes preferem não buscar ajuda nestas situações. Outros esbarram na burocracia dos órgãos públicos, mas há iniciativas da sociedade civil que servem de suporte e dão orientações para quem sofre algum tipo de discriminação.

Uma delas é a Cáritas que orienta imigrantes quanto seus direitos. Não raro os assessores da instituição intermediam contato com Ministério Público (MP), polícias e demais órgãos para que os direitos dos imigrantes sejam garantidos.

“É nosso maior desafio combater a xenofobia. Muita gente pensa que os imigrantes vieram aqui para ‘roubar o emprego’ dos brasileiros, então temos um trabalho de acolhimento mesmo”, declara o assessor da Cáritas, André Martini.

À parte isso, há organizações não-governamentais que também se empenham em garantir cidadania para quem chega ao Brasil em busca de vida nova, como faz a Migranós, sediada em Santa Catarina e criada por pesquisadoras que trabalhavam em conjunto com a Pastoral do Imigrante, Centro de Referência ao Atendimento de Imigrantes (CRAI-SC) e Defensoria Pública da União (DPU-SC).

Atualmente a Migranós trabalha no primeiro projeto: uma cartilha sobre direitos de pessoas imigrantes no Brasil, das quais ao menos 35 mil são africanas.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima