Governo Ratinho é questionado por plano de litoral “sustentável”

Cartas pedem maior atenção aos impactos de porto e rodovias

O governo Ratinho Jr. (PSD) vem sendo questionado por ambientalistas pelos rumos que adotou com relação ao Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral do Paraná (PDS Litoral).

Nos próximos dias, antes da fase final de elaboração do programa, iniciado na gestão Beto Richa (PSDB), entidades de classe, acadêmicas e ambientais, querem discutir problemas, especialmente na gestão ambiental da região. Os itens foram reunidos em cartas, entregues ao governo e ao Ministério Público.

Na gestão passada, um consórcio de instituições brasileiras e estrangeiras foi contratado por R$ 3,2 milhões para fazer um estudo aprofundado do litoral, coletando dados, ouvindo a sociedade para, ao fim do processo, construir cenários que prevejam como os sete municípios litorâneos podem se desenvolver com sustentabilidade nas próximas décadas.

Após quatro etapas e 12 dos 13 passos do processo de elaboração do documento, no entanto, apenas um dos cenários sugeridos aparece no plano, dizem os ambientalistas. Ele é o que prevê a maior quantidade de obras, como o Porto Pontal, a Faixa de Infraestrutura, a ponte de Guaratuba e o asfaltamento da estrada de Guaraqueçaba. O Ecoturismo, forte instrumento de desenvolvimento local apontado por instituições, também não estaria devidamente inserido no plano.

A maior preocupação continua sendo a ausência de uma avaliação ambiental aprofundada, envolvendo principalmente a construção da faixa de infraestrutura e o novo porto de Pontal do Paraná.

“A metodologia e a forma de trabalho são muito interessantes”, afirma André Dias, do Observatório de Justiça e Conservação (OJC). No entanto, falta uma análise integrada do impacto do plano, “uma avaliação ambiental estratégica, para embasar tecnicamente as políticas públicas e o aumento da região”, destaca.

“Percebemos apenas o cenário com todas as novas infraestruturas para o Litoral do Paraná. Ponte de Guaratuba, BR-101, Porto de Pontal, Faixa de Infraestrutura, que seria o cenário do governo. Porém, houve uma discussão extensa sobre cenários mais responsáveis, considerando a vocação para o Ecoturismo do Litoral e não só a questão portuária industrial”, ressalta Dias. “Isso impacta diretamente na necessidade de uma avaliação ambiental estratégica.”

O ambientalista percebe que outro ponto importante, contido nas cartas, a ser considerado pelo PDS, é o estudo de capacidade de carga para região costeira do Paraná. Ele ajudaria, segundo Dias, na análise do uso e ocupação do território, capacidade populacional, saneamento, energia e infraestrutura básica nos municípios, dentro do cenário que o PDS propõe.

Um dos objetivos do PDS é respeitar as peculiaridades dos municípios e as fragilidades ambientais da região, traçando ações para o desenvolvimento sustentável do Litoral do PR

Cenário Político

Preocupação dos ambientalistas também são os riscos de direcionamentos políticos, não necessariamente acompanhados de diretrizes técnicas. “Desde o início, colocamos diante do MP a preocupação em projetos de desenvolvimento que vinham sendo colocados muito mais dentro de aspectos políticos do que de visão estratégica de desenvolvimento, especificamente Pontal do Paraná”, aponta o diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa, Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges, também membro dos Observatórios de Conservação Costeira (OCC) e de Justiça e Conservação (OJC). Borges explica que as cartas são o reforço dessa preocupação. “Elas sustentam que algumas questões precisam de mais estudos.”

É o caso do novo porto de Pontal. “A expansão de Paranaguá é muito mais coerente do que ampliar uma zona portuária e suas consequências todas para um município que representa uma atividade balneária com potencial de negócios nesta área”, argumenta Borges. “A otimização do porto, especialmente da APA (Área de Proteção Ambiental), permite o atendimento da demanda com folga para os próximos 30,40 anos. Então, sustentados por este argumento técnico, fica difícil estabelecer o sacrifício de uma outra região, que é interpretado como forma de desenvolvimento. Isso não justificaria”, sustenta. 

Porto de Paranaguá, no Litoral do Paraná. Foto: José Fernando Ogura/ANPr

O ambientalista lembra que há balizamento técnico para esta questão e que as cartas são o desfecho de um esforço enorme, da academia e do terceiro setor, de acompanhamento e aporte de informações sobre o assunto para o governo.

Recomendações do MP

Até o meados de julho, o Ministério Público do Paraná (MP/PR) havia recebido quatro cartas – assinadas por várias entidades, entre elas ONGs, sociedade civil, ambientalistas e universidades – solicitando a reavaliação de pontos do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral (PDS-Litoral). “Todas trazem questões de inconsistências e de pontos que precisam ser melhor abordados. Faremos recomendações ao consórcio e ao governo para que considerem estas cartas, no conteúdo do plano” , garante a promotora de justiça do MP, Priscila da Mata Cavalcante, do Grupo de Atuação Especializado em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema) – Regional Paranaguá.

Ela conta que as cartas trazem orientações sobre os empreendimentos de infraestrutura, o licenciamento ambiental e os impactos sinérgicos. Afirma que há pontos que precisam ser melhor tratados, relacionados ao Porto de Pontal, Porto de Antonina e a Faixa de infraestrutura. “O projeto do porto de Pontal do Paraná prevê o armazenamento de carga perigosa. O porto de Antonina também tem um problema gravíssimo de profundidade, pois se encontra localizado em área assoreada da Baía de Antonina, o que precisa ser melhor colocado no zoneamento”, revela a promotora.

Já a faixa de infraestrutura refere-se à proposta de construção de seis
empreendimentos, inclusive uma nova rodovia – paralela a PR-412, que hoje dá acesso aos balneários. “Uma sugestão seria avaliar a contra-proposta do OJC, financiada por recursos dos próprios cidadãos, e apresentar novas propostas para desafogar o trânsito da PR-412.”

Proposta para a faixa de infraestrutura. Ilustração: Seil / ANPr

Ainda assim, Priscila acredita que houve avanço em relação aos conflitos de zoneamentos, entre plano diretor e unidade de conservação, além da proposta de uma revisão na governança do Litoral.

O estudo também se destaca por conseguir envolver os municípios. “Foi o primeiro plano que ouviu as pessoas de fato, em especial os indígenas. Também fizeram um bom trabalho em apontar os conflitos entre os planos diretores, o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e as unidades de conservação. Trouxeram críticas muito bem fundamentadas ao ZEE e uma metodologia correta, fazendo uma nova proposta de macrozoneamento, respeitando o traçado das aldeias indígenas e unidades de conservação”, enfatiza.

Pedidos analisados

Dividido em cinco fases e 13 produtos o PDS buscou a participação ativa da sociedade em sua elaboração. “Ele não é feito primeiro para depois ser apresentado para validação”, evidencia o arquiteto e urbanista Fabrício Miyagima, da Secretaria Estadual de Planejamento. Ele é o gestor do contrato com o consórcio responsável pela elaboração do PDS.

Miyagima acrescenta que os estudos do PDS foram norteados pelos princípios básicos do desenvolvimento sustentável, que buscam o equilíbrio entre a dimensão social, econômica e ambiental. Para isso, divide o trabalho em pontos: Sócio-territorial, econômico, ambiental, institucional e infraestrutura. “E temos o Termo de Referência que é o grande manual do nosso trabalho”, completa o gestor.

Após 18 meses,  42 reuniões técnicas, 16 oficinas participativas e 21 audiências públicas, chega-se à elaboração do plano de ação. “Rodamos todas as prefeituras e instituições em busca de informações, recomendações, produções científicas; todas foram incorporadas neste plano”, reforça.

As últimas audiências terão início na próxima semana (5/8) e trarão um relato das oficinas e os resultados. “Criamos um ambiente de diálogo entre os municípios, o que não existia. É uma forma de discutir as questões relativas ao PDS e também incentivar a dinâmica regional de trabalho em conjunto.”

Oficinas e audiências púbicas foram realizadas em todas as cidades litorâneas. Foto: PDS

Da união, destaca Miyagima, saíram grandes projetos de infraestrutura em consenso. É o caso da nova ferrovia, “a nova descida da Serra”, e a pavimentação da PR-405, “a estrada de Guaraqueçaba”, além da estruturação do transporte náutico na baía de Paranaguá. “São exemplos de que a discussão pode ser válida e produtiva para o estado. É um projeto consensuado.”

Para os projetos nem tão consensuais, como o porto e a faixa de infraestrutura, o PDS propõe uma governança. “Talvez o Colit (Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense), para se criar um novo ambiente de diálogo e deliberação para esses projetos polêmicos”, adianta o representante do governo.

De acordo com o gestor, todas as recomendações e pedidos da sociedade estão sendo analisados. “Serão respondidos todos os ofícios enviados, no momento oportuno”, diz. “Estamos estudando as correções e incorporando algumas em alguns produtos. Para outras, já apresentamos justificativas. Como é um processo participativo, isso é muito válido. É esta a fase”, recorda.

Após as audiências públicas da semana que vem, governo e consórcio se reúnem para novo compilado. A  apresentação do documento final será em conferência regional, no mês de setembro, em Paranaguá.  

Litoral do Paraná. Foto: Arnaldo Alves / ANPr

O que espera a sociedade

Carta de Matinhos – 16 de agosto 2018

Pesquisadores, acadêmicos, ambientalistas e sociedade civil pedem, com urgência, atenção a 56 pontos, cinco deles em especial: suspensão dos processos de licenciamento dos grandes empreendimentos em Pontal e Paranaguá; revisão dos licenciamentos ambientais para os empreendimentos, considerando o caráter sinérgico dos impactos; relatórios do PDS disponibilizados para sociedade civil; inclusão de cenários que respeitem ecossistemas e modos de vida das populações do Litoral.

Carta de Paranaguá – 31 de maio 2019

Comunidade científica, profissionais e pesquisadores de universidades públicas e institutos federais solicitam maior clareza metodológica, como o detalhamento de todos os impactos associados às atividades portuárias e aos investimentos nas rodovias, considerando os impactos sinergéticos negativos sob o ponto de vista social, ambiental e cultural.

A carta percebe a minimização dos impactos negativos, a carência da apresentação de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável padronizados nacional ou internacionalmente, a ausência de cenários que envolvam turismo, prestação de serviços, tecnologia da informação, gestão de recursos naturais ou sistemas produtivos associados à Agricultura, Agroecologia ou Agropecuária, entre outros. A recomendação seria apresentar opções equilibradas relacionadas a outros investimentos que não sejam fundamentados apenas na construção de rodovias ou no investimento portuário.

Para a comunidade científica, os documentos produzidos pelo consórcio apresentam inconsistências conceituais ou técnicas e as ideias estão desconectadas entre si ou da realidade do Litoral. Também não estariam considerados os impactos sobre as mudanças do clima e as ações relacionadas ao conceito de adaptação, baseadas em Ecossistemas. Por fim, avaliam, o PDS não traz informações detalhadas sobre Governança.

Carta do Observatório de Justiça e Conservação – 17 de junho 2019

Dezenas de instituições envolvidas em projetos costeiros, ambientais e sociais do Litoral apontam a necessidade de incremento nas atividades de turismo voltado à natureza, com uso adequado das unidades de conservação. Elas pedem o estímulo à geração de emprego e renda alinhado a ativadades de baixo impacto ambiental.

O documento refuta a necessidade de ampliação de áreas portuárias e industriais fora da já existente em Paranaguá, por conta dos impactos sociais, economicos e ambientais que a expansão pode provocar.

As entidades ainda solicitam apresentar um projeto de desenvolvimento alternativo para o Litoral, chamado Salve a Ilha do Mel.

Farol da Ilha do Mel. Foto: Observatório de Justiça e Conservação

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